O Supremo Tribunal Federal concluiu nesta quarta-feira 27 o julgamento sobre o Marco Temporal para a demarcação de territórios no Brasil. Na semana passada, a Corte já havia declarado a tese inconstitucional, mas faltava deliberar sobre a indenização a ser paga, por exemplo, a não indígenas que ocupam os territórios de boa-fé.
Segundo a proposta rejeitada, defendida por ruralistas, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A decisão da Corte tem repercussão geral, ou seja, deve ser seguida por todas as instâncias do Judiciário em processos semelhantes.
A sessão desta quarta foi a última sob a presidência da ministra Rosa Weber. Na quinta 28, Luís Roberto Barroso assumirá o comando da Corte.
Nesta quarta, os ministros debateram a tese a ser fixada, ou seja, uma espécie de guia para as instâncias judiciais decidirem sobre 226 processos semelhantes que aguardam um desfecho. O entendimento da Corte também servirá de baliza para casos futuros.
Prevaleceu uma proposta construída a partir de sugestões do relator, Edson Fachin, e do ministro Dias Toffoli. Ponderações de outros magistrados do Supremo também entraram na redação final.
Confira os itens da tese fixada pelo STF:
– a demarcação de terras indígenas consiste em procedimento declaratório do direito dos indígenas à posse da terra que ocupam tradicionalmente;
– a posse indígena é distinta da posse civil, “consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e das necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”;
– a proteção constitucional das áreas indígenas independe de um Marco Temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração de conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição;
– se houver ocupação indígena ou conflito na época da promulgação da Constituição, aplica-se o regime de indenização por benfeitorias úteis e necessárias, previsto na Constituição;
– Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição ou conflito, são válidos e devem ser indenizados os títulos de terras concedidos a quem agiu de boa-fé. A indenização destas benfeitorias é prévia e cabe à União;
– não cabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos na Justiça ou em andamento;
– é dever da União realizar a demarcação das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena;
– o redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento da forma de demarcação prevista na Constituição. O questionamento sobre dimensões da área demarcada pode ocorrer até cinco anos após a demarcação anterior. Será necessário comprovar um grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados;
– o laudo antropológico é fundamental para demonstrar a tradicionalidade da ocupação de uma comunidade indígena, de acordo com seus usos, costumes e tradições;
– as terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes;
– as terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis;
– a ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos indígenas;
– os povos indígenas podem participar de processos em que são discutidos seus interesses, com o envolvimento da Funai e do Ministério Público como um fiscal da lei;
Supremo derruba o Marco Temporal e ruralistas tentam reagir
Na semana passada, a Corte rejeitou, por 9 votos a 2, o Marco Temporal para a demarcação de territórios no Brasil.
Votaram contra a tese:
- Edson Fachin (relator);
- Alexandre de Moraes;
- Cristiano Zanin;
- Luís Roberto Barroso;
- Dias Toffoli;
- Luiz Fux;
- Cármen Lúcia;
- Gilmar Mendes; e
- Rosa Weber.
Manifestaram-se a favor da aplicação do Marco Temporal:
- Kassio Nunes Marques; e
- André Mendonça.
Em claro enfrentamento ao STF, o Senado aprovou nesta quarta a urgência do projeto de lei que estabelece o Marco Temporal. Um dos responsáveis pelo desfecho é o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que decidiu pautar o requerimento.
Segundo a redação, os indígenas só teriam direito às terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da atual Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Além disso, será preciso demonstrar que essas terras eram preponderantes para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.
O relator, Marcos Rogério (PL-RO), emitiu um parecer favorável ao texto e argumentou que o Marco Temporal busca evitar a “fraude de proliferação de aldeias”.
A ala governista, contrária ao PL, sustenta que a matéria é inconstitucional, uma vez que o Supremo Tribunal Federal derrubou a tese ruralista, por 9 votos a 2.
Em maio, o Ministério Público Federal já havia se manifestado pela inconstitucionalidade do projeto, apontando que a proposta representa uma ameaça ao direito das populações originárias ao seu território.
“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, destaca o órgão.
Contrário ao projeto, o senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou um relatório paralelo. No texto, ele afirma que o PL inviabilizaria a demarcação de novos territórios indígenas e, por isso, é inconstitucional.
“É uma matéria que agride a Constituição Federal e o seu espírito cidadão; é preconceituosa, porque é dirigida sob medida contra os povos indígenas; é um erro histórico, no momento em que falamos da Amazônia e do combate à desigualdade”, avaliou o petista.
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