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“É impossível se acostumar a morte e violência”

Fotojornalista no Oriente Médio há mais de 30 anos foi escolhida a vencedora do Prêmio Anja Niedringhaus

Heidi Levine em ação em Jerusalém
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Por Silke Bartlick

A americana Heidi Levine recebeu o primeiro Prêmio Anja Niedringhaus pela coragem no fotojornalismo. A premiação foi criada pela International Women’s Media Foundation, baseada em Washington, em memória à fotógrafa alemã da AP Anja Niedringhaus, que morreu em 2014 enquanto trabalhava no Afeganistão.

Baseada em Jerusalém há mais de 30 anos, Levine cobriu, além do conflito entre israelenses e palestinos, as revoluções no Egito, na Síria e na Líbia assim como a atuação de militares americanas estacionadas no Iraque.

Em entrevista à DW, ela se diz honrada com o prêmio que acaba de receber e que quer continuar mostrando o lado humano da guerra em suas fotografias. “Tento encontrar imagens por trás do conflito e mostrar as pessoas que são afetadas por ele.”

Mãe de três filhos, ela diz que, com o tempo, em vez de se acostumar com mortes, ferimentos e violência, ficou mais sensível a esses temas.

DW: Você começou sua carreira como repórter de guerra em Israel em 1983 e, a princípio, planejava ficar só um ano. Mais de 30 anos depois, você ainda vive em Jerusalém. Cobrir o conflito no Oriente Médio tornou-se uma missão de vida?

Heidi Levine: Sim, acredito que sim, apesar de eu ter coberto e ainda cobrir outras regiões. Mas o conflito no Oriente Médio determinou minha vida profissional. Tudo começou com uma vaga na agência Associated Press em Israel, que deveria durar apenas um ano. Mas no mesmo período, me tornei mãe. Eu estava no começo da carreira, mesmo assim, conseguia documentar a guerra e voltar para casa pontualmente para o jantar. Não é fácil desempenhar esse trabalho e ter uma família ao mesmo tempo.

DW: Seu trabalho como fotógrafa de guerra é muito perigoso. Por que você se manteve fiel a ele?

HL: Acho que sou boa no que faço. É verdade que guerra não é o único tema que cubro, mas de alguma maneira meus temas sempre estão ligados a guerra ou conflito. As fotos não são tiradas sempre na linha de frente. Também tento encontrar imagens por trás do conflito e mostrar as pessoas que são afetadas por ele.

Quero mostrar os custos humanos do conflito. No passado, era possível alegar não saber de nada. Hoje não dá mais para dizer isso. Quero que minhas fotos provoquem uma reação e que algo mude através delas.

DW: Como você lida com morte, ferimentos e violência?

HL: É impossível se acostumar com isso. Pelo contrário, acho que minhas experiências me deixaram mais sensível em relação a esses temas. Somos todos seres humanos. Já larguei minha câmera para consolar alguém que tinha acabado de perder um familiar ou para consolar uma criança que trazida para o hospital, separada da família. Afinal, também sou mãe.

Foto - Gaza Hidya Atash observa a destruição provocada por ataques israelenses em Shujayea, na Faixa de Gaza, em agosto de 2014. Levine fotografou o último conflito na região (Foto: Heidi Levine/The National/Sipa Press/IWMF)

DW: Você acredita numa coexistência pacífica entre palestinos e israelenses?

HL: Espero que um dia isso aconteça. As pessoas me perguntam: “Você não tem medo com três filhos?” A verdade é que frequentemente levo meus filhos comigo para o trabalho, porque eles acreditam no que faço. Gostaria muito que a geração deles vivesse em paz.

DW: Como você conseguiu conciliar o papel de mãe com a carga da profissão?

HL: Definitivamente não é fácil. É preciso aprender a fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Sei que muitas vezes meus filhos pensaram que o conflito lhes havia roubado a mãe e talvez eles tenham razão. Muitas vezes não fui a melhor mãe do mundo. E por vezes também não agi de acordo com meus ideais como fotógrafa. É preciso chegar a um meio-termo. Também meus colegas homens precisam fazer isso. Conheço muitos pais que enfrentam os mesmos desafios.

DW: Você é a primeira vencedora do Prêmio Anja Niedringhaus pela coragem no fotojornalismo. O que este prêmio significa para você?

HL: É muito emocionante. Anja não era somente uma colega de profissão, ela era uma amiga. Ela não era apenas uma grande fotógrafa, era simplesmente uma grande mulher. Ela ajudou muita gente. Uma semelhança com ela é que também comecei minha carreira na AP. E o nome de sua mãe também era Heidi. Uma vez Anja me disse que eu ocupava um lugar especial no coração dela por causa disso. O prêmio é uma grande honra, mas eu gostaria de poder trocá-lo pela vida de Anja, para tê-la aqui conosco de novo.

DW: Quais são seus planos para o futuro?

HL: Estou trabalhando num projeto pessoal. A ideia é documentar o processo de superação, as consequências da guerra e a força das pessoas, sua resistência – que, depois de 30 anos, ainda me surpreende. Quero continuar fotografando, mas também comecei a dar aulas. Para mim é importante dividir minhas experiências com pessoas que querem seguir o mesmo caminho que eu.


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