Sustentabilidade

Diante da gravidade da crise climática, COP-26 trouxe avanços insignificantes

É praticamente unanimidade entre os cientistas que o planeta não vai conseguir cumprir as metas do Acordo de Paris

Tragédia A população baiana é a vítima da vez. No evento, Carlos Bocuhy, Luiz Marques e Ricardo Galvão participaram do painel sobre as perspectivas para os próximos anos
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Nos últimos dias, tempestades e inundações deixaram dezenas de mortos e centenas de desabrigados em municípios da Bahia e de Minas Gerais. Ao mesmo tempo, nos EUA, uma série de 50 tornados devastou oito estados, deixando um gigantesco rastro de destruição e mais de cem vítimas, entre mortos e desaparecidos. São desastres naturais extremos, ocorridos em países e realidades distintos, mas com um problema comum: as mudanças climáticas provocadas, principalmente, pela ação humana. Não é de hoje que cientistas têm chamado atenção para a crise ambiental, com destaque para o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), divulgado em agosto passado, a apontar para um cenário desolador.

Segundo os cálculos feitos pelos cientistas do IPCC, se quisermos limitar o aquecimento a 1,5ºC até o fim deste século, como previsto no Acordo de Paris, ainda temos um “saldo” de 400 bilhões de toneladas de dióxido de carbono que podem ser emitidas antes do “ponto de não retorno”. O problema é que, se usados como base os níveis atuais de emissão – 60 milhões de toneladas de CO2 em 2020 – esgotaríamos esse estoque em menos de sete anos. No ritmo acelerado em que a humanidade ainda desmata e queima combustíveis fósseis, a Terra poderá ficar 5,7ºC mais quente em 2100. Os efeitos já são sentidos: a última década foi a mais quente dos últimos 125 mil anos; o nível do mar é o mais alto dos últimos 3 mil anos; a concentração de carbono na atmosfera é a maior em 2 milhões de anos. “É inequívoco que a atividade humana causa o aquecimento”, afirmou o sul-coreano Hoesung Lee, presidente do IPCC, na abertura da Conferência do Clima da ONU, a COP26, realizada há pouco mais de um mês em Glasgow.

No Brasil, os efeitos desse descompasso se traduziram, ao longo de 2021, na maior crise hídrica dos últimos 90 anos, afetando a geração de energia e aumentando a desertificação do Semiárido, nas tempestades de areia em São Paulo e no aumento das queimadas no Pantanal. “Estamos experimentando a dor das mudanças climáticas”, resume ­Carlos­ Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, o Proam. Esses e outros temas relacionados à crise foram discutidos por 17 especialistas durante o webinar “Aquecimento Global: o Papel das Instituições e do Brasil Diante das Mudanças Climáticas”, evento da série Diálogos Capitais, promovido por CartaCapital em parceria com o Proam, entre novembro e o início deste mês. O encontro contou com o patrocínio da ACT Promoção da Saúde e o apoio da União Nacional dos Estudantes, do Portal Terra e da Associação Nacional de Pós-Graduandos. Ao todo foram cinco painéis, um por semana, com início em 10 de novembro e final em 7 de dezembro.

As abordagens e os pontos de vista foram muitos, mas uma questão consensual entre os palestrantes diz respeito ao saldo insignificante da COP26 diante da gravidade da crise climática. Bocuhy chama atenção para a guerra econômica entre China e EUA e para a falta de vontade política de países do G-20, muitos deles produtores de combustíveis fósseis e sem compromisso com a construção de um modelo sustentável, incluindo o Brasil, que participou da conferência dissociado da ciência. “De um lado é preciso proteger os ecossistemas naturais e, do outro, há o interesse econômico que segue resistindo para manter seu império de lucro. A COP retrata bem esse momento de conflito de interesses”, salienta Bocuhy.

Para o historiador Luiz Marques, autor do livro Capitalismo e Colapso ­Ambiental, o padrão de consumo adotado pela sociedade representa uma ameaça ao planeta. “Só podemos transitar se admitirmos a dolorosa premissa de que vamos ter de baixar a bola, diminuir os padrões de consumo de energia e de bens.” Ricardo Galvão, professor de Física da USP e ex-presidente do Inpe, chamou atenção para a necessidade de um desenvolvimento socialmente equânime, a partir da implantação de políticas públicas embasadas na ciência. “Isso nos obriga a não votar em políticos negacionistas, sejam de quais forem os partidos ou ideologias políticas.” Galvão também manifestou críticas aos resultados da COP26, mas elogiou a participação de empresas e setores da sociedade civil na conferência.

