Justiça

A “Gran Famiglia” de Bolsonaro apronta mais uma com embaixada nos EUA

Na política contemporânea bolsonarista, o aparelho administrativo estatal foi cooptado por atores de práticas patrimonialistas

Foto: Paola De Orte/Agência Brasil
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O anúncio de Jair Bolsonaro de que pretende nomear o filho, Eduardo Bolsonaro, atual deputado federal, para ocupar o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América, confirma uma série de atitudes que pautam a “gran famiglia” Bolsonaro. Segundo a presidência, a nomeação já está decidida, pendente apenas o aceite por parte de Eduardo Bolsonaro, atual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Deputados.

 

Ainda nos laços familiares, Jair Bolsonaro exalta as características do filho, que “fala inglês, fala espanhol, tem vivência muito grande de mundo”, é casado e possui laços de amizade com os filhos de Donald Trump, presidente dos EUA. Com a sinalização da disposição de Eduardo Bolsonaro em renunciar ao mandato que exerce como deputado federal para assumir o posto. Além da quebra notável com as práticas diplomáticas modernas – pois os postos da embaixada devem ser ocupados por membros da carreira diplomática – mais uma vez se confirma a flagrante existência do familismo no seio do Estado Brasileiro, aliado às práticas clientelistas, coronelistas, machistas, patrimonialistas e colonialistas que têm marcado o novo governo.

Na política contemporânea bolsonarista, o aparelho administrativo estatal foi cooptado por atores de práticas patrimonialistas, com a confusão das esferas pública e privada, que administram o país como se fosse a Casa-grande. Suas praxes patrimonialistas e autoritárias soam como novo tipo de monarquia, embora vestida de República, em que os filhos se tornam principados do Estado, e formam, juntos, o conselho de confiança do rei, ocupando postos e cargos, decidindo os rumos do país do alto escalão na sala de jantar, em que os infantis e infantilizados filhos Trump brincam no tapete de fazer políticas com os “meninos” Bolsonaro, enquanto amas de leite derramam suas lágrimas.

Por trás da Casa-grande ou, ainda, no seu coração, o trabalho escravo, estrutural e estruturante nessa lógica perversa que, ao se debruçar sobre a história, é retomada como uma cena em preto e branco: o presente repetindo o passado em novas roupagens, pois, na colonização, a unidade produtiva – o capital (podemos chamá-lo, no tempo presente, de pré-sal?) – abraçou a política, a força motriz poderosa para constituição e emparelhamento da aristocracia colonial no poder.

 

Se, naquele passado, agora não mais tão distante, tais famílias, que possuíam terras e bens, passaram a atuar na organização política e econômica brasileira, tendo por base o escravismo da monocultura, nas novas configurações, decisões importantes sobre o futuro são tomadas em jantares familiares, em que o pré-sal será entregue, o Brasil todo posto em liquidação, ao custo e sangue dos pobres e miseráveis, já tão mais empobrecidos e tão mais liquidados com a votação da reforma da previdência aprovada em primeiro turno, que é aquela que servirá para ajustar os chamados “índices econômicos”, como câmbio, inflação e endividamento público, para que o Brasil possa se entregar, de pernas abertas, para os donos do poder e de investimentos estrangeiros, dar seus minérios (dentre eles, o pré-sal), sua água e sua terra.

A família patriarcal é o berço que fornece todo esse poder e autoridade.

Do patriarcado rural à liquidação de toda a vida no Brasil, impera a mesma lógica privatista, patrimonialista e familista, em que, para falar com Buarque de Holanda, em sua obra Raízes do Brasil (José Olympio, 1994: p. 99), transpôs-se para o domínio público os padrões de relacionamento do mundo privado, usando dos laços afetivos e pessoais.

Nesse cunho familista, o bem comum perde-se de vista, tomando como objeto a família nuclear da Casa-grande que se quer proteger, para falar com certa bancada do Congresso, a “tradicional família brasileira”, aquela da Casa-grande, repleta de hipocrisia.

A família patriarcal Bolsonaro, assim como os colonos, quer ofertar os bens à iniciativa comercial, agressiva e extrativista. Dona de escravos, diz-se dona das terras brasilis, assume-se como autoridade maior. Esse patriarcalismo nos revela como, apesar dos anos, certas famílias (ou, ainda, as famílias “certas”, para a visão de alguns agentes do poder…) continuam sendo a organização social base do Brasil colonial, que reúnem em si toda a sociedade, contendo não só a família do chefe, mas toda a estrutura de bastardos, escravos domésticos e de lavoura e outros agentes.

Isso mostra como o Estado brasileiro, tratado como Casa-grande, reserva todo um aparato umbilical de autoridade despótica e familismo, proximidade e indiferença, que marcam dois elementos fundantes da Casa-grande e senzala: um sistema econômico escravocrata e uma organização patriarcal familista, no sentido que escreveu Gilberto Freyre (Record, 1998: p. 34).

Obviamente, esses dois agentes se escondem ou se transmutam em ares modernos, mas estão ali, encenando, às vezes disfarçados, no populismo e messianismo de massas ou, ainda, na nomeação autoritária, tirânica e familista de certa embaixada norte-americana.

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