Opinião

A retórica de eliminação física sempre fez parte do discurso bolsonarista

O terror se espalha de Norte a Sul do País

Foto: Arquivo pessoal
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“O homem é humilde. Ele mal pode dizer: eu existo, eu penso.”
Leon Tolstoi.

O terror se espalha de Norte a Sul do País, sob o desgoverno genocida.

Após os brutais assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips na Amazônia, Marcelo Arruda foi morto, no Paraná, por partidário do monstro ocupante do Planalto.

A retórica de eliminação física da esquerda sempre fez parte do discurso bolsonarista, razão pela qual a ele deve ser imputado também esse crime, que se adiciona às centenas de milhares, vítimas da incúria assassina, durante a pandemia.

Que erro não termos julgado e condenado os algozes de 1964!

Sem fazer as contas com a História, não podemos olhar para a frente.

Em “Memórias do Esquecimento” (editora L&PM), Flávio Tavares cita Marguerite Yourcenar: “Aos 20 anos se intuem verdades que a vida confirma depois.”

Que não haveria redenção para um terrorista, retirado da ativa do Exército por planejar explodir quartéis e adutoras no Rio de Janeiro, sempre se soube. Que espalharia sua mente doentia pelo país e o mundo, só poderíamos imaginar nos piores pesadelos.

Na mesma obra, Tavares também cita, com propriedade, o escritor italiano Alberto Moravia:

“…num regime de terror é impossível distinguir não só a verdade da falsidade, mas também a verdade da verdade.”

Esse é o desejo deste regime de terror: levar o País ao caos, para que possam adotar medidas de exceção que sedimentem a ditadura, pois na democracia os dias de arbítrio estão contados.

Naquela obra, sobre os anos de chumbo, cuja leitura recomendo, o autor também menciona Glauber Rocha, em trecho de “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”: “Vamos embora logo. Não temos nada que levar, a não ser nosso destino.”

No caso, não é nosso destino estarmos sob o desgoverno dos maus. Esta noite também passará.

Importante notar que os golpes de estado no Brasil sempre tiveram apoio externo, dos Estados Unidos principalmente. Entretanto, sob os governos democratas, essa condição variou, como foi o caso da presidência de Jimmy Carter, cuja cobrança de respeito aos direitos humanos foi fundamental para a queda da ditadura no País.

Com efeito, seja pela dependência ideológica, seja complexidade de um golpe de estado, a sustentação externa tem sido essencial.

Nesse sentido, poderíamos estar mais tranquilos, sob a presidência democrata.

Ocorre, porém, que os sinais são contraditórios atualmente: a embaixadora indicada para o Brasil ainda não foi aprovada pelo Congresso, após ter afirmado que Bolsonaro teria de aceitar os resultados das eleições.

Por outro lado, deputados democratas apresentaram emenda ao orçamento, propondo o corte de toda e qualquer ajuda às forças armadas brasileiras, em caso de ruptura institucional.

Nesse sentido, o comportamento do governo estadunidense poderá, mais uma vez, ser o fiel da balança da democracia no Brasil.

Em “Mitologias Arquetípicas” (editora Vozes), Gustavo Barcellos faz importante relação entre as relações internas e externas: “O diagnóstico de Hillman, quanto à hipertrofia de Hermes, está…muito relacionado com um rompimento com Héstia. O deus veloz das trocas rompeu com a permanência. E a permanência também, rompida com a comunicação, cai em um ambiente sombrio, que é justamente o rechaço do outro, o fundamentalismo xenofóbico – o outro como ameaça…Uma outra maneira em que se apresenta a perda da ideia de lugar é ser um estrangeiro no próprio lugar que você vive. Ou, quando você é levado a se sentir um estrangeiro não aceito. Por exemplo, quando há um preconceito, quando há homofobia, transfobia, racismo, misoginia – nesses momentos o que está sendo dito é que você é um estrangeiro, um estranho, e portanto ‘não cabe’, ‘não entra’, ‘desviante’, ‘não tem lugar no mundo.”

Barcellos cita novamente James Hillman: “Dentro do constructo do par Hermes-Héstia, lavagem étnica, o extermínio de populações nativas, a demolição de casas e a queimada das terras num frenesi de autoproteção são excessos de Hermes – a rede mundial do ciberespaço e comunicação hermética globalizada, onde qualquer lugar é todo o lugar, e a própria ideia de lugar tornou-se irrelevante.” O autor complementa: “Vivemos agora uma ansiedade espacial.”

O desafio que se coloca, portanto, é unir Hermes e Héstia: o local e o universal.

A luta democrática comum a todos, onde quer que a democracia se veja ameaçada, pois uma injustiça perpetrada contra um, na verdade, é contra todas e todos.

No momento em que 1% da população mundial detém mais renda do que os demais 99%, a luta não poderia ser mais global.

As formas de luta, porém, têm de ser sempre novas, pois como recorda Barcellos, citando Heráclito: ” Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio.”

Dessa maneira, caberá contrapor a boa luta ao morticínio de Ares, cuja definição o autor emprestará a Walter Otto: “Ele é o espírito da praga, da fúria, da sanguinolência. […] Seu elemento é a luta de morte…luta mortífera…cega ferocidade.”

A isso, Barcellos contrapõe a conceituação de Ginete Paris, em “Meditações Pagãs”: “O medo de amar é tão comum quanto o medo de lutar.” E Barcellos conclui: “…o contrário do amor não é o ódio (pois o ódio é uma forma ainda mais intensa de amar), mas o poder, o contrário da guerra não é a paz, mas a beleza.”

 

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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