Opinião

As lições que a esquerda deve tirar do 1º turno

A primeira reflexão leva ao reconhecimento de que valores morais são tão ou mais importantes do que o bem estar socioeconômico

Lula e Jair Bolsonaro. Fotos: Ricardo Stuckert e Albari Rosa/AFP
Apoie Siga-nos no

“…brasilidade, coisa que defino como uma comunidade de sentidos, afetos, sonoridades, rasuras, contradições, naufrágios, ilhas fugidias, identidades inviáveis, subversões cotidianas, voo de arara e picada de marimbondo, reza, saravá e samba.” – Luiz Antonio Simas

Na ressaca das eleições, a nossa maior procura, nosso desejo mais premente, urgente, parece ser entender o Brasil.

Tarefa ciclópica.

Uma primeira reflexão leva ao reconhecimento de que valores morais são tão ou mais importantes do que o bem estar socioeconômico.

Como Gramsci advertira, a cultura está no centro da política.

Há necessidade de pertencimento: o país é grande e diversificado o suficiente para que o temor de nos perdermos nos assole.

A vida foi-se tornando crescentemente menos comunitária. Sem esses vínculos, a competitividade exacerbou-se. A angústia de estar entre os “vencedores” – tão distante dos “perdedores” – traz ansiedade e isolamento.

A busca pela identificação com o grupo torna-se, assim, mais do que necessária, vital.

O que nos atrai mais em um dos traços culturais que mais nos definem – o futebol. Os times? O pertencimento? As torcidas?

Não passa pela busca de dentificação, de pertencimento, sermos “o país do futebol”?

Dessa forma e pela manipulação (inclusive política, ideológica e religiosa) pobres identificam-se com ricos; explorados, com exploradores; mulheres, com homens; gays com homofóbicos; colonizados, com colonizadores e assim por diante.

O Brasil parece estar na transição – em trânsito e transe.

A manipulação política se mantém, por meio da manipulação das identidades, mas uma transição para fora e além dessa área viciada se faz notar, fortemente.

A eleição de duas transexuais para a Câmara Federal (Erika Hilton, em São Paulo, e Duda Salabert, em Minas) é simbólica, ficando a drag queen Ruth Venceremos na primeira suplência da Câmara, em Brasília. Rebeyoncé Lima, de Pernambuco, por pouco também não entrou, agora.

Renato Freitas, negro, injustamente cassado pela Câmara de Vereadores de Curitiba, retorna pelas mãos da Justiça não apenas àquela Casa, mas é eleito para a Assembleia Estadual do Paraná.

Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) é o deputado federal mais votado do Brasil.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) elege significativa bancada, reconduzido Dionísio Marcon à Câmara Federal, e conduzindo Marina Santos à ALERJ.

A Federação da qual o PT faz parte passa de uma bancada federal de 54 para 80 deputados, com Lindberg Farias, Chico Alencar e Benedita da Silva, eleitos pelo Rio de Janeiro.

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) faz sua maior bancada federal, tendo o Rio de Janeiro reconduzido Glauber Braga à Câmara.

Não são apenas números, são qualidade.

Mais mulheres foram eleitas, mais mulheres – e homens – votaram em mulheres.

A Federação PT/PC do B e PV, no Rio Grande do Sul, elegeu 7 deputados federais, sendo três mulheres e quatro homens!

Quase se atingiu a paridade de gênero!

Dentre elas, a simbólica Maria do Rosário (PT), agredida psicológica e fisicamente pelo genocida, e Daiana Santos (PCdoB), negra e primeira vereadora lésbica de Porto Alegre.

São mudanças qualitativas que não podem ser menosprezadas em nenhuma hipótese. É a população se olhando no espelho, se vendo e gostando do que vê. Daí, votando em quem de fato a representa, sem medo de ser feliz.

O deputado distrital mais votado na história do Distrito Federal, Fábio Félix, do PSOL, também é gay, no DF, uma das unidades mais conservadoras da União. Isso não é pouco.

O país dos doutores, que elegera e elegerá um torneio mecânico para dirigi-lo, está em franca mutação, às vezes mais rápida, outras, mais lenta, mas inexorável.

O velho custa a partir, mas, ainda assim, o novo vem chegando.

Não é a situação ideal, mas o futuro tem suas peculiaridades, seus caminhos e descaminhos.

Isso nos mostra esta eleição: a necessidade de estarmos abertos para as alianças táticas, para que os objetivos estratégicos possam ser atingidos, ainda que em prazos mais dilatados.

Sigamos na luta, na boa luta.

Isolando, em primeiro lugar, o fascismo, para que a luta seja leal, democrática e justa. Sem manipulações e mentiras. Para crescer, ir em frente, não regredir a estádios primitivos.

Fomos feitos para a luz, que sempre venceu, vence e vencerá as trevas.

No segundo turno, é Lula de novo!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo