Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

As eleições serão uma disputa entre democracia e antidemocracia. O resto é distração

É difícil que a agenda moral de campanha funcione para Bolsonaro como em 2018 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Fotos: Ricardo Stuckert e Evaristo Sá/AFP
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O sistema de som de um supermercado em um bairro de classe média de Belo Horizonte informava nesta semana que diversos itens estavam com os preços reduzidos. Nas palavras do locutor, o objetivo dos descontos era que o consumidor fizesse “…seu salário durar até o fim do mês”. 

A calamidade econômica e social que o Brasil vive nos últimos anos foi largamente registrada pela imprensa e, avulsamente, nas redes sociais. Mas agora, corrói também o poder de compra e o bem-estar dos estratos menos vulneráveis da sociedade brasileira, resultado da inflação gerada por uma política econômica desastrosa e excludente, voltada apenas para o manejo (agora anabolizado) dos interesses dos privilegiados e endinheirados de sempre.

Essa conjuntura vem delineando os contornos da disputa eleitoral para a presidência em 2022. 

Para se ter uma ideia, o professor Emerson Cervi, da Universidade Federal do Paraná, divulgou uma compilação de dados relevantes extraídos da última pesquisa CNT/MDA, publicada neste mês de fevereiro. Nela, verifica-se que o item “Economia” é aquele em que o Governo Bolsonaro mais sofre na comparação com todos os outros governos que o precederam. Cerca de 60% dos entrevistados afirmam que a economia sob esse governo vai pior do que qualquer outro que o antecedeu. Apenas 18% dizem que ele se sai melhor e 20% que tem sido a mesma coisa. 

https://twitter.com/Ecervi/status/1496103450169520136

Em todos os temas, com exceção de “Infraestrutura”,  o “pior” está sempre acima do “melhor”, mas é exatamente em “Economia” que a discrepância atinge níveis estratosféricos. Para se ter ideia, o segundo item com a maior avaliação de “pior”,  relativo à relação do governo com o Congresso, registra 46%. 14% a menos que economia. E como miséria pouca não é besteira, 43% dos entrevistados dizem, corretamente, que nenhum governo foi tão prejudicial às políticas e benefícios voltados aos mais pobres do que o atual. 

Diante da evidente penúria batendo à porta dos que talvez imaginavam estar imunes aos dramas do ‘andar de baixo”, é difícil que investir numa agenda moral de campanha surta o efeito que surtiu em 2018 e que levou Jair Bolsonaro à cadeira presidencial. Entre as necessidades materiais básicas e as necessidades simbólicas, a expressiva maioria não pensará duas vezes em priorizar e prestar a atenção nas primeiras. 

Não trago nenhuma constatação nova. Não à toa, Bolsonaro e alguns de seus ministros, militares e militantes, voltaram à carga de ataques a instituições nesta semana. Isto porque a vaca está atolando ainda mais no brejo. 

Bolsonaro tem a caneta na mão e isso faz diferença, é verdade. O jogo eleitoral não está ganho e o atual presidente está longe de ser um peso morto. Isso não é novidade para nenhuma leitora ou leitor desta coluna.  Assim como não é novidade que as intenções de voto em Lula comecem a sofrer alguma inflexão natural, afinal, o petista subiu muito rápido e, tudo indica, atingiu o que parece ser seu teto ou algo muito próximo a ele. 

O ponto é outro. 

Jair Bolsonaro sempre soube o que queria: manter sua base. Teve chances e mais chances de moderar o discurso, mas sempre optou por radicalizar ainda mais. O objetivo sempre foi claro: manter coesa sua base, que oscila entre 20% e 30% do eleitorado, mesmo que sob o sacrifício de ampliar seu potencial eleitoral. É tudo que ele precisa para ter, com segurança, uma vaga garantida no segundo turno. E nunca foi para, quando chegar lá, ganhar a eleição seguindo as regras do jogo eleitoral. Sempre foi para garantir que um segundo turno fosse convertido em um terreno fértil para o jogo do tudo ou nada. 

Não é coincidência o fato de Jair Bolsonaro ter voltado a atacar a lisura do processo eleitoral e a levantar suspeitas, junto a seu ministro Luiz Eduardo Ramos,  sobre a correção e lisura dos ministros do TSE. Por mais que tenha a caneta, Jair Bolsonaro não vai conseguir “comprar” os votos que precisa oferecendo 400 reais à população mais pobre. Não é assim que essas pessoas decidem voto. A iminência de sua derrota é cada vez mais certa e a toxicidade política e eleitoral de sua presença, cada vez mais evidente. 

Em outras palavras, 2022 será menos uma disputa por votos (já quase completamente consolidados) do que uma disputa entre as instituições democráticas e as forças antidemocráticas capitaneadas pelo governo da hora, seus militares e seus militantes, em que o Cavalo de Tróia  bolsonarista será a alegação conspiracionista da fraude das urnas. 

O resto é pura distração ou diversionismo. 

 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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