Diversidade

Contra desigualdade, libanesas cortam cabelo em frente a Banco Central

Manifestantes protestam contra a corrupção e a incompetência da classe política, além da deterioração das condições de vida no Líbano

Rebecca corta o cabelo em frente ao Banco Central de Beirute, em protesto. "Não pagaremos o preço", proclama uma faixa atrás do barbeiro - Foto: Joseph Eid/AFP
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Mais de 40 dias após o início da insurreição popular sem precedentes que sacode o Líbano, os manifestantes se apoiam na inventividade para impedir que a mobilização popular fique sem força. Centenas de libaneses vão agora ‘cortar o cabelo’ em frente ao Banco Central da capital Beirute, num trocadilho político com a palavra ‘haircut’, cujo duplo sentido exige impostos sobre a renda dos mais ricos.

“Estamos aqui para mostrar a eles como é um bom ‘haircut’”, brinca Rebecca Saade, que veio cortar o cabelo na frente da instituição financeira, na capital libanesa. Denunciando a corrupção e a incompetência da classe política, mas também a deterioração das condições de vida, centenas de milhares de libaneses marcham nas ruas do país desde o dia 17 de outubro.

Tesoura na mão, o barbeiro libanês está prestes a cortar uma mecha de cabelo castanho molhado de Rebecca. “Não pagaremos o preço”, proclama uma faixa atrás dele. “Esse ‘haircut’ deve atacar os principais agentes financeiros que se beneficiaram até agora da corrupção”, rebela-se a jovem. Ao seu redor, dezenas de homens e mulheres ostentam bandeiras libanesas, com rostos às vezes cobertos de máscaras com a imagem do chefe do Banco Central, Riad Salamé.

Fuga de capitais

Os manifestantes querem uma ação rápida para mudar a economia – mas se recusam a deixar os pobres pagarem o preço, em um país onde um terço da população vive abaixo da linha da pobreza, segundo o Banco Mundial. “Durante as primeiras semanas de protestos, eles deixaram as maiores fortunas sacarem todo o seu capital”, insiste Saade.

Entre 15 de outubro e 7 de novembro, quando os bancos foram fechados, cerca de US$ 800 milhões teriam deixado o Líbano em silêncio, segundo um relatório econômico preparado por especialistas e publicado pelo think tank Carnegie Middle East, que explica essa fuga por medo de colapso financeiro.

O fato irrita profundamente o libanês médio, que enfrenta desde setembro as restrições cada vez mais severas à retirada de dólares nos bancos, com a taxa oficial de 1,507 libras libanesas a um dólar. Em resposta, em um país onde o dólar é comumente utilizado em qualquer tipo de transação diária, seu valor explodiu nas agências de câmbio – excedendo as 2.000 libras por um dólar.

Nesta quarta-feira 27, o presidente do parlamento, Nabih Berri, pediu para “repatriar o dinheiro de bancos enviados ao exterior”, segundo a agência de notícias oficial ANI.

Economia em queda livre

“É a crise econômica que nos levou a fazer a revolução”, diz Racha, uma estudante de 24 anos, saboreando seu primeiro café da manhã depois de passar a noite em uma barraca em frente ao Banco Central. O Líbano é marcado por importantes desigualdades sociais.

Se 1% dos libaneses mais ricos controla 25% da renda nacional, os 50% mais pobres recebem menos de 10%, de acordo com o World Inequality Database, que possui um banco de dados sobre desigualdades no mundo.

Os manifestantes libaneses obtiveram sua primeira vitória com a renúncia em 29 de outubro do primeiro-ministro Saad Hariri. Mas o Líbano ainda possui um governo composto exclusivamente por tecnocratas e independentes, sem relação com o campo político nacional. Os especialistas tendem a favorecer um governo híbrido, combinando tecnocratas e representantes dos principais partidos políticos. “Agora realmente precisamos de alguém cuja especialidade seja economia”, diz Racha.

O nome de um candidato em potencial para o cargo de primeiro-ministro circula na imprensa: o empresário e engenheiro Samir Khateeb. Como muitos libaneses, a estudante nunca ouviu falar dele.

Para Maha Yahya, à frente do think tank Carnegie Middle East, “a economia está em queda livre”. Para gerenciar uma situação desastrosa, o novo governo também terá que “fechar a lacuna de confiança destruída da comunidade internacional, mas principalmente da confiança das ruas”.

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