Entrevistas

Estamos dispostos a bater em qualquer porta para salvar Gaza, diz embaixador da Palestina

Em entrevista a CartaCapital, Ibrahim Alzeben acusa Israel de terrorismo de Estado, mas diz que Autoridade Palestina não aprova ‘solução via armas’ do Hamas

O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
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O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, disse que a Autoridade Nacional da Palestina não aprova a ‘solução militar’ do Hamas, mas afirmou que Israel e o último governo “são os únicos responsáveis por seguir este derramamento de sangue”.

Alezaben conversou com CartaCapital por telefone, direto da Cisjordânia, nesta sexta-feira 13, sétimo dia do mais recente conflito entre israelenses e palestinos.

“Nós, o povo palestino, ao longo de sete décadas, somos vítimas de terrorismo de Estado”, afirmou.

Questionado sobre o Hamas, organização palestina considerada terrorista por parte da comunidade internacional, Alzeben respondeu: “A OLP [Organização para a Libertação da Palestina] e o Estado da Palestina acreditam na resistência popular não armada. Não aprovamos, não acreditamos que a solução é militar e por via das armas.”

O diplomata acusa Israel de provocar ‘terrorismo’ desde sua criação, em 1948. Segundo ele, o atual episódio desse conflito tem ‘incalculáveis perigos’ e apresenta riscos de instalação de uma guerra que ultrapasse as fronteiras, com o envolvimento dos Estados Unidos.

O cenário descrito pelo embaixador é de catástrofe. “Há pessoas mandando mensagens, sentindo cheiro de corpos em decomposição. É uma tragédia.” As autoridades palestinas contabilizam cerca de 1,5 mil cidadãos mortos e sete mil feridos na Faixa de Gaza, território com mais de 2 milhões de habitantes.

Alzeben defende a intervenção internacional no conflito e menciona o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que prevê que o Conselho de Segurança pode determinar ações por forças aéreas, navais ou terrestres para restabelecer a paz.

“O mundo tem que intervir, parar esta chacina e fazer com que o direito internacional seja respeitado”, disse. “Estamos na melhor disposição para bater em qualquer porta no mundo, para salvar o que dá para salvar na Faixa de Gaza.”

Embaixador da Palestina diz a CartaCapital que conflito com Israel tem ‘incalculáveis perigos’. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Incluídos as vítimas em Israel por ataques do Hamas, o confronto já deixou 3.099 mortos. Corpos de três brasileiros foram identificados no território israelense. Em Gaza, 28 brasileiros ainda aguardam ser retirados pelo governo brasileiro. Parte deles se encontra em uma escola católica, e outra parte, em suas casas.

Confira a seguir.

CartaCapital: 

Quais propostas a Autoridade Palestina tem apresentado nesses últimos dias para solucionar esse conflito?

IA: Solicitamos ao Conselho de Segurança, ao Conselho de Direitos Humanos, fizemos chamado à comunidade internacional, para por fim a esse conflito, parar os bombardeios, respeitar os civis e abrir um corredor humanitário. E solicitamos uma intervenção por parte da comunidade internacional, dentro do guarda-chuva das Nações Unidas, para um diálogo com garantias internacionais de que essa ronda de violência e de extermínio seja a última. Necessitamos romper esse ciclo de violência e de extermínio e sentar na mesa de negociação. Obviamente, muitos civis são vítimas. Lamentamos muito. Essa não é a nossa política, essa não é a nossa missão. 

Palestinos evacuam uma área de Gaza bombardeada por Israel. Foto: Mahmud HAMS / AFP

CC: A Embaixada da Palestina no Brasil considera o Hamas uma organização terrorista ou autora de atos terroristas?

Ibrahim Alzeben: Nós, o povo palestino, ao longo de sete décadas, somos vítimas de terrorismo de Estado. Desde que nasceu o Estado de Israel, nasceu expansionista, levando do povo palestino os seus direitos, utilizando métodos, inclusive, que alcançam níveis de crime de guerra desde 1948. E não mudou. O que está mudando é o tipo de armamento, de métodos, desumanizando os palestinos, considerando que os palestinos não são seres humanos. Os senhores estão acompanhando essa propaganda narrativa para justificar uma matança atrás da outra.

CC: Em relação ao Hamas, o senhor faz algum comentário?

IA: O representante do povo palestino é a OLP [Organização para a Libertação da Palestina]. Único e legítimo representante. A OLP e o Estado da Palestina acreditam na resistência popular não armada. Não aprovamos, não acreditamos que a solução é militar e por via das armas. Se tem alguém que defende esse pensamento, está bem, mas nós, como Autoridade Palestina, como Estado da Palestina, como OLP, acreditamos que esse processo tem que ser resolvido baseado no direito internacional, na negociação e no respeito mútuo, algo que não está acontecendo, lamentavelmente. Israel e este último governo são os únicos responsáveis por seguir esse derramamento de sangue. 

CC: Quais medidas do governo de Israel são apontadas pela Autoridade Palestina como responsáveis para a escalada do conflito?

IA: Em primeiro lugar, em 1948, quando proclamam a criação do Estado de Israel, tomam territórios que não lhes pertencem. Segundo as Nações Unidas, eram 56% [do antigo território palestino]. O Estado foi criado com 78%. Dois: Israel praticou limpeza étnica. Israel destruiu mais de 560 aldeias e povoados, exatamente como está acontecendo agora em Gaza. Eles expulsaram, pela força militar, os palestinos de seu território, submetendo o povo palestino como refugiados. Para conseguir expulsar os palestinos, eles cometeram mais de 57 massacres. Entravam nos povoados, bombardeavam, matavam, independentemente se eram crianças, idosos, mulheres. E eles conseguiram, pela força e pelo terrorismo, expulsar os palestinos.

