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A nova tentativa de Milei para ampliar os poderes do governo na Argentina

Projeto de ‘lei Ómnibus’ é a principal aposta de Milei para governar sem necessidade de aval do Congresso; texto sofreu derrota em fevereiro, foi reduzido e terá nova votação nesta segunda-feira

Milei, presidente da Argentina. Foto: World Economic Forum/Ciaran McCrickard
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O Congresso da Argentina começa a votar, nesta segunda-feira 29, a Lei de Bases do governo Javier Milei. O projeto, também conhecido como ‘lei Ómnibus‘, é o principal pacote de medidas do governo do libertário, e vem sendo reduzido desde o início do mandato.

A ideia básica do projeto é ampliar os poderes do Executivo, permitindo a Milei legislar sobre temas econômicos, financeiros e administrativos sob condição de emergência, o que dispensaria a chancela do Congresso em vários pontos.

O texto original da ‘lei Ómnibus’ continha quase 700 artigos e previa, por exemplo, a privatização de quarenta estatais argentinas. Entre elas, estava o Banco Nación, o principal do país.

O texto chegou a ser votado em fevereiro depois de três dias de discussões no Legislativo e confrontos entre manifestante contrários ao projeto e policiais.  O projeto, naquela ocasião, recebeu uma aprovação geral, mas, assim que os parlamentares foram analisar cada artigo específico, o governo recuou da votação, dado o cenário de provável derrota.

Agora, o projeto retorna menor: são 232 artigos. Boa parte deles diz respeito a uma nova roupagem fiscal na Argentina, o que poderá afetar a base de cálculo do Impuesto a Las Ganancias (o Imposto de Renda argentino) e da tributação sobre pequenos negócios.

Os principais pontos do novo projeto de Milei

Como mencionado, o projeto pretende declarar um estado de emergência pública no país vizinho, em matéria administrativa, financeira, econômica e energética. 

Essa emergência, cuja duração seria de um ano, liberaria o governo para fazer valer leis específicas sem votação no Parlamento.

1) Privatizações

O projeto também trata de privatizações na Argentina. Do total de empresas que poderiam ser privatizadas, inicialmente, o número caiu para dezoito.

Isso inclui companhias como a Aerolínes Argentinas, a Radio y Televisión Argentina e a Energía Argentina, referentes a três setores importantes da atividade econômica do país.

Duas outras empresas, que hoje são totalmente estatais, passariam a ser companhias mistas: a Nucleoeléctrica Argentina Sociedad Anónima, conhecida como NASA, e a Yacimientos Carboníferos Rio Rurbio, conhecida pela sigla YCTR. Nesses casos, o controle do Estado seria mantido.

As privatizações, porém, não seriam imediatas. O processo seria controlado por uma comissão especial de privatizações do Congresso, que atuaria com base em uma auditoria do próprio governo argentino.

2) Reforma administrativa

O projeto também prevê que o governo tenha poder para dissolver total ou parcialmente certos órgãos do estado. Essa é uma das marcas dos primeiros meses do governo Milei, que, mesmo sem acabar completamente com eixos do Estado argentino, vem promovendo demissões em massa.

Entretanto, a oposição conseguiu estabelecer uma lista de órgãos que não poderiam ter as suas estruturas modificadas: o Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET), um dos mais importantes para o desenvolvimento científico do país, é um deles.

3) O lado fiscal

As privatizações seriam fontes de recursos para o Estado argentino, o que é demandado pelo governo Milei por um motivo básico: a gestão do libertário busca acabar com o histórico de déficit fiscal no país.

Entretanto, essa não seria a única fonte de recursos prevista no projeto. Ele também estabelece mudanças no imposto de renda argentino. 

Atualmente, por exemplo, o imposto básico sobre a renda começa a ser pago quando alguém recebe a partir de 1,8 milhão de pesos mensais (pouco mais de R$ 10 mil, conforme cotação oficial). 

O governo pretendia, inicialmente, que o reajuste sobre o piso fosse anual, mas teve que ceder à oposição. Assim, caso o projeto seja aprovado, o reajuste seria trimestral a partir do segundo semestre, tomando como base a inflação. A partir do ano que vem, o reajuste seria semestral.

4) Reforma trabalhista

O projeto é amplo não apenas no número de artigos, mas na diversidade de áreas em que toca. Uma delas é a trabalhista

O texto original determinava que qualquer trabalhador que protestasse ou bloqueasse o acesso à empresa empregadora poderia ser demitido por justa causa. Essa redação foi eliminada, dada a pressão da oposição e dos sindicatos.

Entretanto, ainda prevaleceu a versão que diz que que os funcionários públicos que se ausentarem do trabalho para protestar poderão ter os seus salários descontados.

Outro ponto importante tem a ver com a tentativa do governo Milei de inviabilizar a atividade sindical na Argentina. São essas organizações – como a CGT, por exemplo – que, tradicionalmente, convocam os protestos e fazem paralisações gerais. Para o próximo dia 9 de  maio, por exemplo, a CGT já convocou a segunda paralisação geral contra o governo Milei.

No texto, está previsto que sindicatos ligados ao setor público não vão poder descontar parte dos rendimentos de trabalhadores que não são filiados. Sindicatos dessa natureza costumam ser alguns dos principais atores políticos do país vizinho, e sempre estão presentes em protestos contra o governo Milei.

Há, ainda, mudanças mais ligadas ao dia a dia comum do trabalhador argentino. O texto estabelece, por exemplo, uma ampliação no período de experiência de um funcionário. Atualmente, ele é de três meses. Para empresas com mais de cem trabalhadores, o período subiria para seis meses. Nos demais casos, poderia chegar a nove.

Por fim, no que se refere ao aspecto trabalhista, o projeto pretende isentar as empresas do setor privado de multa, nos casos em que mantenham trabalhadores sem registro.

A votação do projeto de base de Milei

O clima político sobre a aprovação ou não do projeto é de incerteza. Nesta segunda-feira, foi montado um forte esquema policial nos arredores do Congresso, na capital, Buenos Aires. O local, geralmente, é palco das manifestações.

Organizações sociais, sindicatos e siglas mais à esquerda no país já convocaram protestos para hoje. 

Do ponto de vista da votação, a sessão deverá seguir pelos próximos dias. O governo está mais confiante de que a nova versão será aprovada, mas isso exigirá ainda mais negociação, especialmente, com duas alas políticas: a oposição mais aberta a dialogar com o governo e os parlamentares de centro que não apoiam totalmente a redação ofertada. 

Assim como em fevereiro, haverá duas votações: a primeira será o texto geral; caso haja aprovação, haverá votação de cada um dos artigos. Se o projeto de ‘lei Ómnibus’ for aprovado na Câmara – onde está, atualmente -, deverá seguir para o Senado.

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