Opinião

A fome, a pobreza e a criminalidade são problemas coletivos

Sim, somos todos responsáveis uns pelos outros

Foto: iStockphoto
Apoie Siga-nos no

“Dai-lhes vós mesmos de comer.”
Jesus de Nazaré.

A Campanha da Fraternidade 2023 irá focar o combate à fome, flagelo que atinge atualmente 63 milhões de pessoas no Brasil e 900 milhões em todo o mundo.

O texto-base preparado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem passagens muito importantes.

De fato, na introdução daquele lê-se: “Deus nos coloca como seus colaboradores na ordem da criação. Os bens criados por Ele têm uma destinação universal, e não privada. (…) Assim sendo, o uso egoísta e exclusivista das riquezas, esquecendo-se dos irmãos, não é compatível com a fé cristã.”

Em primeiro lugar, o texto permite recordar que a alimentação é um direito humano, previsto no Brasil no artigo 6 da Constituição Federal.

Por ser um direito fundamental é também universal.

Dessa forma, deve ser protegido, promovido e provido em qualquer latitude ou longitude, independentemente de nacionalidade, credo ou raça.

Que enorme responsabilidade nos coloca em termos de relações externas!

Se alguém passa fome na Somália, na Etiópia ou em Gaza é responsabilidade do governo e do povo brasileiro protegerem, promoverem e proverem o direito à alimentação dessas populações!

Ao lado disso, os bispos nos recordam que só assim poderemos nos auto-intitular cristãos, sendo a pergunta de Deus a Caim arquetípica: “O que fizestes a teu irmão?”. Também a resposta representa um arquétipo da cultura humana: “Sou por acaso responsável por meu irmão?”.

Sim, somos todos responsáveis uns pelos outros.

O texto-base da CNBB prossegue na linha da universalidade dos direitos: “A falta de alimentos e de água potável não é uma questão interna e exclusiva dos países mais pobres e frágeis, mas diz respeito a cada um de nós, porque todos, com a nossa atitude, participamos de um modo ou de outro, favorecendo ou impedindo o sofrimento de muitos irmãos nossos.”

Ressalta-se, dessa forma, a interdependência dos direitos inalienáveis e inerentes à pessoa humana, para cuja integralidade todos concorremos.

Nesse sentido, o documento estimula o debate sobre as formas e a profundidade da proteção social, ao enunciar: “Transferência de renda é fundamental, mas não é o suficiente. É preciso valorizar o salário mínimo, promover emprego, redistribuir a terra.”

Com efeito, sem ter acesso aos meios de produção, dificilmente se pode pensar em desenvolvimento socioeconômico real, que gere resiliência social.

O acesso à terra, portanto, insumo “sine qua non” para a população rural – na qual se concentra ainda mais a pobreza – faz-se urgente e absolutamente necessário.

Pressionemos a nova presidência da Câmara para que a proposta de emenda constitucional que inclui o direito à terra no artigo 6 da constituição seja finalmente votada.

Evoluamos! Pensemos que a fome, a pobreza e a criminalidade são problemas coletivos, de toda a humanidade, não algo que diga respeito apenas aos despossuídos e despossuídas.

Não existem culpas individuais, todas são coletivas.

Quando havia apenas dois seres, Adão e Eva, a culpa já fora socializada entre eles e extravasara até para um animal, a serpente.

A verdade requer sempre outras verdades, outros olhares, outras miradas.

Não se estabelece apenas com um ponto de vista, como as verdades teologais.

Até para o sentido da visão, ao qual os seres humanos conferem a máxima certeza, falta-nos recuar, avançar e observar de mais de um ponto, para poder tirar alguma conclusão ou fruir melhor o prazer da pessoa ou da arte em apreço.

Entretanto, para isso é necessária democracia.

Ao autoritarismo, não interessa a pluralidade de visões e ele pode ser político, como vivemos no Brasil nos últimos seis anos, mas também cultural, o qual ainda deverá perdurar, até que estruturas mentais sejam modificadas.

Formação é a tarefa principal das democracias, pois a inércia cultural das velhas estruturas segregacionistas tende a perdurar, como vimos recentemente na Alemanha, em que um grupo de extrema-direita planejou assalto ao estado.

O mesmo se aplica ao Brasil. Aqui, o golpe de estado de 2016 pareceu ter sido exumado das covas da ditadura, que ficaram abertas, pois quando não se faz justiça não se podem exorcizar demônios, os quais, fatalmente, retornam para nos assombrar.

Pior, o Brasil sequer fez as contas com seu passado integralista, fascista e nazista, razão pela qual esse chorume passou a contaminar a vida nacional e a de outros países. A propósito, está provado que o grupo terrorista alemão tinha contatos no país.

Com os dentistas – e tenho uma prima odontóloga que ensina a respeito – aprendemos que as afecções só podem ser curadas se a limpeza e desinfecção forem prévias.

Neste dia da diplomação histórica de Lula e Alckmin, como presidente e vice-presidente da República, não deixemos de ser críticos das nossas ações no próximo período democrático, para termos ouvidos receptivos, ações afirmativas e fé na luta conjunta, de irmãos e irmãs, companheiros e companheiras de uma nação que poderá ser luz e abrigo para muitos e muitas mais, oprimidos mundo a fora.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo