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Nas eleições, Portugal escolhe a instabilidade

A diferença entre AD e PS é mínima, e a extrema-direita se torna o elefante na sala

O principal partido de centro-direita de Portugal, derrotou por pouco os socialistas, mas ficou muito aquém da maioria (Foto de MIGUEL RIOPA/AFP)
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Em uma disputa muito mais apertada do que projetavam as bocas de urna, a coligação de centro-direita Aliança Democrática, formada pelo PSD, CDS e PPM, conquistou o maior número de cadeiras no Parlamento português nas eleições antecipadas do domingo 10. Sem contabilizar os quatro deputados eleitos por residentes no exterior, que só serão conhecidos nos próximos dias, a AD amealhou 79 assentos, contra 77 do Partido Socialista.

O grande vencedor da noite foi, no entanto, o Chega, legenda de extrema-direita liderada por André Ventura. A agremiação, criada em 2019, praticamente quadruplicou de tamanho: passou dos 12 parlamentares eleitos em 2022 para 46 agora. O partido foi o mais votado em Faro, fenômeno que não acontecia desde os anos 90 do século passado. Desde então, o mapa eleitoral português só tinha duas cores: o laranja do PSD-AD e o rosa do PS. “Acabou o bipartidarismo em Portugal”, discursou Ventura. “Temos todas as condições para formar um governo de direita. Só um partido e um líder muito irresponsáveis deixarão o PS governar”.

Não será surpresa se, em breve, o presidente da República for obrigado a convocar novas eleições

Eis o problema. Luís Montenegro, candidato da AD e provável novo primeiro-ministro, passou toda a campanha negando a possibilidade de uma aliança com a extrema-direita. “Não é não”, repetiu inúmeras vezes. “Cumprirei a minha palavra”, respondeu à pergunta de uma jornalista no discurso da vitória já na madrugada da segunda-feira. Resta apenas uma alternativa: formar um governo sem maioria, negociar ponto a ponto as propostas e lidar com a instabilidade natural de uma solução precária. Não será surpresa se, em breve, o presidente da República for obrigado a convocar novas eleições.

O Chega tornou-se um enorme elefante na sala da governabilidade. Houve uma inegável virada conservadora no Parlamento. São 131 deputados contra 87 à esquerda. Excluída, porém, de qualquer acerto a legenda extremista de Ventura, a direita tradicional somaria menos cadeiras do que o PS e seus aliados (85 a 87).

“Não ganhamos as eleições, vamos para a oposição”, declarou Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS. “Não iremos inviabilizar um governo da AD, mas não contem conosco para governar.”

As eleições antecipadas mobilizaram o país. A abstenção projetada é a menor em 15 anos.

Interferência do Ministério Público

Os portugueses foram obrigados a voltar às urnas cerca de dois anos depois de dar uma maioria parlamentar absoluta ao Partido Socialista por culpa de uma denúncia ao estilo lavajatista do Ministério Público.

A Operação Influencer realizou em 7 de novembro 42 buscas, inclusive no gabinete do primeiro-ministro, António Costa, no âmbito de uma investigação de corrupção e prevaricação na concessão ao setor privado de uma mina de lítio na região de Montalegre e na exploração de hidrogênio e na construção de um data center na cidade de Sines. Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara Municipal, equivalente ao cargo de prefeito no Brasil, foi detido.

Uma breve e leviana citação em um comunicado da Procuradoria Geral da República levou Costa a pedir demissão, precipitou a dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições. Uma semana depois, quando o estrago político estava feito, Mascarenhas foi libertado por falta de indícios.

Em fevereiro, o juiz considerou as suspeitas contra o primeiro-ministro, baseadas em uma conversa grampeada entre dois envolvidos no caso, “vagas e até contraditórias”.

Não bastasse, na quinta-feira 7, três dias antes das eleições, a revista Visão informou que os procuradores, após quatro anos de investigação e escutas telefônicas, não tem certeza se houve ou não crime na concessão da mina de lítio e na produção de hidrogênio em Sines.

Extrema-direita em alta na Europa

A inflação e o medo produzidos pela invasão da Ucrânia pela Rússia e a constante crise migratória voltaram a impulsionar a extrema-direita na Europa.

À exceção do espanhol Vox, que encolheu nas eleições legislativas do ano passado, a ultradireita está em ascensão. Governa a Itália, por meio do partido Fratelli D’Italia, herdeiro direto do fascismo, foi a corrente mais votada nos Países Baixos e lidera as pesquisas à presidência na França. Antes coadjuvantes, as agremiações extremistas, em vários países, ultrapassam a marca dos 10% da preferência popular.

O crescimento levou os líderes de extrema-direita a mudar de discurso. Antes defensores da dissolução da União Europeia, agora almejam moldar as leis do continente às suas ideias, que incluem, entre outras, regras draconianas para a imigração, retrocesso nas liberdades individuais e flexibilização das políticas ambientais.

Segundo pesquisas mais recentes, os dois grupos da direita radical no Parlamento Europeu, o Identidade e Democracia (ID) e os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), terão, juntos, a terceira maior bancada. Em junho, 400 milhões de eleitores escolherão 720 deputados.

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