Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

As primeiras lições do outubro mais longo de nossa história

Apesar de toda a empreitada por uma tal frente ampla por meio de uma terceira via, quem conseguiu, efetivamente, formar algo à altura da expressão foi Lula

Lula e Geraldo Alckmin. Foto: Nelson Almeida/AFP
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O outubro mais longo da história da política brasileira passou. O risco de continuidade do projeto imoral e abjeto de destruição da extrema-direita brasileira parece ter se dissipado diante da falta habilidade (e talvez de recursos) do candidato à reeleição derrotado no último dia 30. Não que o horizonte de possibilidades golpistas tenha sumido completamente, afinal, para quem acompanha de perto o ecossistema de comunicação digital do bolsonarismo, a regra é sempre a cautela. Contudo, é preciso que comecemos a fazer alguns balanços sobre o que vivemos até o último domingo com vistas ao futuro que nos avizinha. E não pretendo esgotá-lo aqui. 

Arrisco, enumerando, algumas reflexões ou até mesmo lições dessa jornada de 2022. 

1) A Nova República – ou até mesmo a história da política brasileira – nunca viveu algo equivalente ao que se viu na eleição presidencial deste ano. Jair Bolsonaro, seu governo e um consórcio que envolveu o Executivo Federal, parlamentares, membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, de órgãos de polícia e alguns veículos de imprensa, foram artífices ou cúmplices de séries inéditas de crimes e fraudes eleitorais. 

Do despejo de bilhões à esmo ao uso da Polícia Rodoviária Federal para obstruir o direito de ir e vir e de votar do eleitorado de baixa renda, o que vimos é um escárnio só possível de continuidade e naturalização num país cujas instituições  e a imprensa decidiram por naturalizar a barbárie da extrema-direita.

Não é à toa que em menos de uma semana após o ocorrido, um militante bolsonarista e coordenador da campanha à reeleição de Jair Bolsonaro que resolveu “receber” agentes da Polícia Federal com mais de cinquenta tiros de fuzil e granadas tenha caído no esquecimento da cobertura jornalística. Não foi diferente da deputada federal que sacou uma arma e apontou para um militante da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva no meio de uma das ruas da cidade de São Paulo. 

Caminhamos para janeiro de 2023 e o governo mais escandaloso de todos os tempos terminará sem um escândalo midiático sequer. Os absurdos eleitorais foram a cereja desse bolo podre. É impossível ter fé em alguma esperança de justiça com esse histórico de absurdos. 

2) Jair Bolsonaro e membros de seu governo foram vítimas do próprio preconceito social que sempre carregaram como bandeira ideológica e baliza para medidas governamentais. Apostaram que pobre – ou no vocabulário da grande imprensa, o eleitorado lulista da gratidão pelo Bolsa família – cairia rapidinho no colo de Jair Bolsonaro com uns trocadinhos dados pelo governo. 

Pobre não troca voto por dinheiro. Pobre calcula, discerne e decide basicamente como todos nós, socioeconomicamente privilegiado. A rigor, preciso fazer um reparo: foi exatamente o eleitorado de baixa renda e baixa escolaridade que preferiu, nesta eleição, a democracia ao fascismo contra o eleitorado de alta renda e alta escolaridade. Apesar dos bilhões drenados da Fazenda Pública, Jair Bolsonaro não conseguiu arrancar praticamente nada significativo de seu principal adversário e vencedor do pleito. 

3) Apesar de toda a empreitada midiática que militou por uma tal frente ampla por meio de uma terceira via, quem conseguiu, efetivamente, formar algo à altura da expressão foi Lula. E isso é inegável. Assim como é inegável que tenha feito história em várias frentes: seja pelo fato de ter ressuscitado politicamente após anos de perseguição política que culminaram numa efetiva prisão por motivos políticos, quanto por ter vencido uma eleição improvável diante de uma máquina posta a serviço do crime eleitoral. Ademais, não fosse Lula e seu recall eleitoral no páreo, esta coluna estaria tratando de como estaríamos à caminho do esfacelamento final da democracia brasileira. 

4) Lula tem às mãos uma chance de ouro: a de reestabelecer não apenas uma espécie de pacto civilizatório, mas o reestabelecimento do contrato social formalizado pela Constituição de 1988. A frente ampla construída em torno de sua candidatura não pode se esgotar em sua utilidade eleitoral. Os anos de batalha fratricida entre PT e PSDB precisam dar lugar a uma frente democrática institucional voltada para o combate às desigualdades, às nossas mazelas sanitárias, educacionais e ambientais e sempre de olho na defesa da democracia e do Estado de Direito.

Pois, como vimos, sem vigilância, pacto civilizatório e inteligência, ficamos por um fio para descambar num projeto de poder autoritário. Afinal de contas, o fascismo brasileiro está aí escancarado para queM quiser ver. 

O ano de 2022 não pode ter sido à toa. 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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