Justiça

Brasil ignora acordo internacional que freia o assassinato de ativistas ambientais 

Apesar de ter assinado o Acordo de Escazú em 2018, o governo Bolsonaro ainda não o validou no Congresso

Foto: Reprodução/Redes Sociais
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Apesar de o Brasil ser considerado o quarto país no mundo que mais mata ambientalistas, o governo ainda ignora o Acordo de Escazú, primeiro tratado mundial a versar sobre a proteção dos direitos dos defensores do meio ambiente.

Apesar de ter assinado o tratado em setembro de 2018, o Brasil ainda não o validou no Congresso e, portanto, não pode votar, receber denúncias sobre crimes contra os direitos humanos, nem receber apoio para a proteção de defensores ambientais. O pacto também estabelece os parâmetros para a participação social, acesso à informação e à Justiça em questões ambientais em países da América Latina e do Caribe.

No ano de 2020, o Brasil somou 20 assassinatos de ambientalistas, ficando atrás apenas da Colômbia (65 mortes), México (30) e Filipinas (29). Entre 2015 e 2019, um levantamento do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos contabilizou a morte de 174 ativistas brasileiros dos direitos humanos.

Com base nestes tristes números, a ONG considera, desde 2020, a América Latina e o Caribe as regiões mais perigosas do mundo para defender os direitos humanos, a terra ou o meio ambiente.

Os maiores alvos de crimes ambientais no Brasil são os povos indígenas. Dois casos recentes que geraram bastante indignação foram a morte do líder indígena Paulo Paulino Guajajara, em 2019, e as ameaças de morte contra o Cacique Babau, líder dos Tupinambá de Olivença, no ano passado. Nenhuma investigação foi aberta.

Para Shirley Krenak, ativista indígena, a situação se mostra especialmente perigosa para mulheres indígenas na linha de frente da luta climática. “São muitas ameaças e muitos crimes nos territórios, a nível ideológico por grupos religiosos, e abusos por garimpeiros. Sofremos várias discriminações e temos medo de ser assassinadas.”

Por isso, existe uma grande expectativa sobre a primeira COP de Escazú, que acontece em Santiago, Chile, entre os dias 20 a 22 de abril deste ano. A advogada ambiental Marina Marçal, porém, considera pequena esta possibilidade – provavelmente, o País sequer terá representantes políticos no evento.

O Brasil está participando como país observador da primeira Conferência das Partes, segundo o Itamaraty. A chancelaria, porém, não especificou quem é o representante do governo nem o seu cargo.

“Nem o governo atual nem o Congresso apoiam o Acordo de Escazú. O Brasil vai para o quarto ano sem ratificá-lo, e não acredito que validará no último ano do governo Bolsonaro”, avalia. “Mas, a partir de 2023, a realidade política pode ser diferente.”

Rubens Born, advogado e engenheiro ambiental, também vê esperanças, desde que o País queira de fato recuperar sua imagem. “Nos próximos quatro anos, em algum momento o Brasil recuperará uma série de políticas ambientais e humanitárias.”

Porque o governo ainda não validou o acordo?

A não-validação do Acordo de Escazú por parte do governo brasileiro já foi tema internacional. Em 2019, um grupo de quase 20 órgãos e relatores da ONU enviou uma carta ao governo brasileiro, pressionando a gestão de Jair Bolsonaro a ratificar o acordo.

Em março do ano passado, o então deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, requereu informações ao atual ministro de Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, sobre o Acordo de Escazú. Em resposta, o ministro afirmou que o pacto cria insegurança jurídica, porque pode afetar a soberania do país, criando sanções contra o governo brasileiro.

Para Rubens Born, este argumento é equivocado e de ordem política e ideológica. “Isso revela absoluta ignorância sobre o Acordo, o artigo 18, parágrafo 2, fala que ‘o comitê de apoio tem caráter consultivo, transparente, não contencioso, não judicial e não punitivo’”, explica. “O discurso do governo mostra o desinteresse em relação aos direitos à informação, participação da sociedade e aos direitos humanos e ambientais.”. 

Os 24 países convocados a participar do Acordo de Escazú têm a opção de assinar o documento e depois ratificá-lo no Congresso. O acordo já foi validado pelos parlamentares de 12 deles: Argentina, México, Antígua e Barbuda, Bolívia, Equador, Guiana, Nicarágua, Panamá, São Beijo e Nevis, São Vicente e Granadinas, Santa Lúcia e Uruguai. O Chile, com o atual presidente, Gabriel Boric, deve confirmar a adesão ainda neste ano.

Este trabalho foi produzido no marco do projeto sobre a COP1 do Acuerdo de Escazú de Climate Tracker e FES Transformación.

 

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