Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

A artilharia contra Lula e seus efeitos ainda estão por vir

Por mais que a animação se justifique, não se pode perder de vista que o Lula subiu muito rápido e talvez tenha batido cedo demais no teto

O ex-presidente Lula. Foto: Ricardo Stuckert
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Segundo a última pesquisa do Ipespe, as chances de vitória eleitoral do ex-presidente Lula cresceram vertiginosamente desde que ele recuperou seus direitos políticos.  Em março, o petista tinha 29% das intenções de  março. Em novembro, chegou a 43%. O desempenho de Jair Bolsonaro no mesmo período, por outro lado, se mantém na mesma faixa, com o detalhe de que cresceu acima da margem de erro de agosto para novembro (de 24% para 28%). Lula vence todo mundo em todos os cenários projetados de primeiro e segundo turnos. Também possui um índice de rejeição bem menor do que o de Bolsonaro: 45% dizem que não votariam de jeito nenhum no petista, contra 60% que rejeitam o ex-capitão. 

A medição das rejeições representa o que considero o ponto mais crítico para 2022: o Ipespe mede apenas as rejeições a Lula e a Bolsonaro. São as únicas que interessam porque, nas entrelinhas, há a constatação inevitável: não existe nem existirá uma terceira via. A disputa será entre esses dois candidatos, se houver disputa. 

Lula, o único que tinha chances de nos livrar de um projeto fascista de poder (segundo pesquisas de 2018), foi preso e teve seus direitos políticos cassados graças a uma concertação judicial, política, militar e, nunca podemos deixar de esquecer, midiática. Os últimos acontecimentos me levam a crer que dessa vez não há chances e condições para meter Lula em cana e nem há espaço para uma nova operação política nos moldes da Lava Jato. Essa, na minha opinião, será a única diferença de 2022 para 2018: Lula disputará as eleições.

Os militares continuarão trabalhando, na medida do possível, para inviabilizá-lo. Sabe-se lá com quais expedientes. Haverá algum pretexto para forçar o STF a trabalhar por eles? Não sei. Mas talvez esse, sozinho, não seja o maior dos problemas. 

O desafio está mesmo na opinião pública.

Mesmo despontando nas intenções de voto, Lula continua sendo uma espécie de fantasma para as grandes empresas de comunicação. Enquanto vira capa em um prestigiado jornal francês, a Veja dá capa para um Jair Bolsonaro altivo com ares de estadista. O Globo, apesar de uma montanha cavalar de fatos apurados e verificados, implorou em editorial para que Jair o ajudasse a ajudá-lo, vendendo um Jairzinho “Peace and Love” que fez, na ONU, exatamente o que sabíamos que ia fazer: mentir e cometer crimes de responsabilidade. 

Descobre-se que Paulo Guedes possui conta em paraíso fiscal, cujo valor em reais subiu vertiginosamente com os efeitos da inflação e alta do dólar oriundos de sua política econômica que gera fome e miséria no Brasil. E o que vimos? Um desfile de colunistas e mais colunistas saindo em defesa do ministro: não é ilegal. Mas não só é ilegal pela posição que ocupa, como é antiético segundo as normas que regem o serviço público. E igualmente imoral. 

As falsas equivalências entre Lula e Bolsonaro não fortalecerão uma terceira via, mas sim um clima bastante propenso para a abstenção

Ainda nem entramos em 2022, mas já chegamos ao ponto em que os problemas brasileiros sequer são atribuídos a autores ou agentes e sujeitos, como lembrou Fernando Souza Júnior em sua conta no Twitter ao falar sobre a capa de Veja desta semana. A volta da inflação e da crise econômica aguda são enquadrados como “eventos sobrenaturais ou erupções da natureza”, como afirmou o próprio Fernando. O governo Bolsonaro é, por meio de blindagens de enquadramento, naturalizado. Tratado como um governo como outro qualquer, quando, na verdade, é uma anomalia, uma aberração atroz. Assim como foi feito com Jair Bolsonaro como candidato.

