Chico Whitaker

Opinião

Angra III obsoleta? Em que ficaram as denúncias?

No noticiário, nada se fala de segurança, o maior problema da opção nuclear na produção de eletricidade

Obras da Usina nuclear de Angra 3. Foto: Divulgação PAC
Apoie Siga-nos no

Nem bem instalado um novo governo, se alvoroçam os defensores da continuidade da construção de Angra III, iniciada em 1984, com grandes interesses implicados e os argumentos de sempre sobre o nuclear e o aquecimento climático.

Os que se opõem a Angra III comparam a energia nuclear com alternativas em pleno desenvolvimento, dentro e fora do Brasil, com menores investimentos – e energia elétrica várias vezes mais barata para o usuário.

A segurança continua sendo o maior problema da opção nuclear na produção de eletricidade. Em 1979, ocorreu em Three Mile Island, nos Estados Unidos, um acidente até então considerado impossível, com o derretimento do combustível da usina, mas que era do mais alto nível de gravidade na escala da Agência Internacional de Energia Atômica.  E bem depois, o acidente desse mesmo tipo ocorrido em Fukushima, no Japão, foi a gota d’água que mudou posicionamentos: a Alemanha decidiu fechar todos os seus reatores, outros governos europeus decidiram imitá-la quando possível, e os austríacos e italianos proibiram, em plebiscito, a construção de usinas nucleares em seus países.

E no Brasil? “Esqueceu-se” o Inquérito Civil 51-2009, com o título: Projeto de Angra 3 – Adequação do projeto às atuais normas de segurança, aberto em 30 de setembro de 2009 pelo Ministério Público Federal de Angra dos Reis. Onde anda ele, com suas mais de 400 páginas, desde que Fernando Amorim Lavieri, o procurador federal que o movia, foi transferido para Foz do Iguaçu? Em que escaninhos empoeirados se encontra?

Esse acidente era de fato de um tipo nunca ocorrido, devido à perda do controle do calor com que começa o funcionamento das usinas. Constatou-se que ele teria sido causado por um rápido encadeamento de erros humanos e falhas nos equipamentos, as chamadas “falhas múltiplas”. Eram impossíveis de prever, mas levavam à perda total do controle da situação.

O mundo soube depois que, antes de Three Mile Island, outro acidente similar tinha ocorrido em 1957, em Mayak, na União Soviética, numa usina secreta que produzia plutônio para bombas atômicas. Tinha sido mantido em segredo durante 20 anos, por interesse estratégico soviético mas também norte-americano: segundo historiadores, a CIA soube do acidente, mas evitou sua divulgação porque o caso poderia prejudicar a nascente indústria nuclear daquele país..

Esses riscos eram ainda maiores porque, nas termoelétricas nucleares, a energia nuclear não se transforma diretamente em eletricidade – como ocorre com a luz do sol nas usinas solares ou com a força do vento nas eólicas. Nelas, a energia nuclear serve somente para esquentar água e com isso produzir vapor, a ser encaminhado sob pressão para turbinas, estas sim movendo geradores de eletricidade.

Mas aí entra a ousadia dos seres humanos: para esquentar água nas usinas nucleares, em vez do carvão, do diesel ou da biomassa usa-se a mesma tecnologia das bombas atômicas, isto é, a fissão de átomos de urânio, que é radioativo. Com isso essas “chaleiras” se tornam “chaleiras radioativas”. E, se explodem, disseminam radioatividade em volume muito maior do que nos seus pequenos e grandes vazamentos.

Em Goiânia, em 1987, a abertura da cápsula com 19 gramas de césio 137 foi catastrófica. Imagine-se a explosão da tonelada de urânio radioativo de uma usina nuclear. Por isso, alguns de nós chamamos as usinas nucleares de “monstros adormecidos”: se e quando acordam, nos obrigam a fugir o mais rapidamente possível – para escapar da morte no curto, médio ou longo prazo.

