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Milei volta a afirmar que vai fechar o Banco Central da Argentina; condições dificultam viabilidade da medida

A renúncia à autoridade monetária envolve barreiras constitucionais, econômicas e políticas

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei. Foto: Luis Robayo/AFP
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O presidente da Argentina, Javier Milei, voltou a afirmar que vai cumprir uma das suas principais promessas de campanha: fechar o Banco Central do país. A sinalização foi dada na última quinta-feira 11, durante uma entrevista à rádio La Red.

A conversa aconteceu antes da divulgação dos números oficiais da inflação de dezembro na Argentina, que ficou em 25,5% no mês e somou 211,4% no ano passado.  Logo após a notícia, aliás, o BC argentino informou que vai passar a emitir notas de 20 e 50 mil pesos no país. 

Nela, Milei reafirmou o seu prognóstico sobre a economia da Argentina, dizendo que o país enfrenta “um processo de rearranjo de preço” e que os próximos meses serão “um período de inflação com números horríveis”. 

Ao fim da entrevista, questionado se pretendia dolarizar a economia, Milei retrucou dizendo que “mais cedo ou mais tarde, vou fechar o Banco Central”. Ele não deu mais detalhes sobre como pretende se desfazer da autoridade monetária do país.

Segundo ele, o governo está disposto a privatizar o Banco Nación e todas as empresas estatais, o que, de fato, consta nos pacotes legislativos enviados por Milei ao congresso argentino. O presidente do país vizinho disse acreditar que “pessoas têm consciência do desastre”, em referência à situação econômica deixada pelo governo do seu antecessor, Alberto Fernández.

Na entrevista de ontem, Milei também comentou sobre a relação entre o seu país e o Brasil. Na visão do argentino, a relação segue “madura” e “continua como antes”. 

Na campanha eleitoral, impulsionado pelo discurso de transformação interna e externa, Milei fez críticas públicas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem chegou a chamar de “corrupto”. 

Após a vitória, esforços diplomáticos foram feitos para que Lula comparecesse à cerimônia de posse, mas o governo decidiu enviar o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, ao evento. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), simpático a Milei, esteve presente na Argentina.

Em termos de comércio, os números mais recentes da balança comercial brasileira – que teve superávit de 98,8 bilhões de dólares em 2023 – mostraram que as vendas para a Argentina tiveram um aumento significativo (8,9%) entre janeiro e dezembro do ano passado, totalizando 16,72 bilhões de dólares. O saldo é positivo em 4,72 bilhões de dólares.

As condições para fechar o Banco Central argentino

A proposta de fechamento do Banco Central, como mencionado, foi um dos principais eixos de campanha do então candidato Milei. 

Entretanto, logo após assumir a Casa Rosada, o tema foi sendo deixado de lado, dando lugar a medidas concretas – como a desvalorização do peso com ampliação da faixa de cotação do dólar oficial, redução dos subsídios para energia e transporte, entre outras – elaboradas pelo ministro da Economia, Luis Caputo.

Caso decida dar marcha ao projeto de fechar o Banco Central, Milei poderia enfrentar dificuldades de ordem jurídica, econômica e política. A primeira depende de uma interpretação da própria Constituição argentina e se expressa na seguinte pergunta: o texto constitucional do país vizinho veda a possibilidade de fechar a autoridade monetária?

Em resumo, o artigo 75 da lei máxima argentina determina que compete ao Congresso “estabelecer e regulamentar um banco federal com poder de emitir moeda, bem como outros bancos nacionais“. A princípio, portanto, um eventual fechamento da instância monetária não passaria apenas por uma decisão simples do mandatário do país.

Já a segunda dificuldade, como dito, é econômica. Ao extinguir o Banco Central, a Argentina perderia a capacidade de conduzir a sua própria política monetária, passando a ser incapaz de financiar os investimentos públicos. Somando o fechamento do Banco Central à dolarização, o cenário conduziria a uma dependência das decisões do Federal Reserve dos Estados Unidos. Isso se a autoridade norte-americana estiver de acordo com os termos e, principalmente, se estiver disposta a lidar com os problemas econômicos argentinos em momentos de crises internas.

Por fim, as dificuldades políticas têm a ver com o próprio debate legislativo que um eventual fechamento do Banco Central poderá promover, e com os nomes escolhidos por Milei para essa primeira página da sua gestão. 

O economista Emilio Ocampo – um dos criadores do plano de dolarização e sustentáculo econômico do candidato Milei – foi preterido, ainda em dezembro, no processo de composição do governo.  Ocampo já tinha sinalizado que a sua intenção de compor o governo se baseava na ideia de que a dolarização e o fechamento do BC pudesse ser medidas mais imediatas. A classe política e setores econômicos argentinos interpretaram o gesto como um freio ao plano de fechar o Banco Central e de dolarizar a economia. Pelo menos, no curto prazo.

Além disso, Milei escolheu o economista Santiago Bausili para presidir o Banco Central do país. Bausili, ex-secretário de Finanças do governo do ex-presidente Maurício Macri, já afirmou que a entidade não será fechada enquanto ele estiver à frente do cargo.

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