Em qualquer momento, pode-se instalar uma guerra que ultrapassa a região

Naquele tempo, entre 1948 e 1949, 88% dos palestinos já foram expulsos e condenados a viver como refugiados. Esse processo se deu negando o retorno dos refugiados. Segundo as Nações Unidas, aqueles refugiados que saíram naquele tempo deveriam ter regressado às suas casas. Claro, Israel destruiu essas casas e tem impedido o retorno dos refugiados até o momento. Agora, se você me pergunta quantos palestinos somos, nós somos 14 milhões. Sete milhões são refugiados.

Em 1956, houve massacres contra a população Palestina. Posteriormente, perseguição dos líderes. A OLP foi perseguida. Em 1993, ambas as partes chegaram à conclusão de que esse ciclo de violência não iria acabar e assinamos os Acordos de Oslo. Mas os governos de Israel não querem a paz, não querem reconhecer os direitos do povo palestino. Posteriormente, aumentaram as colônias no território palestino, com massacre atrás de massacre, até chegar a este episódio que estamos vivendo hoje. Eles não somente mataram palestinos. Eles mataram o processo de paz.

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel. Foto: Ronaldo Schemidt/AFP

CC: Como está o diálogo com as autoridades brasileiras?

IA: Estamos em contato com o governo brasileiro. Evidentemente que eu, fisicamente, não estou. O conselho de embaixadores árabes esteve anteontem com a secretária-geral que ocupava o cargo de ministra interina. E foi explicada a situação à secretária. O Brasil entende perfeitamente a situação e está advogando sempre pelo fim do conflito, pela criação de dois Estados, porque um Estado foi criado conforme resolução das Nações Unidas e impede a criação do outro. Inclusive, posso saudar o povo do Brasil, que sempre foi solidário e defensor da paz.

CC: Qual a avaliação do senhor em relação à declaração do presidente Lula sobre ter ficado “chocado com ataques terroristas” contra civis em Israel?

IA: Bom, o Brasil é um país soberano, e o presidente, eleito.

CC: O que o senhor vê como principal impedimento para a criação de um corredor humanitário? E como vê a postura do Egito nessas negociações?

IA: O Egito está disposto não somente a abrir um corredor humanitário. O Egito está disposto a ajudar em muitas outras coisas para por fim a esse conflito. Claro, o corredor humanitário é paliativo. O que é preciso é por fim aos bombardeios, e estou falando de ambos os lados. Especialmente, por fim a esta aventura que o exército de Israel está fazendo.

Se eles invadem fisicamente por terra o território palestino, estamos frente a um extermínio. Gaza não é Hamas, Gaza é o povo palestino que tem 2,2 milhões de civis. Mais da metade das vítimas é de crianças e mulheres. Há famílias inteiras soterradas. Estamos em uma catástrofe humanitária, sanitária e ambiental, porque há muitos escombros com vítimas dentro. Há pessoas mandando mensagens, sentindo cheiro de corpos em decomposição. É uma tragédia. Tem que parar o bombardeio para respirarmos e pensarmos qual será o próximo passo.

Bombardeio de Israel sobre Gaza em 10 de outubro de 2023. Foto: Mahmud Hams/AFP

CC: O senhor tem acompanhado a situação dos brasileiros que estão na Faixa de Gaza? 

IA: Eles estão aguardando o bombardeio parar para poderem seguir. Ônibus já foram disponibilizados pela embaixada brasileira na Palestina, e os egípcios estão dispostos a abrir as fronteiras. Esta é a informação que a gente recebeu. Esperamos que saiam ilesos e que não haja mais nenhuma vítima, seja brasileira, americana, quem for, porque os civis não têm culpa para pagar por essa tragédia.

CC: Qual o tamanho do conflito atual diante da história?

IA: O tamanho é de incalculáveis perigos. Em primeiro lugar, obviamente, uma entrada terrestre por parte do exército de Israel compromete fisicamente a vida de 2,2 milhões de habitantes, dos quais sete mil já foram feridos e mais de 1.550 estão mortos. Além disso, compromete a paz regional, porque o temor é de que isso se espalhe e ultrapasse as fronteiras. Essa área vive uma instabilidade que, em qualquer momento, pode instalar uma guerra que ultrapasse a região. Os Estados Unidos estão entrando com porta-aviões, armas, munições, ameaças. É um perigo iminente. Será a pior tragédia contemporânea.

Gaza não é Hamas, Gaza é o povo palestino

CC: Como o senhor tem visto a posição das Nações Unidas?

IA: As Nações Unidas têm alta responsabilidade, só que são um tigre sem dentes. Quem tem que colocar fim a esta guerra são os membros permanentes do Conselho de Segurança. Eles têm que usar o capítulo 7 da Carta Magna. Têm que por fim, se não pela boa, pela má. O mundo tem que intervir, parar esta chacina e fazer com que o direito internacional seja respeitado.

CC: Há algum diálogo da Autoridade Palestina com o Hamas para colaborar com a solução do conflito?

IA: É hora de falar com todo mundo para por fim neste conflito. Nós estamos na melhor disposição para bater em qualquer porta no mundo, não somente aqui no território e na região, para salvar o que dá para salvar na Faixa de Gaza. O nosso povo é que está pagando o preço.

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