Justiça

Paulo Guedes, o Posto Ipiranga sem gasolina

Ministro “desculpa” para voto em Bolsonaro mostra fragilidade ante a contestações e ameaça jogar a toalha

Paulo Guedes Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
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Em setembro de 2018, a jornalista Malu Gaspar assinou na revista Piauí o perfil de Paulo Guedes, à época aspirante a czar da economia em um eventual governo de Jair Bolsonaro.

Guedes teve um papel crucial na campanha ao gerar um efeito domesticador sobre o então parlamentar, arregimentando boa parte do grande empresariado que ainda o via com desconfiança. Ao conversar com três dos maiores gestores de fundos de investimento do Brasil, Malu ouviu:

“Muito empresário queria votar nele, mas tinha receio ou vergonha. O Paulo Guedes deu a desculpa que o pessoal precisava”.

O clima era de incontido otimismo. Na ocasião, apostaram que, na esteira da guinada liberal promovida por Guedes, uma onda de otimismo marcaria os primeiros meses de governo.  Essa atmosfera alvissareira, entretanto, não impediu que um lampejo de realismo acometesse um dos depoentes:

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Paulo Guedes é brilhante. Tem uma visão perfeita sobre a economia. Mas, na primeira reunião da Comissão de Assuntos Econômicos do Congresso, se um deputado começar a incomodá-lo, ele mandará o sujeito para aquele lugar e irá embora.

Na campanha Jair Bolsonaro, entre a arminha em uma mão e a laranja em outra, afirmou na época aos quatro cantos não entender lhufas de economia, mas que isso não era problema, pois tinha ungido como mentor Paulo Guedes, praticamente o seu guru. “O Paulo Guedes é o meu posto Ipiranga”, afirmou o então candidato.

Pois talvez esse posto Ipiranga esteja sem gasolina.

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Foi mais ou menos o que aconteceu em seu depoimento junto à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado na quarta-feira, 27 de março, onde o ministro, ainda que tenha dito que não jogaria a toalha na primeira derrota, afirmou que pode sim pular do barco caso políticos atrapalhem sua vida e a a reforma da Previdência não seja aprovada.

Guedes é um tecnocrata clássico, daqueles que se considera blindado aos arroubos irracionais da ideologia, um palavrão em seu vocabulário.  Ele, um técnico cinzento que detém o domínio sobre o manual de como tirar o Brasil do buraco, denuncia os políticos coloridos e a turba de mal-intencionados que atentam contra suas ideias, tão naturais quanto o átomo de carbono.

É batida a retórica que alça posicionamentos ideológicos ao status de fatos, quando não de fenômenos da natureza. Os liberais a adoram, o que os faz adversários diretos do malevolente materialismo histórico e dialético, que, irritante, costuma encher chopes de água ao insistir em pôr as lupas da História em tudo.

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Guedes, no final das contas, é como o general Mourão: se pudesse, enchia o Congresso de notáveis alinhados à cartilha do guru Milton Friedman, para quem as crises políticas, econômicas e humanitárias são oportunidades de impor medidas de choque e garantir que o livre-cambismo que antes parecia impossível se torne inevitável. Fazer democracia custa caro.

Convém às vezes tomar certos atalhos para não bater de frente com alguns obstáculos que lhe são próprios. Renunciar à diferença entre o que se quer ouvir e o que de fato é verdadeiro é uma forma de se submeter à tirania, escreve o historiador Timothy Snyder em “Sobre a tirania: vinte lições do século XX para o presente”.

Pois Guedes, que trabalhou no Chile durante o regime de Pinochet, ignorava o fato de que se tratava de uma ditadura até o dia em que deu de cara com agentes da polícia secreta revirando seu apartamento. “A política é uma ferramenta suja nas mãos dos menos aptos”, apregoa o a-ideológico ministro da economia, para quem “é burrice ter ideologia”.

Exemplo clássico de alguém que, por não sentir o próprio bafo, acredita que só os outros precisam escovar os dentes. 

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