Mundo

Cresce número de imigrantes brasileiros com covid-19 presos nos EUA

Em condições desumanas, as detenções americanas já foram alvo de diversas denúncias por órgãos de fiscalização

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Foto: SAUL LOEB/AFP
Apoie Siga-nos no

*Por Paula Moura, correspondente da RFI em Nova York

Há três meses, Laís, 48, passa seus dias em uma espera que parece não ter fim. Seu marido Fábio, 47, foi preso pela imigração nos Estados Unidos e foi levado para um centro de detenção em Nova Jersey, estado próximo a Nova York, epicentro da epidemia de coronavírus no país.

Ele começou a apresentar sintomas da covid-19 e ficou dez dias sem ligar para a esposa. “Era uma cela em que 40 homens estavam presos. Depois que ele ficou muito mal e desmaiou, o levaram para uma cela com cinco detentos. Disseram que ele tinha 99% de chances de ter o vírus”, conta Laís*, indignada com a demora do teste que ela pedia com insistência às autoridades.

“Ele ficou isolado porque tinha muita febre. Não tinha máscara, não tinha nada. Todos que tinham febre rasgavam a camisa, cortavam, molhavam e botavam na testa. E a meia colocavam na boca e no nariz para se proteger.” Laís está de mudança, pois com o fim da renda do marido, que trabalhava na construção civil, e após ter perdido o emprego em uma padaria devido à pandemia, vai entregar o apartamento em que moravam há dois anos. Mas alguns pertences do marido ela ainda não conseguiu mudar de lugar, pois fica lembrando de Fábio.

“Eu tenho a garrafa de café dele, que ele fazia todo dia, quando acordava às 4:30 para sair às 5 da manhã. A bota dele que ainda tá na escada até hoje,” diz. O gato que ficava na cozinha com Fábio* todas as manhãs, enquanto ele fazia café, agora olha pela janela quando escuta o barulho de uma van como a que o dono dirigia.

O imigrante brasileiro está entre os 986 contaminados em detenções de imigração, segundo dados divulgados pela Agência de Controle de Imigração e Fronteiras (ICE) no dia 9 de maio. Mas o número pode ser muito maior, pois apenas 2.045 foram testados, ou seja 7,3% dos 27.908 detidos.

No dia 6 de maio, o imigrante salvadorenho Carlos Ernesto Escobar Mejia, 57, morreu por covid-19 em Otay Mesa, um centro de detenção de imigração em San Diego, Califórnia. Os Estados Unidos continuam sendo o país com mais casos da doença: 1,5 milhão e quase 90 mil mortes, de acordo com Centros de Controle de Doenças (CDC).

“Se alguém tem uma condição frágil de saúde preexistente, pode ser como uma sentença de morte”, diz Maxine Margolis, professora emérita da Universidade da Flórida. Advogados e organizações de direitos humanos entraram com diversas ações na justiça.

Em uma delas, um médico comenta não acreditar que seria possível para os detentos se protegerem do vírus por causa “da falta de pias privativas, chuveiros e fornecimento inadequado de sabonete, álcool”, além da dificuldade de distanciamento social, triagem de sintomas, teste das pessoas com sintomas e falta de locais adequados para quarentena e isolamento.”

As condições nas detenções de imigração já foram alvo de diversas denúncias pelos órgãos de fiscalização do próprio governo. Muitas estruturas de detenção são terceirizadas, como as que acolhem os brasileiros. Antes do coronavírus, houve casos de imigrantes presos na fronteira com o México que morreram por falta de cuidados médicos.

Coronavírus piorou condições

“O coronavírus só piorou as condições,” diz Margolis. Outro brasileiro em Nova Jersey chegou a ligar para a mãe dizendo que estava tossindo sangue após contrair Covid-19, segundo reportagem na imprensa americana. Ele já tinha  problemas de saúde e a família pediu para não ser identificada.

Apesar das denúncias de falta de condições sanitárias, a agência de imigração diz que está cumprindo as diretrizes do CDC para covid-19, como por exemplo, isolando pessoas contaminadas. O ICE também vem reduzindo o número de detentos. Em 21 de março eram 38.058, um número pouco diferente do mês de fevereiro. Em 9 de maio, registrou 27.908.

Mas ainda não é o suficiente, diz Sarah Pierce, pesquisadora do Migration Policy Institute. “Sabemos que muitos detentos não são ameaça pública e não existe nenhuma lei dizendo que o governo deveria prendê-los. O governo está escolhendo mantê-los detidos apesar dessa ameaça real à saúde pública.” Ela lembra que esses centros de detenção já tiveram surtos de sarampo, varíola e gripe.

Advogados, ativistas e pesquisadores e senadores da banca hispânica têm defendido que pessoas sem condenação criminal sejam soltas. Nos EUA, infrações de imigração são causas civis, não criminais, e as detenções deveriam, em vez de punir, servir como local de espera. Imigrantes com histórico criminal representavam 39% em 21 de março e agora, com a liberação de parte da população carcerária, o índice subiu para 47%.

Os impactos da política vão além do tratamento ao covid-19 dentro das detenções de imigração. Laís está recebendo doações da comunidade brasileira para as necessidades básicas. Além disso, conta que precisa enviar dinheiro para o marido fazer ligações e ter a acesso a comidas um pouco melhores na detenção, pois não conseguia comer o que era oferecido.

“Miojo era luxo”

“Quando vinha o miojo era um luxo”, conta. “Quando vinha uma banana ou uma maçã que estava boa eles agradeciam porque a fruta também não chega boa. Para mim isso não é vida de um preso. Pelo menos no Brasil a gente pode levar alimentação.”

Alguns brasileiros chegaram a ser libertados no estado de Massachusetts. Um deles saiu com tornozeleira eletrônica em abril e deixou a detenção usando uma máscara. A mãe do imigrante, também de máscara, foi buscá-lo e o abraçou usando um lençol porque estava com medo por já ter problemas de saúde.

Outros detentos têm sido deportados e levado o coronavírus a outros países, como mostram matérias recentes sobre casos no México e no Haiti. Pierce diz que é uma grande ironia que a primeira reação do governo Trump foi impedir as viagens de pessoas dos países com surto de coronavírus.

Mas, agora que os Estados Unidos se tornaram o epicentro, o país continua deportando imigrantes sem documentos. No ano fiscal 2020, a agência deportou 1.438 brasileiros até o início de abril. O ano fiscal inicia em outubro e termina em setembro. No ano fiscal 2019, foram 1.770, um aumento de 4% em relação aos 1.691 em 2018.

Temida por muitos, a deportação tem sido a luz no fim do túnel na opinião da brasileira Laís, cujo marido continua detido. Ela quer que Fábio, depois de mais de 15 anos vivendo nos EUA, autorize sua deportação para voltarem ao Brasil. “Nenhum brasileiro precisa passar por isso, por essa humilhação simplesmente por uma carta de deportação. Quando for preso, que assine logo e vá para o seu país, porque não vale a pena. Eles passam por muitas coisas lá dentro.”

*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo