Carla Jimenez

Jornalista há mais de 30 anos, foi diretora e editora chefa do EL PAÍS no Brasil e co-fundou o portal Sumaúma

Opinião

André Valadão, com um coração cheio de escuridão

O pastor da igreja Batista Lagoinha julga-se um representante da nova ordem cristã por atacar homossexuais. Mas é apenas um velhaco, preso ao que há de mais arcaico e fracassado

Foto: Reprodução
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André Valadão é claramente um homem de escassa qualidade intelectual e espiritual. Pastor da Igreja Batista Lagoinha, de Belo Horizonte, abraça a vocação do pai, das irmãs e do cunhado, todos pastores ligados à igreja. Valadão segue a linhagem conservadora e retrógrada do templo familiar, que busca restaurar costumes do século XIX através de um discurso obtuso e mascarado. Casado, residente nos Estados Unidos, e bem sucedido na carreira de herdeiro que abraçou, se insulta com a existência de casais homossexuais. Os quer longe de sua igreja, como já explicitou em outras ocasiões e não perde a chance de tratá-los como pecadores.

Repete um discurso ilustrado por trechos da Bíblia fora do contexto, usando a figura de Jesus como escudo para justificar suas posições arcaicas e fantasiosas. É o clássico perfil de religioso passivo-agressivo que acomete muitas lideranças. Com voz suave, ’em nome de Deus’, envenena corações e mentes de seus fiéis com uma mensagem de ódio disfarçada de projeto divino. Depois, se vitimiza quando é criticado dizendo que é “censurado, perseguido” e se compara a Jesus.

André representa como poucos esse universo. Usa a mensagem religiosa para suavizar sua violência, empregada em falas que resgatam os ‘bons costumes’ de mais de 2000 anos atrás. Tudo contra a população LGBTQIAP+. Recorre, por vezes, a um Deus caricaturizado, que estaria invocando seus filhos a ‘resetar’ a realidade atual, como afirmou neste final de semana em um culto em Orlando. Mesclando trechos bíblicos para fazer um paralelo com a vida atual, ataca, por exemplo, a parada gay, para dizer que “tratamos como normal aquilo que a Bíblia já condena”. “Aí Deus fala: ‘não posso mais, já meti esse arco-íris aí, se eu pudesse eu matava tudo e começava tudo de novo. Mas já prometi pra mim mesmo que não posso, então agora tá com vocês… Você não entendeu o que eu disse: Tá com você!”

O pastor faz de suas homilias uma ode contra as leis que protegem a vida da população gay. Não suporta a ideia de existir um consenso na sociedade para proteger esse grupo de covardes (como ele), que julgam esses seres humanos apenas por serem livres para amar. Pessoas que conquistaram, a duríssimas penas, o direito de existir, e que precisam se defender de falsos profetas como ele.

O líder religioso vive uma cruzada, uma verdadeira obsessão, recorrendo a mentiras ardilosas. “O casamento homoafetivo abriu a porta para tudo que está acontecendo agora… “homens nus andando na rua, drag queens entrando em sala de aula querendo ensinar sexualidade para crianças… ensinar crianças a se excitarem”.

Qualquer semelhança com o discurso da senadora Damares Alves não é mera coincidência. Alves também foi pastora da Lagoinha. Ela, que enquanto pastora, pregou que os holandeses estimulavam a masturbação em bebês, mentindo sem o menor pudor. Já eleita senadora pelo Distrito Federal, mentiu em um culto, no ano passado, ao dizer que crianças vítimas de tráfico sexual na Ilha de Marajó tinham os dentes arrancados par facilitar o sexo oral. Escola Lagoinha?

A escola de André Valadão tem um perfil bem peculiar. O pastor prega que “Deus esmaga qualquer idolatria política”, num palco em que se veem imagens gigantes de Donald Trump, Jair Bolsonaro, e até do deputado cassado Deltan Dallagnol. Lá de sua igreja nos Estados Unidos, fala do Brasil e de um governo que, segundo ele, oprime quem pensa diferente. Recorre a sua limitada imaginação para vaticinar que quem vai contra suas graves fake news está a serviço da censura. “A mídia é a voz do anticristo. Um cristão genuíno não pode se alimentar de qualquer jornal”, diz ele em tom de alerta, quase como um recado divino.

Minutos depois, viria a repetir uma mentira de que o governo protegia as crianças que querem se mutilar, aparentemente para atacar o direito de pessoas a recorrer a cirurgias de mudança de sexo. É a velha tática de espalhar pânico moral que não deve nada às ‘mamadeiras de piroca’, oriundas de um marketing fundamentalista durante a campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018.

No mundo fantasioso de Valadão, ele se julga original ao se dizer um ‘conspirador’ por exortar seus seguidores a virar o mundo de cabeça para baixo. O mundo que está em pé, segundo ele, é uma porta para a promiscuidade e libertinagem. Para o pastor, ser ‘do contra’, como ele, é questionar o uso de vacinas, a mudança climática, a população homoafetiva, a restrição à posse de armas. “Podem me chamar de contrário”, diz ele de peito estufado, num de seus cultos, arvorando-se quase um revolucionário ungido de Deus.

Julga-se a novidade, a nova ordem cristã, quando é apenas um velhaco, preso ao que há de mais arcaico. Em seu culto do último domingo, ainda mostrou como sua mente pode ser pervertida. Segundo ele, não se pode chamar um bicho de estimação de “filho” porque quem chama seu animal doméstico assim, abre a mesma porta para um dia alguém se casar com um cachorro.

Pois como disse Jesus, a boca fala do que o coração está cheio. E o do pastor Valadão expressa muita escuridão, medo do diferente que se transforma em preconceito e violência. Sua obsessão pelo mundo gay virou mote de investigação no Ministério Público de Minas Gerais, e há até quem peça a sua prisão. Mas é exatamente o que ele está esperando para legitimar seu discurso de perseguido. Tudo calculado.

Independente dos ritos jurídicos que suas falas vão provocar, não há dúvidas de que o pastor Valadão é uma pessoa que reproduz as fantasias que seus próprios demônios projetam. A psicologia nos ensinou no último século que o ser humano vê no outro o que mais teme em si mesmo. Pois pastor, lave a boca para falar das pessoas LGBTQIAP+. Respeite pais, mães, avôs e avós homossexuais que são muito mais felizes que você. É fácil identificar uma alma triste, como a sua. Ainda dá tempo de evoluir.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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