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Fim do parlamentarismo e medidas antiaborto: veja as propostas da extrema-direita para a Itália

Pela primeira vez a extrema-direita vence as eleições na Itália e Giorgia Meloni será a primeira mulher a governar o País

Foto: Andreas SOLARO / AFP
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A coalizão de direita e extrema-direita, formada principalmente pelos partidos Forza Italia de Silvio Berlusconi, Liga de Matteo Salvini e Irmãos da Itália, de Giorgia Meloni, obteve uma vitória clara, com cerca de 44% dos votos na Câmara dos Deputados e no Senado.

Esse resultado permite alcançar a maioria absoluta no parlamento. O partido pós-fascista (que em italiano se chama Fratelli d’Italia) multiplicou por seis os resultados obtidos em 2018, ou seja, passou de 4,3% para 26,2%. Isso significa que ela é a favorita ao cargo de primeiro-ministro. O sistema eleitoral italiano não prevê a eleição direta de um candidato para chefiar o governo.

A formação, que nasceu do Movimento Social Italiano (MSI) pós-fascista, não sofreu com o desgaste dos dois governos de Giuseppe Conte, que em 2020 enfrentou a pandemia, e de Mario Draghi, que enfrentou a crise econômica herdada da guerra na Ucrânia.

“Giorgia Meloni é a única que nunca governou a Itália. Vamos dar uma chance para ela” disse Giovanni, taxista em Roma. Assim como ele, muitos eleitores não se esqueceram do passado de Meloni, romana nascida no bairro popular Garbatella, da capital.

Ex-ministra da Juventude

Giorgia Meloni, 45 anos, foi ministra da Juventude do último governo de Silvio Berlusconi, que caiu em 2011 após deixar a Itália à beira da falência. O partido de Giorgia Meloni também levou os votos da Liga de Matteo Salvini, que obteve pouco menos de 9%, e de Forza Italia de Berlusconi, que teve pouco mais de 8%.

A Liga participou do primeiro governo de Conte (1º de junho de 2018 à 5 de setembro de 2019) e do governo de Mario Draghi (13 fevereiro de 2021 à 21 de julho de 2022). Este último, chamado “governo de união nacional”, também contou com a participação de Forza Italia.

O Irmãos da Itália também foi favorecido pela enorme abstenção, principalmente no sul do país. Dos quase 51 milhões de eleitores na Itália, apenas 64% compareceram às urnas. Em 2018, a abstenção foi de 73% nas eleições legislativas. O não comparecimento ao pleito representa uma desilusão com a política. Nos últimos 76 anos a Itália já teve 67 governos, ou seja, cada governo durou uma média de 13 meses.

Ouvir o coração do feto antes do aborto

Uma das principais promessas de Giorgia Meloni durante a campanha eleitoral foi a mudança da Constituição, transformando o sistema parlamentarista em presidencialista. Na Itália, o chefe de Estado – atualmente o presidente da República Sergio Mattarella – é nomeado pelo Parlamento.

O Presidente da República configura-se como um poder “neutro”, ou seja, colocado fora da divisão entre os três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Ele desempenha uma função de vigilância e coordenação e tutela das regras estabelecidas pela Constituição italiana.

O aborto também é um dos temas controversos da extrema-direita. A lei que autoriza a interrupção da gravidez foi promulgada em 1978, depois de um referendo. Giorgia Meloni, cujo lema é “Deus, Família, Pátria”, diz que quer dar à mulher o direito de “não fazer um aborto”. O programa do partido Irmãos da Itália inclui medidas como o enterro de fetos sem o consentimento da mulher que aborta, ou a obrigação de ouvir o coração do feto antes de abortar.

Reações na Europa

No Parlamento Europeu, Giorgia Meloni é presidente do grupo formado pelo Partido Conservador e Reformista Europeu. Entre seus aliados estão o primeiro-ministro de extrema-direita da Hungria, Viktor Orban, e o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, do Partido Lei e Justiça.

