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José Mujica prevê segundo turno duro para a esquerda no Uruguai

Ex-presidente admite dificuldade a brasileiros. Frente Ampla encara fadiga de 15 anos no poder e união de direita e extrema-direita

O ex-presidente uruguaio José Mujica (Rubens Fraulini/Itaipu Binacional)
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José Mujica, ex-presidente do Uruguai, recebeu dois brasileiros em casa em 4 de agosto, Carlos Siqueira, presidente do PSB, e Alessandro Molon, chefe da área internacional do partido. O líder de 84 anos estava preocupado. Se a sua Frente Ampla, coalizão de esquerda no poder desde 2005, não vencesse no primeiro turno a eleição de 27 de outubro, ganhar no segundo seria muito difícil.

O candidato da Frente, Daniel Martínez, de 62 anos, ficou na dianteira, com 39% dos votos, mas não levou, pois lá é igual aqui: triunfo em primeiro turno exige metade mais um dos eleitores. E agora irá encarar um turno final, em 24 de novembro, duro como previa Mujica.

Além do desgaste de 15 anos no poder, a Frente terá de enfrentar a união da direita em torno do adversário de Martínez, Luis Lacalle Pou, de 46 anos, do Partido Nacional (blanco). Juntos, os três nomes principais da direita tiveram 50% dos votos: 28% de Pou, 12% de Ernesto Talvi, do Partido Colorado, da direita tradicional, e 10% de Guido Manini Rios, general de extrema-direita.

Pou é filho de um ex-presidente, Luis Alberto Lacalle, que comandou o Uruguai de 1990 a 1995 (lá os mandatos são de cinco anos, sem possibilidade de reeleição). Alberto Lacalle foi um dos cabeças do que um ex-deputado da República Dominicana, Manolo Pichardo, chama de “plano Atlanta”. Uma articulação de líderes direitistas na América Latina para sabotar líderes progressistas.

CartaCapital contou em janeiro de 2018 a história desse “plano”. Em 2012, houve uma reunião em um hotel na cidade americana de Atlanta, da qual participaram Alberto Lacalle e Pichardo, entre outros. Ali, o uruguaio disse, segundo Pichardo, que “como não podemos ganhar desses comunistas pela via eleitoral, compartilho o que segue”. E o que se seguiu foi o roteiro a seguir.

Para derrotar a esquerda na América Latina, era preciso desmoralizar seus líderes com acusações de corrupção, inclusive a familiares, e ataques ao comportamento privado deles. A mídia seria aliada, nomes de meios de comunicação foram citados. Depois, era converter os escândalos em processos judiciais que acabassem com a carreira dos rivais.

Lula, Cristina Kirchnner (Argentina) e Rafael Correa (Equador) parecem terem sido alvos de tal “plano”.

Hipótese à parte, a presença da extrema-direita como ator eleitoral é uma novidade no Uruguai desde o fim da ditadura militar que vigorou de 1973 a 1985. Desde então, a direita tradicional (blancos e colorados) sempre se alternou no poder, até o triunfo da Frente Ampla, em 2005.

O extremista Rios, de 60 anos, foi chefe do Exército no atual governo. Foi demitido pelo presidente Tabaré Vázquez, da Frente, em março de 2019, devido a uma série de declarações contrárias ao governo. Seis meses antes, em setembro de 2018, havia sido punido com 30 dias de cadeia por falar publicamente contra a reforma da Previdência dos militares defendida por Vázquez.

A presença do general deu peso ao tema “segurança pública” na eleição. Além de votarem para presidente e parlamentares, os uruguaios decidiram ainda um plebiscito sobre mudar a Constituição para criar uma guarda nacional, formada por militares, que patrulhasse as ruas. A proposta, chamada “viver sem medo”, teve 46% dos votos. Precisava de 50% para ser aprovada.

A derrota da proposta no plebiscito é tida pela Frente Ampla como uma vitória em meio às dificuldades gerais. Dos 2,6 milhões de eleitores, 90% votaram em 27 de outubro, participação elevada a sinalizar desejo de mudança no governo por parte da população. Outro sinal ruim: a Frente perdeu a maioria na Câmara dos Deputados. Elegeu 42 de um total de 99 vagas.

E não é que a vida dos uruguaios tenha piorado durante a hegemonia da Frente Ampla. Durante esse governo de esquerda, o PIB per capita triplicou. Era de 5,2 mil dólares anuais em 2005 (cerca de 1,7 mil reais por mês em valores de hoje) e em 2018 estava em cerca de 16 mil dólares anuais (cerca de 5,3 mil reais por mês).

Segundo analistas uruguaios, para ganhar mais uma vez, a Frente Ampla terá de convencer parte do eleitorado que as conquistas obtidas nos últimos 15 anos não terão sua continuidade garantida, em caso de vitória da direita. “Temos um mês para trabalhar em cima da rejeição a Lacalle Pou e a seus aliados da extrema-direita”, diz uma fonte da Frente Ampla.

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