Justiça

Trancamento de processo que mirava advogados do Sistema S abre caminho para punir Bretas

Para advogados ouvidos por CartaCapital, o juiz pode ser acusado pela prática de lawfare e por ter influenciado o resultado das eleições presidenciais de 2018

Juiz Marcelo Bretas - Fernando Frazão/Agência Brasil
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“Uma vitória da advocacia e do estado democrático de direito”. As palavras do ex-presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, dão a dimensão de como foi bem recebida na categoria a decisão da 1ª Vara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que trancou a investigação contra um grupo de advogados por suposta participação em desvios milionários no Sistema S (Sesc, Senac e Fecomércio).

Conduzidas em 2020 pelo juiz Marcelo Bretas, responsável pela seção fluminense da Lava Jato, as operações contaram com 77 mandados de busca e apreensão em casas e escritórios de advogados – e generosa cobertura da tevê e dos jornais. O script seguiu os ditames de Sérgio Moro, à época já ex-juiz da Lava Jato. “Esse é um caso clássico de lawfare. Uma das vertentes da Lava-Jato sempre foi a criminalização da advocacia”, resume o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, uma das primeiras vozes a se levantar contra a “República de Curitiba”.

O processo nasceu da delação premiada do ex-presidente da Fecomércio do Rio, Orlando Diniz, homologada por Bretas na 7ª Vara Federal do Rio e agora anulada por decisão do juiz Marcello Rubioli, que também apontou a incompetência da Justiça Federal para julgar o caso, uma vez que a origem dos recursos supostamente desviados não era federal. Pela mesma razão, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, já havia anulado em 2020 todos os atos de Bretas e enviado o processo ao TJ-RJ: “Não havendo colaboração premiada válida e reconhecido o caráter de fishing expedition das medidas cautelares anteriormente defendidas, estas e aquela, por autoridade judiciária incompetente, urge reconhecer a inexistência de qualquer justa causa à persecução dos fatos narrados”, afirma Rubioli em sua decisão. No meio jurídico, a expressão em inglês, que significa expedição de pesca, é utilizada para definir ações de busca e apreensão sem objeto definido e com o intuito de encontrar quaisquer elementos que possam incriminar determinada pessoa.

“A investigação penal e as decisões até então prolatadas têm o nítido intuito de criminalizar o exercício da advocacia”, prossegue Rubioli, que afirma ter havido indução na delação de Diniz. Esta constatação vai ao encontro do que sempre disseram a OAB e diversos grupos de advogados, como o Prerrogativas, quanto à condução ilegal do processo por Bretas e pelo grupo de procuradores da Lava-Jato: “Nas delações – procuradores e delegados me contaram – o que queriam era incriminar advogados. Era uma forma de minar a resistência que sabiam que sofreriam por parte de advogados que não faziam o jogo deles”, diz Kakay. Segundo o advogado, criminalizar a advocacia “era parte do projeto de poder” da Lava-Jato: “Infelizmente, não aconteceu só com o Moro”.

Bretas imitava os métodos de Moro e agora, assim como o ex-candidato à Presidência da República, está na mira de advogados para um eventual acerto de contas com a Justiça devido aos excessos da Lava-Jato.

“Eles sabiam sobre a própria incompetência e cometeram uma série de irregularidades. É possível que seja aberta uma investigação contra todos os personagens do Estado que tenham desvirtuado os entendimentos dos tribunais superiores e da própria lei com o claro objetivo de atingir a advocacia”, afirmou reservadamente a CartaCapital um dos advogados que pretende acionar Bretas na Justiça.

O juiz, avalia ele, pode ser acusado pela prática de lawfare e por ter influenciado o resultado das eleições presidenciais de 2018. Marcelo Bretas nunca escondeu sua simpatia a Jair Bolsonaro, o que põe em xeque sua lisura na condução das delações contra Cristiano Zanin e outros advogados próximos a Lula e ao PT. Esse quadro, acrescenta, deve ser reconhecido “em breve” e por “um juiz sério” nos tribunais superiores.

Kakay acha o cenário traçado pelo colega “bem possível” e vai além: “Agora, temos que defender a hipótese de uma investigação séria sobre os advogados que participaram dessa trama urdida pelo Moro e os procuradores da Lava-Jato. Havia advogados de estimação deles, contavam com escritórios de advocacia que faziam uma espécie de linha auxiliar ao Ministério Público. Isso é uma coisa que ainda não foi enfrentada”.

Para Felipe Santa Cruz, a decisão de Rubioli é histórica: “Ela deixa clara a intenção anterior do Ministério Público Federal de criminalizar a advocacia. Depois de todos os abusos da Lava-Jato e toda a degeneração causada pela manipulação de institutos como a delação, o que se pretendia era calar a última barreira de defesa, que era a advocacia privada. Mas, felizmente, eles não foram vitoriosos”, diz. Para o advogado, a ação de Bretas era um ataque ao direito de defesa do cidadão brasileiro: “Eu me orgulho de, como presidente da OAB, ter trabalhado duramente para que isso ficasse claro na resistência, na garantia do contraditório”.

Outro advogado, que prefere não ser identificado, diz que a decisão da 1ª Vara Criminal Especializada do TJ-RJ “coloca as coisas nos seus devidos lugares” e futuramente será enxergada como um marco na defesa da advocacia: “As prerrogativas dos advogados não são importantes só para os advogados, elas existem para proteger os cidadãos brasileiros que precisarem do serviço dos advogados. Sem as prerrogativas, em última instância é o cidadão quem fica desprotegido. Elas são muito importantes para o estado democrático de direito no Brasil. É importante que isso seja preservado. Acho que agora as coisas voltaram a caminhar nos eixos”.

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