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Lula na China, 14 anos depois: o que mudou de lá para cá

A última passagem do presidente brasileiro pelo gigante asiático foi em maio de 2009, em um contexto de relações geopolíticas globais que, observadas pelo ângulo da atualidade, tornaram-se distantes

Lula e Xi Jinping. Fotos: Evaristo Sá/AFP e CLaudio Reyes/AFP
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) embarcou, nesta terça-feira 11, para a China, com previsão de chegada na quarta-feira 12. Essa será a primeira viagem de Estado do atual presidente brasileiro à China, depois de quase 14 anos. A última, realizada em maio de 2009, tinha como contexto um conjunto de relações geopolíticas globais que, observadas pelo ângulo da atualidade, tornaram-se distantes.

Na viagem de 2009, Lula encontrou o então presidente chinês, Hu Jintao. Naquela ocasião, foram celebrados 13 acordos entre os dois países, em diferentes áreas. Nesta semana, o presidente brasileiro sentará à mesa com Xi Jinping, que lidera China desde 2013 e, recentemente, fomentou as bases para sua estadia prolongada no poder. A expectativa do governo brasileiro é fechar, pelo menos, 20 acordos. 

Foi em 2009, também, que a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, status que mantém até hoje. Lula liderava, naquela altura, algumas das iniciativas do países de capitalismo periférico que tinham como objetivo a melhoria das condições de desenvolvimento, possibilitadas, por exemplo, pela valorização das commodities que marcaram a primeira década do século XXI – proporcionada, aliás, pela própria China. Foi nesse contexto, por exemplo, que surgiu os Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Na viagem de 2009, o Brasil despontava – por suas mudanças socioeconômicas e pelo próprio papel de Lula à frente do país, desde 2003 – como o celebrado exemplo de um país do Sul Global que angariava posições nos principais centros de decisão do globo. 

Data de 2009, também, a capa da revista britânica The Economist, marco da literatura jornalística economicamente liberal, que apontava o Cristo Redentor brasileiro alçando voo para o espaço, com o título “Brasil decola”. De lá para cá, a mesma revista estampou o Cristo Redentor voltando desorientado do seu voo anterior e, em seguida, o próprio Cristo Redentor segurando uma placa em que pedia socorro.

Em 2009, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro girava em torno de 1,7 trilhão de dólares. O último resultado da economia brasileira, divulgado no mês passado, indicou uma produção de 1,9 trilhão de dólares. Entre um período e outro, o país enfrentou recessões econômicas e uma das mais graves crises institucionais de sua história. Em 2009, também, o Brasil ainda constava na lista dos dez países mais ricos do mundo, patamar que foi reduzido nos últimos ano. Atualmente, o país ocupa a 12 posição do ranking.

O PIB da China, em 2009, foi de 4,9 trilhões de dólares. Ao final do ano passado, o PIB chinês superou os 17 trilhões de dólares, ainda que o crescimento, na casa dos 3% em comparação ao ano anterior, tenha sido um dos mais baixos das últimas décadas.

Do ponto de vista comercial, ambos os países precisam um do outro, embora a dependência brasileira seja maior. Em 2009, as exportações brasileiras à China somaram cerca de 20 bilhões de dólares, montante que foi a 89,4 bilhões de dólares em 2022. Significa dizer que, no ano passado, 26,8% das exportações brasileiras foram para a China. Para que se possa ter uma ideia da diferença entre China e Estados Unidos, nessa questão, o percentual dos norte-americanos nas exportações brasileiras ficou em 11,2%, no ano passado.

No outro lado, as exportações da China para o Brasil, em 2009, somaram 15,9 bilhões de dólares, valor que para 60,7 bilhões de dólares, em 2022.

Diplomacia 

Hoje, a viagem de Lula à China, para além do fechamento de acordos estratégicos, busca simbolizar, como indica o próprio governo, o retorno do Brasil a um patamar diplomático que foi esquecido nos últimos anos. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sucederam-se casos de atuações pouco diplomáticas do Brasil para com a China, o que distanciamento entre os dois países.

