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Argentina: carreira de Milei como deputado tem quase 50% de faltas e nenhum projeto de lei apresentado

Ultralibertário pretende redefinir o papel do Estado argentino, mas, desde 2021, não tratou do tema em Comissões, nem apresentou propostas para a economia

Milei foi eleito deputado em 2021 e lidera as pesquisas de intenção de voto na Argentina. Foto: LUIS ROBAYO / AFP
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Favorito a se tornar o próximo presidente da Argentina, como indicam as mais recentes pesquisas de intenção de voto no país, Javier Milei, o ultralibertário que promete dolarizar a economia e reduzir a patamares mínimos o papel do Estado na sociedade argentina, não apresentou nenhum projeto de lei ao longo de quase dois anos como deputado.

No jogo de cartas da política argentina atual – o primeiro turno das eleições está marcado para acontecer no próximo dia 22 de agosto -, Milei, de fato, corresponde à alcunha pela qual vem sendo tratado: outsider. O economista de formação assumiu o cargo de deputado apenas em dezembro de 2021. Antes disso, era tornando figura habitual em programas televisivos.

À época da eleição para o parlamento, a sua coalizão, “La Libertad Avanza”, obteve cinco cadeiras na Câmara. Na província de Buenos Aires, por exemplo, a sigla alcançou 310 mil votos (17% do total). Já naquela altura, Milei afirmou que pretendia se candidatar à presidência Argentina e chegou a dizer que, poucos anos depois de eleito presidente, transformaria o país em uma das cinco principais economias do mundo.

Depois de preparar o terreno para a candidatura presidencial, a atividade legislativa de Milei foi mínima, quase nula, mesmo para padrões baixos de produtividade. A despeito dos discursos inflamados, Milei, como mencionado, não deu início a nenhum projeto de lei de sua autoria. A inação, aliás, é confirmada pela própria equipe de assessores de Milei, que, recentemente, declarou ao jornal argentino Clarín que não possuía informações sobre a atividade do parlamentar. 

O que o aspirante à Casa Rosada (não) fez em quase dois anos de parlamento

A despeito da ausência de projetos, Milei dedicou os meses como parlamentar ao acompanhamento de projetos de outros legisladores. A assinatura de Milei esteve presente em trinta projetos de outros deputados. 

Sua primeira ação concreta na Câmara foi em dezembro de 2021, quando assinou, ao lado de outros parlamentares, uma declaração de repúdio pela comemoração, na Casa, do aniversário da lei que descriminalizou o aborto na Argentina.

Ao longo de quase dois anos, a maioria das participações de Milei nas atividades legislativas aconteceu por meio de pedidos protocolares de informação. Em agosto de 2022, por exemplo, o ultralibertário assinou, também ao lado de outros parlamentares, um pedido de informação ao Poder Executivo sobre a decisão, tomada pela Administração de Parques nacionais, de declarar como “sítio sagrado” do Povo Mapuche o vulcão Lanin, que fica na fronteira entre a Argentina e o Chile.

Adiante, em novembro do ano passado, ele pediu informações ao governo argentino sobre a compra – não concretizada – de um avião para a frota presidencial. Este ano, decidido a se lançar presidente, Milei assinou, acompanhado, menos de dez. Uma delas exigia que o presidente da Colômbia, Nicolás Maduro, e Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, fossem declaradas “persona non grata“.

Nenhuma medida legislativa assinada por Milei, por exemplo, enfrenta os problemas econômicos denunciados por ele na campanha presidencial. Não há, por exemplo, propostas de reforma no Banco Central – que Milei promete extinguir – ou contribuições ao debate sobre a reserva de dólar na Argentina – um fator basilar para uma eventual dolarização completa.

Recentemente, Milei votou a favor de um projeto apresentado pelo seu concorrente no pleito presidencial, Sergio Massa, que busca aliviar a carga tributária sobre trabalhadores argentinos que recebem salários mais baixos. O alinhamento entre os dois na questão foi criticado pela outra principal presidenciável, Patricia Bullrich. Nesta quinta-feira 21, a candidata macrista afirmou que existe uma “ingenuidade por parte de Milei” ao concordar com Massa, pelo fato do libertário ser “uma pessoa que não tem equipe e que não tem com o quê governar a Argentina”.

Milei não participa de nenhuma Comissão

Os dados oficiais sobre participações e ausências nas sessões da Câmara da Argentina contam a favor e contra, ao mesmo tempo, Milei. 

Desconsiderando os trabalhos prévios em gabinete, e focando apenas nas sessões ordinárias, o libertário teve, desde 2021, uma taxa de comparecimento de 87,5%. Assistiu 3 das 3 sessões em 2021, 12 das 14 em 2022, e 6 das 7 em 2023.

Por outro lado, nas sessões deliberativas sobre projetos de lei, Milei esteve ausente em 51 das 118 reuniões realizadas no período. Costumeiramente, esse tipo de sessão é a que se dedica à votação e, na prática, acaba sendo o que importa na atividade parlamentar. Com um índice de ausência de 43,22%, o político que mais se aproxima, atualmente, da presidência do país faltou a quase metade das votações.

Ele esteve presente, porém, na sessão que se dedicou à votação do projeto de lei que tinha como objetivo fortalecer o diagnóstico e a prevenção das cardiopatias congênitas no primeiro ano de vida dos bebês argentinos. Milei e a sua candidata à vice, Victoria Villarruel, votaram contra o projeto, por considerarem que a ação de saúde pública significava “uma presença maior do Estado”.

Para fazer parte de uma Comissão na Câmara argentina, é preciso que um parlamentar integre uma composição partidária ampla. Como La Libertad Avanza conta com um número inexpressivo de legisladores, Milei não pode participar das comissões. O que não o impede, porém, de se manifestar nas reuniões. Embora não tenha direito a voto, ele – como qualquer outro parlamentar do país – tem direito a voz.

Segundo informações do jornal Clarín, parlamentares de diferentes correntes políticas afirmaram que, desde dezembro de 2021, Milei não se manifestou em comissões que discutem temas centrais da sua plataforma de campanha presidencial. 

Não há registros, por exemplo, de intervenções de Milei no colegiado que discute o Orçamento argentino, nem nas comissões que debatem a Lei de Locações, tampouco no grupo que avalia as atividades ministeriais. Apesar das críticas de Milei à “casta” política em programas televisivos, nos atos de campanha e nas redes sociais, o questionamento à elite política do país no âmbito institucional, ao longo de quase dois anos, não aconteceu.

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