Drauzio Varella

[email protected]

Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

cadastre-se e leia

A epidemiologia do câncer

A incidência dos diferentes tipos de tumor muda ao longo do tempo. Hoje, há um aumento dos casos de carcinoma colorretal em pessoas com menos de 50 anos

O câncer se origina em alterações do DNA das células, as chamadas mutações.
Apoie Siga-nos no

Quando me especializei em oncologia, no início dos anos 1970, o câncer de cólon e reto era uma doença de mulheres e homens com mais de 50 anos. A partir da década de 1990, no entanto, a incidência na faixa dos 20 aos 49 anos começou a aumentar de 2% a 4% ao ano, em diversos países. Em pessoas com menos de 30 anos, o aumento foi ainda mais expressivo.

Enquanto a mortalidade acima dos 50 anos vem diminuindo graças ao emprego da colonoscopia como método de ­screening, nos mais jovens ocorre o contrário. Nos Estados Unidos, os Centros de Controle de Doenças calculam que, em 2030, esta será a principal causa de morte por câncer na população dos 20 aos 40 anos.

Os sintomas mais comuns são presença de sangue vivo nas fezes, desconforto abdominal e alternância de episódios de obstipação com outros de diarreia. Não é raro os pacientes conviverem com essas queixas por meses sem valorizá-las. Atribuir o sangramento a hemorroidas é muito comum. Por isso, deve ser repetida à exaustão a mensagem de que “nem tudo que sangra pelo reto é hemorroida”.

O atraso na atenção a esse sintoma combinado ao retardo da indicação de colonoscopia em gente tão jovem leva a diagnósticos tardios, feitos quando já existem metástases em órgãos internos. Nos casos avançados, quando comparamos pacientes jovens com os mais velhos, o fato de esses suportarem doses altas de quimioterapia e terem melhores condições de saúde não lhes assegura sobrevida longa. Tal constatação sugere que os tumores, nos mais novos, sejam mais agressivos.

Alguns estudos demonstraram que certas mutações genéticas associadas ao aumento do risco desse e de outros tipos de câncer (como as que ocorrem na Síndrome de Lynch), têm ocorrido com maior frequência nas últimas décadas, nas gerações mais novas. O que estaria acontecendo?

A interação de fatores ambientais com os genes é a explicação mais aceita. A epidemia de obesidade entre adolescentes e adultos, condições como a síndrome metabólica (obesidade, hipertensão, diabetes e colesterol elevado, entre outros agravos) e o sedentarismo prolongado, características cada vez mais frequentes na faixa etária dos 20 aos 49 anos, são os mais importantes.

Pacientes com hipertensão, diabetes tipo 2, colesterol elevado e hiperglicemia correm risco mais alto. O aumento da prevalência dessas condições abaixo dos 50 anos eleva o risco nesse grupo.

Uma dieta rica em bebidas açucaradas, carne vermelha, carnes processadas (como os embutidos) também implica riscos mais altos. A mudança do padrão alimentar coloca em perigo países de renda média e até os mais pobres, com menos acesso a frutas e legumes e maior consumo de alimentos ultraprocessados, mais baratos e práticos.

Estudos epidemiológicos levantam a hipótese de que outros fatores ambientais possam ter influência: aumento do uso de antibióticos que modificam a composição da flora intestinal, maior presença de toxinas em contato com a mucosa intestinal e até o número atual de cesarianas, cirurgias nas quais o recém-nascido deixa de receber o estímulo imunológico provocado pelas bactérias presentes no canal de parto.

Embora os fatores que aumentam o risco do carcinoma colorretal de instalação antes dos 50 anos (precoce) ou acima dessa idade (tardios) sejam os mesmos (obesidade, síndrome metabólica, sedentarismo, hipertensão, diabetes tipo 2 etc.), há diferenças na localização anatômica entre os dois grupos.

Por exemplo, nos mais jovens, os tumores surgem com maior frequência do lado esquerdo do cólon, são diagnosticados em fases mais avançadas (pela falta da realização de colonoscopias preventivas, comuns entre os mais velhos), apresentam tumores com mutações genéticas que lhes conferem maior agressividade e têm histórico de outros casos na família.

A epidemiologia do câncer modifica-se com a passagem do tempo. O câncer de pulmão era uma doença rara no século XIX (antes do cigarro) e o câncer de estômago tinha prevalência elevada nos Estados Unidos no início do século XX. Agora assistimos ao aumento dos casos de câncer de mama e do carcinoma colorretal em pessoas com menos de 50 anos.

As medidas preventivas precisam acompanhar essas mudanças nos padrões da doença. Faz, portanto, sentido iniciarmos o screening por colonoscopia em mulheres e homens a partir dos 45 anos, como preconizam as atuais diretrizes norte-americanas. •

Publicado na edição n° 1255 de CartaCapital, em 19 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A epidemiologia do câncer’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

10s