O filho do ex-presidente brasileiro, o atual deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), chegou a culpar a China pela Covid-19, acusou o país asiático de praticar espionagem no desenvolvimento da tecnologia 5G e enfileirou comentários preconceituosos contra os chineses, a ponto da própria embaixada da China declarar repúdio ao comportamento do parlamentar. 

Mais do que isso: a diplomacia brasileira, especialmente sob a chefia de Ernesto Araújo – ministro das Relações Exteriores entre 2019 e 2021 -, passou a atuar de modo contrário não apenas à China, mas à Europa e aos Estados Unidos. No caso europeu, Bolsonaro alimentou críticas à França e à Alemanha, que questionavam a inação do Brasil na proteção ambiental do seu próprio território, como foi o caso da Amazônia.

Em relação aos Estados Unidos, a diplomacia institucional deu lugar à afinidade pessoal: Bolsonaro tentou aproximar o país aos Estados Unidos, declarando-se admirador de primeira ordem do ex-presidente norte-americano Donald Trump. Quando Joe Biden venceu as eleições para presidente contra o próprio Trump, em 2020, Bolsonaro foi reticente para reconhecer a vitória do democrata. De modo sintético, o Brasil dificultou as interlocuções com a China, parte da Europa e, mais recentemente, os Estados Unidos. E criou um isolamento sem precedentes na história recente do país.

A viagem de Lula é admitida pelo governo, como dito, como um retorno. Por outro lado, não apenas a China, mas a própria configuração geopolítica do globo, é outra.

Nova configuração

Voltando à China, a viagem de 2009 levava o presidente brasileiro a um país que queria mostrar ao mundo que, diferentemente do passado, não estava mais isolado. A China tinha acabado de realizar um evento esportivo de importância global – as Olimpíadas de Pequim, em 2008 -, a economia crescia em números robustos e o futuro próximo – àquela altura – indicava que a China disputaria a hegemonia global com os Estados Unidos.

Esse futuro, aparentemente, chegou. Para além de ser a segunda principal economia do mundo, a China vem incentivando empréstimos diretos a países em condição de subdesenvolvimento, buscando atingir, ainda que longe disso, um papel que, historicamente, sempre coube aos Estados Unidos e ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Mais: diferentemente de 2009, a viagem desta semana é marcada por um mundo tensionado pela guerra entre Rússia e Ucrânia, na qual a China, apesar de formalmente neutra, tem um papel de relevância.

A viagem de Lula à China em 2009 foi marcada por um contexto global no qual a noção de multilateralismo se mantinha, a despeito dos conflitos e dos distintos interesses comerciais, em voga. De lá para cá, o autoritarismo tomou forma através da ascensão – ora pontual, ora definitiva – da extrema-direta no mundo, os gastos militares foram incentivados, tanto em países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) quanto pela China. De maneira que a própria ideia de multilateralismo passou a ser repensada, nesses quase 14 anos.

A imprensa internacional noticiou que, ao se despedir do presidente russo, Vladimir Putin, na viagem que fez à Rússia, no final do último mês de março, Xi Jinping disse: “Neste momento, existem mudanças como nunca vimos em cem anos. E estamos conduzindo essas mudanças juntos”. A declaração foi confirmada pela Comissão Europeia, órgão ligado à União Europeia, e foi citada pela presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, em discurso promovido no último dia 30 de março.

Mais do que uma das principais economias do mundo, a atuação da China caminha para a imposição de um desejo de reconfiguração da hegemonia mundial. Fato, aliás, que é reconhecido pelos Estados Unidos. Na soma entre disputa comercial entre Estados Unidos e China, tensão geopolítica e militar entre o Ocidente e o Oriente, e a tentativa do Brasil de sair do isolamento em que se encontrou nos últimos anos, é que fica marcada a viagem do presidente Lula.   

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