Visões. Marina Silva, Paloma Costa, Marcelo Behar (Natura) e Rodrigo Figueiredo (Ambev) discutiram o papel da sociedade civil na crise. Izabella Teixeira, Paula Johns e Paulo Artaxo falaram sobre a importância de seguir as recomendações da ciência

Entre as empresas que marcaram presença em Glasgow estavam a Natura e a Ambev, cujos executivos da área de sustentabilidade – Marcos Behar e Rodrigo Figueiredo, respectivamente – participaram também do webinar de ­CartaCapital, dividindo o painel com Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, e com Paloma Costa, integrante do grupo consultivo para jovens sobre mudanças climáticas da ONU. Behar e Figueiredo mostraram-se empenhados em reduzir as emissões de carbono e investir em ações voltadas para um modelo de produção sustentável. Marina Silva e Paloma Costa, por sua vez, enfatizaram que o Brasil possui uma das mais avançadas legislações ambientais do mundo, mas que tem sido sistematicamente desrespeitada. Paloma criticou ainda a ausência de vozes dos povos tradicionais, da população negra e dos jovens na programação oficial da COP26.

Um dos painéis mais acalorados foi o de 7 de dezembro, quando o debate girou em torno do papel da ciência e do conhecimento no enfrentamento da crise climática, e reuniu nomes como Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, o físico Paulo Artaxo e a socióloga Paula Johns, diretora do ACT Promoção da Saúde, além de Carlos Bocuhy, que mediou a mesa. Izabella enfatizou o desafio de o planeta ter de conviver, em 2050, com uma população de 10 bilhões pessoas, como prevê a ONU, destacando que vai caber à ciência encontrar soluções sustentáveis para esse feito. “Do ponto de vista da geopolítica, não temos mais tempo para errar. Não tem achismo. É preciso a ciência de um lado, casada com instituições robustas e capacidade de interlocução internacional do outro”, afirmou. Johns acrescentou que a solução não se dará individualmente e aposta na pressão da sociedade para impulsionar mudanças efetivas para a superação da crise.

‘SERÁ QUE 196 PAÍSES, CADA UM COM METAS E ESTRATÉGIAS DISTINTAS, VÃO CHEGAR A ALGUMA SOLUÇÃO?’, INDAGA O FÍSICO PAULO ARTAXO

Artaxo reconheceu o papel da ciência, mas acredita não ser suficiente para resolver a emergência climática. Para ele, a COP26 acabou pautada por interesses geopolíticos. “O que menos tinha era gente tentando salvar o planeta. A ciência vem dizendo há mais de 50 anos o que é preciso fazer e nada aconteceu. Os interesses econômicos prevalecem. A ciência é só um dos ingredientes, mas falta vontade política”, defendeu o físico, comparando a crise ambiental com a pandemia do Coronavírus. “O que vemos são protocolos diferentes de um país para outro. Será que 196 países, cada um com metas e estratégias diferentes, vão chegar a alguma solução?”

É praticamente unanimidade entre os cientistas que o planeta não vai conseguir cumprir as metas do Acordo de Paris. Artaxo acredita que a temperatura média global deve aumentar 2,7ºC até o fim do século, podendo chegar a 4ºC em algumas localidades. O cenário desanimador deve-se, sobretudo, à postura da China e da Índia, que, juntas, concentram mais de um terço da população mundial, mas se comprometeram a neutralizar as emissões de carbono somente entre 2060 e 2070, enquanto o IPCC sugere que isso aconteça entre 2030 e 2040. O físico não acredita na eficácia das soluções de geoengenharia para a resolução da crise. A única alternativa, acrescenta, é a redução imediata da emissão de gases de efeito estufa.

O especialista é contra, por exemplo, a ideia de jogar partículas de aerossol na atmosfera na tentativa para resfriar o planeta e reequilibrar o clima, assim como depositar ferro solúvel no oceano para que eles tenham mais capacidade de absorver CO2, ou jogar núcleos de condensação de nuvens na atmosfera para aumentar a cobertura de nuvens no planeta. “Nenhuma das três alternativas é viável, elas têm efeitos colaterais fortes e podem causar ainda mais problemas”, avalia. “Não temos como sair dessa, se não unirmos ciência, organização social e governabilidade.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1188 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE DEZEMBRO DE 2021.

CRÉDITOS DA PÁGINA: EDUARDO ANIZELLI/FOLHAPRESS E REDES SOCIAIS – AMBEV, REDES SOCIAIS, ALESP, NELSON ALMEIDA/AFP E JOHANNES EISELE/AFP

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