Opinião

Ao se manifestar sobre Assange, Lula reafirmou sua condição de líder

Direitos humanos, por serem fundamentais, são intrinsecamente universais, devendo ser protegidos, promovidos e providos, em qualquer latitude ou longitude

Foto: Evaristo SA/AFP
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“Sem correr atrás do poder. Sem medo de perder ou angústia por ganhar. Sendo apenas e cuidando com excelência da nossa capacidade de reconhecer estarmos todos entrelaçados na trama da existência” Monja Coen

Em Londres, Lula reafirmou, mais uma vez, sua condição de líder. Condenando a prisão ilegal e ilegítima de Julian Assange, Lula demonstrou que está à frente do próprio ministério, que se omitiu sobre violação tão relevante do direito humano.

Vale recordar que direitos humanos, por serem fundamentais, são intrinsecamente universais, devendo ser protegidos, promovidos e providos, em qualquer latitude ou longitude, independentemente de limites fronteiriços ou de qualquer outra sorte de obstaculização à sua plena realização.

Assange está encarcerado e poderá ser extraditado e ainda executado nos Estados Unidos da América, simplesmente por ter revelado os crimes cometidos pela superpotência decadente, que vão da espionagem de países soberanos ao genocídio de populações estrangeiras, cometidos principalmente no Iraque e no Afeganistão.

Deixando patente uma compreensão única, também no campo da política externa, Lula recusou-se a assinar o péssimo acordo Mercosul-União Europeia, negociado por seus predecessores ilegítimos Temer, o golpista, e Bolsonaro, o genocida.

Pior, seu chanceler se declarara favorável ao absurdo acordo, que reconduziria o Brasil à condição de colônia europeia, em pleno século XXI.

Com efeito, não apenas seríamos invadidos pelos produtos da ineficiente agricultura europeia (altamente subsidiados), o que destruiria nossa agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos que consumimos, mas também impediria nossa reindustrialização, num modelo similar ao Tratado dos Panos e Vinhos, firmado entre Portugal e Inglaterra, no século XVIII, o qual terminaria por reduzir a Terrinha à condição de colônia, de fato, da pérfida Albion, por quase três séculos.

Lula tem o dom de compreender e, mais ainda, sentir a alteridade como algo próprio. O dom dos justos, dos pacíficos e amorosos.

Nesse sentido, tema a extrema-direita latino-americana conjunturalmente vitoriosa nas eleições constitucionais no Chile, neste fim de semana, o migrante de Garanhuns não está longe da herança deixada pelo médico argentino.

Em A vida em Vermelho (Companhia das Letras), Jorge Castañeda, recorda a respeito de Guevara: “…a passagem que melhor ilustra seu estado de ânimo…são os versos do poeta espanhol León Felipe encontrados em sua mochila uma década depois, quando foi capturado na Bolívia: ‘Cristo, te amo, não porque desceste de uma estrela, mas porque me revelaste que o homem tem lágrimas e angústias, chaves para abrir portas e cerrá-las à luz. Tu me ensinaste que o homem é Deus, um pobre Deus em pecado como Tu, e aquele que está à tua esquerda no Gólgota, mau ladrão também é Deus.”

Que desafio viver a alteridade!

Poderia a rapidíssima evolução tecnológica das últimas décadas facilitar a compreensão da alteridade, experimentá-la e vivê-la profunda?

Talvez tenhamos de pensar em uma verdade complexa: sim, por um lado, e não, por outro. Sim: na medida em que podemos acessar conhecimentos e imagens até então inacessíveis em tempo real. Não: na proporção em que essa facilidade pode obnubilar o fato de que nada substitui o ver com os próprios olhos, o sentir com o próprio coração e o pensar com a própria cabeça.

Vale observar, nesse sentido, como até o turismo tem conhecido um renascimento, não apenas pelo fim da pandemia, mas também pela atração de vermos, sentirmos e nos emocionarmos com a alteridade, sem intermediações.

Da mesma obra de Castañeda antes referida, uma contextualização de intervenções públicas, históricas, de líderes como Lula e Guevara na cena internacional:

“Nos anos 60, política e cultura convergiram, mas a cultura perdurou e a política não. Certamente, é por isso que a definição europeia do termo cultural, especialmente em Michel Foucault, é mais precisa. Aquela década influiu a fundo na esfera do poder e dos poderes, esses sinuosos canais que, alheios aos foros do Estado, circunscrevem, ordenam, classificam e delineiam a vida nas sociedades modernas. O que os anos 60 deixaram estabelecido em todo o mundo foi, primeiro, que o poder existe em outros âmbitos além do político, do econômico e do Estado; segundo, que é necessário resistir a ele, questionar sua legitimidade, contestar sua permanência. Aí reside a verdadeira herança daquela fase e a razão de sua sobrevivência em nossa memória. Isso lhe confere uma singular importância e explica a enorme nostalgia que ainda hoje ela desperta. Daí a absoluta importância do Che. Ele foi o emblema supremo da revolta cultural que se materializou em um homem cujas ideias políticas eram convencionais, mas cuja atitude frente ao poder e à política alcançaram dimensões épicas e excepcionais.”

Lula enfrenta a hegemonia internacional com esse destemor dos que se sentem do lado certo da história, pois ungidos pela justiça.

No dia 7 de junho, o Supremo Tribunal Federal terá mais uma oportunidade de se colocar desse lado certo da história: naquela data, será julgada a inconstitucionalidade do chamado “marco temporal”, que tenta, criminosamente, limitar a demarcação de terras indígenas àquelas assim declaradas até a promulgação da Constituição de 1988, em flagrante tentativa de legitimar o esbulho de terras indígenas, acelerado ainda mais durante a tenebrosa e sanguinária ditadura militar, que precedera a Constituição Cidadã.

Enfrentemos a voracidade assassina do agro e de seus paus-mandados no Congresso: o lado da justiça é um só, o dos habitantes originários destas terras, que as conservaram lindas e intactas, como as quer o Criador e como Ele deseja que as entreguemos às gerações futuras.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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