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Washington quer banir a chinesa TikTok por usar a mesma estratégia das concorrentes norte-americanas

Pau oco. Quando a concorrência é mais eficiente, os EUA se acham no direito de apelar à defesa da democracia e dos valores ocidentais – Imagem: Chris Delmas/AFP e Arquivo/OTAN
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A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos aprovou por grande maioria a determinação de que a empresa chinesa ByteDance venda o aplicativo TikTok para controladores norte-americanos. Caso isso não ocorra em seis meses, ele será bloqueado e impedido de ser acessado no país que se afirma como exemplo de democracia no planeta. É importante informar que, em 2023, a empresa chinesa faturou 120 bilhões de dólares (cerca de 600 bilhões de reais), apenas 15 bilhões a menos que a receita do Grupo Meta, controlador do Facebook, Instagram e WhatsApp.

O liberalismo econômico norte-americano é comovente. Os liberais do Norte bradam pela livre concorrência e pela justa competição econômica, mas só aplicam esses princípios se forem superiores nas disputas de mercado. Caso não consigam dominar o concorrente, imediatamente a terra das oportunidades, do liberalismo econômico e da democracia converte-se no país do autoritarismo radical e de um bloqueio extremista aos capitais que suas classes dominantes não controlam.

O TikTok está na linha de tiro dos Estados Unidos do mesmo modo que a ­Huawei. Essa última lidera inúmeras tecnologias de telecomunicações, como, por exemplo, a do 5G. As empresas e o governo norte-americanos se articularam para bloquear politicamente as ações de empresas chinesas com a finalidade de manter seus mercados e sua supremacia tecnológica. No caso da Huawei, o objetivo é atrasar ao máximo sua expansão, enquanto as companhias norte-americanas tentam aprimorar sua tecnologia para superar a chinesa.

Os sistemas algorítmicos do TikTok atuam com finalidades similares àqueles do Facebook, Instagram e Snapchat, entre outras redes de relacionamento e entretenimento online. Mas o treinamento dos modelos que visam captar a atenção dos usuários implementado pelos chineses parece ser mais eficiente, ou seja, mais envolvente. Apesar da barreira da língua, uma empresa originária da China conseguiu criar uma plataforma de entretenimento que se tornou uma das mais utilizadas pela população jovem do Ocidente e de seu país líder, os Estados Unidos.

A plataforma entrou na mira do Congresso dos EUA por ser mais eficiente em modular o comportamento dos usuários

O argumento dos parlamentares norte-americanos para açambarcar o ­TikTok é que a plataforma chinesa estaria acumulando dados sensíveis dos cidadãos e isso seria utilizado para espionar os Estados Unidos. Todas as plataformas norte-americanas extraem, coletam, tratam e analisam os dados dos seus usuários em todo o mundo. Fazem isso a partir da captação de padrões comportamentais dos usuários, para modular suas atenções. Os conteúdos apresentados aos usuários das redes sociais online visam mantê-los conectados para atingi-los com propaganda, conteúdos e serviços. O modelo de negócios das plataformas digitais é oferecer interfaces e sites gratuitos para capturar dados de quem os acessar. A hegemonia global desse modelo foi chamada pela pesquisadora ­Shoshana ­Zuboff de capitalismo de vigilância.

Aqui é preciso lembrar Edward ­Snowden. Em 2013, o ex-agente da NSA (National Security Agency) denunciou o esquema de espionagem global praticado pela agência de inteligência digital norte-americana. A então presidente brasileira, Dilma Rousseff, e a ex-chanceler alemã Angela Merkel, entre outros, tiveram seus e-mails escaneados e analisados. Milhões de cidadãos, milhares de empresas e instituições que utilizavam as big techs norte-americanas foram espionados pela NSA. Snowden mostrou que os EUA vigiam as redes digitais a partir de programas que rodam nas estruturas das plataformas mais utilizadas. O que Joe Biden e os parlamentares norte-americanos acusam o TikTok é de espionagem massiva praticada pelos próprios Estados Unidos.

Os dados que o TikTok coleta e analisa visam capturar a atenção dos usuários e criar “gatilhos” para prendê-los a maior parte do tempo a assistir vídeos na plataforma. O TikTok é gerenciado por um sistema algorítmico de aprendizado de máquina treinado de modo eficaz. A rede atrai muitos adolescentes e tem sido acusada de criar um efeito viciante, bem como de estimular os jovens a se acostumarem com vídeos curtos. Muitos pesquisadores desconfiam que o TikTok tem contribuído para fragilizar a capacidade de concentração dos mais jovens. Mas não é por seu possível efeito deletério e nocivo que a ByteDance tem sido perseguida pelos parlamentares norte-americanos. Está sob ataque exatamente por ser mais bem-sucedida em modular os comportamentos dos usuários. •


*Professor da UFABC.

Publicado na edição n° 1303 de CartaCapital, em 27 de março de 2024.

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