Justiça

Um ano após histórico julgamento, o STJ permanece na vanguarda brasileira sobre a cannabis

O crescimento de autorizações a cultivar a planta demonstra, não apenas seu potencial econômico, mas também que a população brasileira cada vez mais compreende seu valor

CRÉDITO: GUILLEM SARTORIO / AFP CRÉDITO: GUILLEM SARTORIO / AFP
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Em um julgamento histórico realizado em junho de 2022, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu salvo-conduto para garantir que três pacientes medicinais de cannabis pudessem realizar o cultivo caseiro da planta para fins de seu tratamento. Ao julgar dois recursos, o colegiado da Quinta Turma concluiu que a produção artesanal do óleo com fins terapêuticos não representa risco de lesão à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido pela legislação antidrogas. Essa é justamente a posição atual do STJ: a Lei de Drogas pune apenas a venda e o uso recreativo da droga, e não seu uso medicinal, com acompanhamento profissional e prescrição.

No mesmo ano, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça passou a adotar o mesmo entendimento, unificando a posição do tribunal quanto à possibilidade do autocultivo medicinal. Um ano após essa decisão histórica, o STJ segue na vanguarda da cannabis autorizando diariamente que pacientes cultivem cannabis para fins medicinais. Em junho deste ano, veio à mídia que novamente o Superior Tribunal havia autorizado outros dois pacientes a cultivar cannabis, um com ansiedade generalizada autorizado a cultivar 354 plantas e outra paciente portadora de fibromialgia. Ambos os pacientes são defendidos por nosso escritório.

Um dos maiores debates em relação às ações judiciais de autocultivo sempre remete à falta de regulamentação quanto ao uso e cultivo medicinal de cannabis no Brasil. A ANVISA, inclusive, no ano de 2019 tentou, sem sucesso, propor uma regulamentação inicial para o cultivo de cannabis medicinal no Brasil. Apesar da cannabis medicinal ser legal no Brasil desde 2015, a falta de regulamentação mais aprofundada ainda gera imensos entraves e dificuldades ao acesso do paciente. E como não poderia ser diferente: quanto mais difícil, mais caro. E quanto mais caro, maior o lucro.

Saúde e vida digna são direitos de todos – inclusive daqueles que não podem ou não querem depender da indústria farmacêutica

Na forma como a legislação atual está posta, a maior beneficiada é a indústria farmacêutica, apenas. Os cultivadores, as associações e as pequenas e médias empresas estão de escanteio nesse oceano verde. Por enquanto. Dia após dia fica mais claro que a escolha de priorizar a grande indústria é uma decisão pensada e bem estruturada no intuito de manter o potencial financeiro da cannabis na mão de poucos. Precisamos reiterar o óbvio: a cannabis não tem dono. É uma planta, que nasce e cresce com o mínimo de condições favoráveis.  Mesmo que queiram manter a sua exploração restrita, essa falsa exclusividade está com os seus dias contados. Ou melhor, nunca existiu: é uma mentira, um delírio daqueles que veem a planta apenas pelo seu potencial econômico. Quem viver verá.

O crescimento robusto de pacientes e associações autorizados a cultivar cannabis demonstra não apenas o potencial econômico da planta, mas também que a população brasileira cada vez mais compreende o seu valor econômico e medicinal. O autocultivo, nesse sentido, é visto pela grande indústria como um inimigo do lucro. Cada paciente que cultiva seu medicamento é um potencial comprador perdido pela indústria.

Hoje quem vende cannabis medicinal no Brasil está no melhor dos mundos. Os preços dos insumos no exterior vêm caindo mês após mês e já não possuem grande valor em seus países de origem. Contudo, quando trazidos ao Brasil, em razão do número absurdo de travas ao mercado, valem mais que ouro. Ouro verde. Pouco a pouco, identifica-se que a escolha de priorizar a grande indústria é uma decisão pensada e bem estruturada, no intuito de manter o potencial financeiro da cannabis na mão de poucos.

Por sorte não estamos sozinhos nessa guerra: um número imenso das empresas que atuam no setor compartilha da visão que aponto e lutam por um acesso mais digno pelos pacientes medicinais. O problema é que grupos com interesses divergentes, sequer são inclinados a um debate mais aprofundado sobre a proibição. Ao contrário: lucram e querem lucrar cada vez mais com a proibição. Quanto mais proibido e criminalizado, melhor. Se não fosse a posição corajosa tomada por este tribunal superior e pelos advogados que atuam incansavelmente na área, sem dúvidas, o Brasil não teria avançado tão significativamente na área. Apesar da posição bem direcionada quanto à possibilidade de autocultivo, esse tema ainda é bastante espinhoso nos demais tribunais do Brasil, que insistem em não seguir a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Observemos os casos acima: ambos possuem origem no Estado do Paraná, foram negados pelo juiz de primeira instância e também negados quando levados ao Tribunal de Justiça do Paraná – TJPR. Apenas tiveram sucesso após recurso ao STJ. Nem o próprio judiciário brasileiro acata o debate na profundidade e escopo que merece: a saúde e vida digna são direitos de todos – inclusive daqueles que não podem ou não querem depender da indústria farmacêutica. Atualmente há uma frente de atuação formada por quase 300 advogados brasileiros, preparados tecnicamente e dispostos a enfrentar a pequenez daqueles que buscam apenas o lucro advindo da cannabis. Caminhamos lentamente, mas sabemos que estamos do lado certo da história ao apoiar, verdadeiramente, aqueles que necessitam de tratamento e de seu acesso à saúde. Não há dinheiro que pague isso.

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