Na semana passada a Comissão Europeia advertiu os governos da Hungria e da Polônia pelo desrespeito ao estado de direito e aos direitos humanos, impondo sanções contra os países e exigindo que estivessem de acordo com os valores democráticos da União Europeia. Os partidos italianos de Giorgia Meloni e de Matteo Salvini se abstiveram da votação.

Como esperado, a extrema-direita europeia está comemorando a vitória pós-fascista italiana. Nesta segunda-feira, Viktor Orban parabenizou a líder italiana e os Irmãos da Itália pelo triunfo nas eleições políticas de 2022. “Uma vitória mais que merecida. Parabéns!”, escreveu o húngaro no Facebook, postando uma foto sua na companhia de Meloni. “Parabéns Giorgia Meloni!”, tuitou o primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki.

Líderes europeus reagem à eleição

Segundo a francesa Marine Le Pen, líder do partido de extrema direita Reunião Nacional, “o povo italiano elegeu um governo soberano”. No entanto, a vitória da extrema direita na Itália, um dos países fundadores e terceira economia da União Europeia preocupa muitos líderes europeus.

O ministro das Relações Exteriores da União Europeia, o espanhol José Manuel Albarès, comentou que a vitória do partido de Giorgia Meloni “é um momento de incertezas, e em momentos de incertezas, os populismos adquirem sempre importância e terminam sempre da mesma forma: em desastre.”

A social-democrata alemã Katarina Barley, vice-presidente do Parlamento da UE, admitiu a preocupação com o resultado eleitoral italiano. Segundo ela, com a vitória de Giorgia Meloni “os autocratas teriam um lobista no Conselho, que é a representação dos 27 estados membros da UE, capaz de travar os trabalhos da União”. A primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne, disse que a França estará atenta ao “respeito” aos direitos humanos e ao aborto na Itália. 

A derrota da esquerda italiana

O resultado mostra falhas na estratégia do bloco progressista, cuja derrota não se deve apenas aos votos obtidos. A complexa lei eleitoral italiana é um sistema misto que combina o método proporcional e o majoritário. A coalizão de centro-esquerda, liderada pelo Partido Democrático de Enrico Letta, obteve pouco mais de 26% dos votos na Câmara dos Deputados e no Senado.

O Partido Democrático não conseguiu chegar a um acordo com as diferentes forças que poderiam formá-lo. Logo após a renúncia de Mario Draghi, em 21 de julho passado, e a convocação das eleições, a legenda tentou uma aliança com o partido Azione (Ação) de Carlo Calenda, mas houve uma ruptura quando Enrico Letta quis estender a aliança aos partidos de esquerda Verdes, Esquerda Italiana, Empenho Cívico e Europa.

Após a ruptura, Carlo Calenda se uniu ao ex primeiro-ministro Matteo Renzi e ambos formaram o bloco de centro com os partidos Ação e Itália Viva, que obteve pouco mais de 7% da preferência popular. 

O Movimento 5 Estrelas

O Movimento 5 Estrelas, de Giuseppe Conte, obteve cerca de 15% na Câmara dos Deputados e no Senado. O ex- primeiro-ministro administrou a campanha eleitoral e explorou o descontentamento no sul da Itália.

A proposta do aumento da renda básica, aprovada durante o governo Conte, beneficiou o Movimento 5 Estrelas, que hoje não é mais visto como partido antissistema. A chamada Renda de Cidadania, carro-chefe da campanha do M5S, estabelece várias tabelas de ajudas principalmente para desempregados e aposentados que comprovem a baixa renda.

Em síntese, pessoa que vive sozinha pode chegar a ter um auxílio de até 780 euros por mês (aproximadamente 4 mil reais). Para uma família de dois adultos e um filho adulto ou dois menores a ajuda pode ser de até 1.330 euros por mês (cerca de 7 mil reais).

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