Opinião
O governo mais escandaloso da Nova República terminará sem nenhum escândalo para chamar de seu
Não se trata aqui de acusar a grande imprensa de conivência ou algo que o valha. Trata-se apenas de considerar os fatos
Uma jornalista está prestes a lançar um livro com 283 páginas sobre como Lula e seus parentes enriqueceram ilicitamente por meio do desvio de recursos públicos. Os documentos analisados e as testemunhas ouvidas dão conta da compra de mais de 100 imóveis, dos quais, mais da metade, pagos parcial ou inteiramente por meio de dinheiro vivo.
O livro ainda revela detalhes interessantes, como a organização de crimes de peculato que consistiam em nomear funcionários fantasmas em gabinetes do atual presidente, Lula, e seus filhos, parlamentares, para recolher e distribuir à família seus salários pagos com dinheiro público. Também descreve situações cinematográficas, como caixas cheias de cédulas de dinheiro sendo distribuídas pelo presidente a seus comparsas em sua casa. Como se não bastasse, há ainda indícios de que investigações foram sabotadas com a ajuda de procuradores aliados e de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Curioso como isso não se tornou um escândalo midiático de grandes proporções, certo? Talvez porque um detalhe dessa história é inverídico. Não se trata de Lula, mas de Jair Bolsonaro e seus familiares. O livro existe e será lançado nos próximos dias. O título é O Negócio do Jair (Zahar). A autora, a jornalista Juliana Dal Piva.
Todas as informações que apresentei acima foram extraídas de uma matéria discreta posicionada na página A14 da edição deste sábado da Folha de S. Paulo – sem qualquer destaque de capa. Há mais uma: parte do que Juliana traz em seu livro já foi divulgado anteriormente pelo portal UOL e outros veículos de imprensa, incluindo a mesma Folha. Mas, apesar de um poço profundo de evidências escandalosas, não temos um escândalo envolvendo Jair. O Brasil não está discutindo o assunto.
Mas por quê?
Alguns argumentam que se trata de uma suposta fragilidade na investigação. Não me parece plausível. As enormes fragilidades das investigações envolvendo o sítio de Atibaia, o tríplex do Guarujá e o envolvimento de Lula em esquemas de corrupção na Petrobras não impediram a grande imprensa de produzir uma escala industrial de suítes e mais suítes com tudo aquilo que achavam que pudesse comprovar o envolvimento do ex-presidente nessas suspeitas. Nunca houve cautelas deontológicas como agora afirmam existir.
Exemplos? A Folha manteve um jornalista por meses na cidade de Atibaia para investigar as denúncias envolvendo o suposto sítio de Lula. O investimento rendeu manchetes sobre nomes de pedalinhos e até uma antena da operadora de telefonia Oi que teria sido colocada próxima ao sítio por ordem do então presidente. Essas denúncias eram puramente jornalísticas, e não uma reverberação de acusações oriundas de órgãos oficiais.
O problema não é a qualidade das suspeitas, mas a falta de apetite.
Celso Rocha de Barros, colunista do mesmo jornal, compartilhou recentemente seu espanto com a falta de informação do público sobre os casos de corrupção. O colunista culpa as instituições, aparelhadas por Jair Bolsonaro. Conversa fiada e das graúdas. A grande imprensa brasileira nunca precisou (e não precisa) do impulso de investigações oficiais para tocar suas próprias investigações. Muito pelo contrário, na verdade. A grande imprensa brasileira sempre foi pródiga, a depender do governo e do presidente em questão, em (a) municiar autoridades a tocarem investigações por meio de suas próprias investigações e (b) em criar escândalos midiáticos baseados em suspeitas e especulações, que terminam provocando efeitos políticos sobre a opinião pública e a instituições.
Apesar de termos o governo mais escandaloso da Nova República, Jair Bolsonaro concluirá o seu mandato, tragicamente, sem um único escândalo de proporções midiáticas para chamar de seu. Não se trata aqui de acusar a grande imprensa de conivência ou algo que o valha. Trata-se apenas de considerar os fatos à luz da nossa história política recente. Jair Bolsonaro só não foi mais bem tratado por nossa grande imprensa do que Fernando Henrique Cardoso. Não é opinião. É um fato.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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