Vocês conseguem imaginar o tamanho do escândalo público que seria se o diretor da Polícia Federal indicado por Lula mudasse um delegado da Polícia Federal responsável por investigar esquemas suspeitos envolvendo Lulinha? Imagino que sim. Mas isso aconteceu com Jair Bolsonaro e seu filho Jair Renan. Procurem qual destaque e consequentes repercussões os grandes jornais do Brasil deram ao caso e sob qual enquadramento. Busquem por “escândalo” como termo atribuído a algo desse que é o governo mais escandaloso pós-ditadura militar. Não acharão. Na maioria da grande imprensa, o governo antivacina é imune a escândalos. 

Voltando para avançarmos: em resumo, a grande imprensa foi crucial para a construção de climas de opinião que desembocaram em 2018. Não haveria Sergio Moro nem Lava Jato não tivessem amplos setores da grande imprensa servido como, praticamente, assessoria de comunicação da operação. No centro disso sempre esteve e, parece que sempre estará “A Ameaça Lula”. A história da Nova República brasileira nunca poderá ser contada objetivamente e com honestidade sem mencionar todos os arranjos possíveis que foram construídos para minar as chances de Lula ser eleito.

De lá para cá, pouca coisa mudou. E com a constatação cada vez mais evidente de que não haverá uma terceira via, já vejo sinais claros de que o Brasil vai presenciar mais uma temporada de um conjunto enorme de esforços para a construção de falsas equivalências, simetrias falaciosas e muito mais foco em notícias negativas sobre Lula do que sobre o legado atroz de Jair Bolsonaro e suas ameaças para um futuro segundo mandato. Pensem, inclusive, na própria Lava Jato e em Sergio Moro. O que ouvimos, depois de tantas revelações da Vaza Jato, não foram constatações sobre as injustiças cometidas, sobre a verdade dos fatos, mas, digamos, sentenças condenatórias posteriores dos juízes de tribuna do colunismo. Para eles, apesar das decisões judiciais contra a Lava Jato, “tudo aquilo aconteceu”. 

Qual o efeito eleitoral disso? Eu poderia responder como fazemos na Bahia: “Quem sabe é Deus…”. Talvez até seja, mas eu desconfio do seguinte: a falsa equivalência entre Lula e Bolsonaro não vai gerar, obviamente, uma terceira via, mas sim um clima bastante propenso para a abstenção eleitoral. A campanha, realmente, ainda não começou. Os dados que o Ipespe e outros institutos mostram não são elementos estáticos, mas dinâmicos. E devemos lembrar que, mesmo num cenário de terra arrasada, mais de 40% dos brasileiros ainda se encontram na faixa dos que julgam esse governo ótimo/bom ou regular.

 

O acirramento da disputa ainda vai acontecer. O jogo sujo ainda será jogado. Por mais que a animação dos eleitores de Lula se justifique, não se pode perder de vista que Lula subiu muito rápido e talvez já tenha batido cedo demais no teto das intenções de votos, muito antes da eleição. O que isso significa? Que a artilharia contra ele e seus efeitos ainda estão por vir. E, como estou tentando deixar claro, já há sinais de que a trincheira eleitoral do presidente não será apenas a propaganda digital.

Esses cenários não muito hipotéticos favorecem Jair Bolsonaro em 2022, como favoreceram Donald Trump em 2016. E parece que não apenas Bolsonaro sabe disso. Outros setores da sociedade brasileira, tudo indica, também já perceberam isso e começaram a azeitar a máquina do antilulismo, que traz embutida a predileção pelo ex-capitão. Talvez esses tenham sido elementos tranquilizantes que fizeram Bolsonaro decidir fingir que “voltou ao jogo” naquele arranjo com Michel Temer pós-7 de setembro. 

Pobre democracia brasileira.

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