Carlos Bocuhy

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Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, o Proam.

Opinião

A justiça ambiental é o maior desafio do mundo atual

Países em desenvolvimento abrigam populações mais vulneráveis aos efeitos do clima. Essa realidade deveria estimular medidas para proporcionar justiça ambiental e climática

A tragédia em Brumadinho. Foto: Ricardo Stuckert
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Compatibilizar o processo civilizatório de desenvolvimento humano e econômico para um modelo de baixo carbono é o maior desafio do mundo atual. Após os resultados limitados da COP-26, que ocorreu em novembro de 2021, segue em curso uma implacável alteração climática, com duros reflexos para a sociedade humana e as espécies vivas.

A reação humana é pouco mais que cosmética, a partir de um mercado de carbono em regulação que venderá créditos para que outros possam continuar a poluir a atmosfera. Os desafios e oportunidades de uma economia sustentável estão muito distantes desta superficialidade.

O desafio humanitário é estrutural, na adequação do metabolismo civilizatório a uma matriz energética limpa e livre de combustíveis fósseis. É preciso um regramento que permita, aos mais vulneráveis, contar com o apoio daqueles que detêm maior poder econômico e que também são os responsáveis pelos danos provocados pelas maiores emissões de gases efeito estufa.

O maior entrave para esta transformação, no cenário internacional, é a manutenção do poder. Continua a velha disputa entre as nações pela hegemonia política e econômica, que procrastina as negociações do acordo climático. As grandes nações do G20 têm sido reticentes em abandonar sua economia recheada de carbono, reparar os danos e apoiar a transição dos países com menos recursos e mais vulneráveis.

As dominações colonialistas continuam. Com uma iminente ameaça de invasão da Ucrânia pelos russos, a Europa teme reduções em seu suprimento de gás derivado do petróleo, um forte contribuinte para as emissões de carbono. Essa dependência umbilical das matrizes fósseis ainda alimenta o mercado das commodities do petróleo, manipuladas pelas oil sisters. Todo este comércio engorda, nos fins de ano, o cálculo do PIB dos países produtores.

O PIB ainda é a principal métrica para a riqueza das nações. Originalmente desenvolvido para contar quantos tanques e aviões os países fabricaram na Segunda Guerra Mundial, acabou gerando uma contabilidade dissociada do bem-estar social e da qualidade de vida, como se a realidade fosse constituída de per si por leviatãs nacionais e não por seres humanos.

A ideia inicial que alimentava o PIB considerava que seu crescimento seria bom para as pessoas. Enfatizava apenas quantidade e não a qualidade da distribuição dos benefícios sociais sobre a riqueza gerada. O conceito externado pelo reconhecido economista russo e naturalizado norte-americano, Simon Kuznets, de uma “maré que faz flutuar todos os barcos”, ignorava a notória e comprovada dissociação existente entre geração e distribuição de renda.

Além disso, é importante demonstrar as externalidades dos processos econômicos que cumulativamente atingiram a humanidade, geradas pela revolução industrial que se alastrou pelo mundo como se este não tivesse limites, movido energeticamente por combustíveis fósseis que vêm intoxicando a atmosfera com gases efeito estufa.

Esta distorção sobre geração e contabilização estatal de renda continua a ser reforçada com políticas públicas excludentes. Na contramão de um modelo de justiça social como perseguem países como Reino Unido e Canadá, o presidente Jair Bolsonaro sancionou, no último dia de 2021, a lei que institui o Auxílio Brasil, programa social de transferência de renda, mas vetou dois trechos da lei aprovada pelo Congresso Nacional: o dispositivo que determinava que o governo deveria providenciar recursos suficientes para atender a todas as famílias elegíveis ao programa, relegando a questão ao trato orçamentário definido de forma discricionária pelo próprio governo, e o dispositivo que previa metas para a redução da pobreza e da pobreza extrema nos três anos seguintes à entrada em vigor da lei. Dessa forma, um instrumento legal atenuador dos efeitos avassaladores da concentração de riqueza acabou por naufragar.

Segundo Erick Beinhocker, diretor executivo do Instituto de Novo Pensamento Econômico da Universidade de Oxford, “nos Estados Unidos, desde o governo de Ronald Reagan na década de 1980, a ideia dominante era que o crescimento econômico descia de cima para baixo — pensava-se que, se você incentivasse o investimento empresarial com estímulos como cortes de impostos aos proprietários de capital, ajudaria o crescimento e isso chegaria aos trabalhadores normais. Mas as evidências mostram que o oposto aconteceu desde a década de 1980 – vimos uma enorme mudança na riqueza e na renda do meio e da base para os cinco por cento do topo”.

Países em desenvolvimento abrigam populações mais vulneráveis aos efeitos do clima, em permanente situação de risco, pois contam com habitações precárias, moram em áreas sujeitas a deslizamentos e inundações. Além disso, também estão mais sujeitas aos efeitos insalubres dos vetores de doenças por veiculação hídrica.

Essa realidade deveria estimular medidas para proporcionar justiça ambiental e climática. O Brasil gastou durante todo o século XX cerca de R$ 65 bilhões para enfrentar eventos extremos, mas só nos últimos dez anos despendeu mais de R$ 50 bilhões, sem contabilizar os crescentes prejuízos que se acumulam em 2022.

Frente às mudanças climáticas, que se demonstram inevitáveis diante dos efeitos que já se fazem sentir — e diante do diagnóstico preocupante para os próximos anos trazidos pelo relatório AR6 do IPCC —, países como o Brasil não podem deixar de considerar, de forma integrada, as vulnerabilidades sociais e ambientais. É preciso perseguir uma urgente correção de rumos no planejamento e nas políticas públicas, com o uso de métricas adequadas de desenvolvimento humano que considerem as vulnerabilidades climáticas.

A ciência vem demonstrando que a velocidade dos efeitos nocivos do clima é maior do que a esperada, enquanto levantamentos realizados por setores preocupados com o desenvolvimento humano demonstram que a concentração de renda aumentou exponencialmente durante a pandemia. Dessa forma, o Brasil possui um desafio duplo, que vem sendo potencializado mais ainda pelo atual governo federal, cujas ações demonstram um perfil ambiental e socialmente insensível e irresponsável.

A economia, aplicada ao desenvolvimento das nações, deve se apropriar do conhecimento ecológico e considerar, na devida proporção, os crescentes desafios e efeitos trazidos pelo Antropoceno, onde as interações humanas com o planeta se tornaram decisórias.

O Brasil, excepcionalmente rico em natureza, não pode ignorar suas vulnerabilidades ambientais e sociais. Seu bem-estar futuro depende de um robusto sistema ambiental que possa orientar, como diretriz de planejamento social e ambiental, todos os demais setoriais, perpassando-os com conceitos e diretrizes de sustentabilidade.

Os caminhos do Brasil continuarão sem sucesso caso continue a ser tutelado econômica e politicamente como se fora uma pequena República das Bananas, com noções apequenadas sobre PIB e sem políticas públicas adequadas para alavancar seu índice de desenvolvimento humano.

É preciso enfrentar o desafio das mudanças climáticas de forma mais lúcida, bem-informada e estruturante do que a atual governança consegue oferecer.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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