Com os acidentes ocorridos o mundo viu que a segurança das usinas nucleares era muito importante. A própria AIEA definiu novas normas. Mas não foi suficiente: aconteceu em Chernobyl, na então União Soviética, um novo acidente de mesmo tipo e tão grave como o de Mayak. “Falhas múltiplas” levaram a explosões – o que não ocorrera em Three Mile Island, em que o derretimento não fora total. O seriado sobre Chernobyl na TV mostra bem os operadores não se entendendo para evitar a elevação descontrolada do calor no reator, e em segundos a usina explodir.

Mas a Eletronuclear não levou isto muito a sério –  por causa da insuficiente cultura de segurança que nos caracteriza (lembremos das barragens de Mariana e Brumadinho). Foi quando Sidney Luiz Rabello, um dos engenheiros de segurança da CNEN – hoje infelizmente falecido e a quem rendo aqui homenagem – viu que a Eletronuclear tergiversava frente ao MP. E publicou um artigo no Jornal do Brasil.

Ele não era contra usinas nucleares. Acreditava nelas e até na fusão nuclear – que segundo ele, um dia resolveria muitos problemas criados com o uso da fissão nuclear. Por isso, quando a Eletronuclear publicou uma réplica no mesmo jornal, a respondeu em 31 de março com o artigo “Angra 3 realmente é um projeto obsoleto”.

Rabello foi alvo de um inquérito administrativo – no qual se defendeu com o apoio da Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear. E entre o primeiro e o segundo artigo, aconteceu Fukushima.

A questão da segurança ficou ainda mais evidente. Rabello continuou, então, a levantar questões cada vez mais precisas. A empresa francesa AREVA, construtora de usinas na França, o tinha feito na elaboração do novo modelo europeu de usina nuclear, o EPR, do qual Rabello era um entusiasta. Mas ele se indignava com a AREVA, ao propor um novo projeto, mas não se importar com os países a que dava assistência técnica, como o Brasil, que continuavam com projetos obsoletos.

Toda a Europa fora alcançada pela nuvem radioativa de Chernobyl. Segundo o capricho dos ventos, São Paulo e Rio poderiam ser alcançados por nuvens de explosões em Angra. Para Rabello era preciso, portanto, também refazer o projeto do edifício de contenção de Angra III, onde se instala o reator nuclear, para evitar a formação dos bolsões de hidrogênio que levam a explosões.

Eu levava a ele também outras dúvidas de leigo nesses temas, como sobre a espessura das paredes de concreto armado do edifício de contenção, que continuavam a ser erguidas com os mesmos 60 cm de espessura do edifício de Angra II – embora já se aconselhasse que tivessem um metro e cinquenta de espessura, para resistir a explosões internas e a choques externos. Se ainda estivesse vivo, Rabello certamente estaria hoje denunciando os problemas de Angra I se for prolongada sua vida útil por mais 20 anos – analise em que estava empenhado quando veio a falecer. Esperemos que seus companheiros de trabalho a estejam continuando.

Mas paro por aqui: um filme de terror sobre usinas nucleares e sua história seria longo, ao mostrar também a estreita relação da das usinas com a história das bombas atômicas, que explica que militares comandem o setor nuclear e que o presidente da França dissesse recentemente, para justificar seu plano de construir mais usinas, que o nuclear civil está intimamente ligado ao nuclear militar. O filme teria que mostrar ainda a questão do destino a dar ao “lixo atômico” das usinas – não tratado no seriado de Chenobyl mas que é a grande dor de cabeça dos países que têm usinas nucleares.

Em síntese: na França, seus parlamentares convocaram, depois do acidente de Fukushima, o presidente da sua Agência Nacional de Segurança Nuclear para uma questão direta: o que aconteceu no Japão pode acontecer em alguma das nossas usinas? Sua resposta foi um claríssimo “sim! Só não sabemos nem onde nem quando”!

Mas eles não tomaram as decisões heroicas que se esperariam… E no Brasil? Nossos parlamentares convocariam o presidente da Eletronuclear – e o procurador-geral da República – para lhes perguntar: onde está e em que ficou o Inquérito Civil 51-2009 do Ministério Público Federal de Angra dos Reis?

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo