Tatiana Oliveira

Assessora política do Inesc e membro do Grupo Carta de Belém

Opinião

O mercado de carbono não passa de uma licença para poluir

Em vez de criar um novo produto financeiro, deveríamos reconhecer e financiar, enquanto sociedade, as práticas verdadeiramente sustentáveis

Foto: Raphael Alves / AFP
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A estruturação dos mercados de carbono não é uma novidade para a agenda internacional sobre as mudanças climáticas. Uma série de mecanismos associados a esse tipo de crédito já vigorava desde o Protocolo de Kyoto. Novamente sob os holofotes por ocasião da Conferência do Clima da ONU, que acontecerá no Reino Unido, ele deverá ocupar um lugar importante no novo regime climático global.

Ainda assim, poucos entre nós conseguimos compreender o que são mercados de carbono ou quais as consequências, no nível da política nacional ou territorial/local, de uma adesão irrestrita a esse instrumento – tal como a que se planeja para o Brasil.

Na teoria, os mercados de carbono são um mecanismo que permite a países e empresas venderem as suas cotas de emissões de carbono evitadas, isto é, que não foram para a atmosfera. Por outro lado, países e empresas poluentes podem comprar créditos dessas emissões evitadas a fim de cumprir metas de sustentabilidade autoimpostas. Ou seja: trata-se de um incentivo para que agentes econômicos poluidores não alterem as suas condutas socioambientais degradantes e sigam poluindo como já fazem hoje.

Por isso, dizemos que os mercados de carbono são licenças para poluir. Eles implicam trocas ecológicas desiguais que beneficiam países e setores econômicos poluentes em detrimento das iniciativas de grupos que realmente contribuem para a conservação ambiental.

Ainda mais preocupante são as propostas de comercialização de carbono extraídos das florestas. Nessas áreas, o impacto da especulação financeira com o carbono contribui para o desmatamento (basta pensar na lei da oferta e da demanda), além de aprofundar desigualdades socioeconômicas e atingir de morte direitos territoriais.

Em vez de criar um novo produto financeiro, deveríamos reconhecer e financiar, enquanto sociedade, as práticas verdadeiramente sustentáveis que já são adotadas em larga escala e cotidianamente por povos indígenas e comunidades quilombolas, extrativistas, ribeirinhas e camponesas, além dos inúmeros projetos agroecológicos instalados nas periferias urbanas de grandes cidades.

O fato de que essas tecnologias sociais ficam apagadas nas discussões mostra que esse jogo não se limita a uma preocupação com o meio ambiente ou com a vida humana na terra. É propaganda verde (greenwashing), que esconde a poluição de setores poderosos e faz subir o preço das ações das empresas, enquanto as populações perdem o seu sustento e pagam o preço pela irresponsabilidade dos poderosos agentes econômicos.

Por isso, em defesa do clima e em aliança com os povos que habitam as florestas, dizemos que os mercados de carbono, sobretudo os que aderem à compensação com créditos oriundos de florestas, são uma falsa solução. Eles não garantem a integridade ambiental e levam a importantes violações de direitos.

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