O julgamento no STF que reforça a necessidade de câmeras nos uniformes de policiais, segundo Gilmar

'É inaceitável que o Estado, tendo à disposição métodos precisos para documentar os fatos, opte por procedimentos menos rigorosos', argumenta o decano

O decano do STF, Gilmar Mendes. Foto: Carlos Moura/SCO/STF

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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, defendeu não ser legítimo que policiais entrem em um domicílio sem mandado judicial apenas porque uma pessoa correu ao avistar uma viatura. O julgamento foi retomado nesta sexta-feira 23, no plenário virtual.

No caso concreto, policiais afirmaram ter avistado um homem em frente a uma residência. O rapaz teria corrido ao notar a viatura e, por isso, os agentes entraram no imóvel. Eles teriam, então, encontrado 247 gramas de maconha.

A defesa nega a acusação sobre o homem ter corrido ao perceber a viatura, sustenta que ele seria apenas usuário de drogas e afirma que a maconha seria consumida “durante meses”. Apesar disso, o cliente foi denunciado por tráfico.

Os advogados apontam ter havido abuso de autoridade por parte dos policiais militares e pedem a rejeição da denúncia por ilicitude da prova colhida e por ausência de justa causa. A defesa foi derrotada foi no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Superior Tribunal de Justiça.

O caso chegou ao STF na forma de um habeas corpus. No mérito, o relator, Edson Fachin, votou em linha com a argumentação da defesa. Segundo o magistrado, a situação apresentada não revela a existência de elementos concretos a caracterizarem uma razão de flagrante delito. Ou seja, os policiais não tinham motivo suficiente para entrar em um domicílio sem mandado judicial.

Nesta sexta, Gilmar seguiu Fachin. Para o decano, “a despeito da estranheza causada pela dinâmica narrada pelos policiais, não se pode banalizar o direito fundamental à inviolabilidade de domicílio, permitindo que o Estado invada a residência de um cidadão com base em meros incômodos provocados por sua conduta”.


Também acompanharam o voto de Fachin os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Rosa Weber (hoje aposentada). Resta, portanto, um voto para formar maioria – Kassio Nunes Marques e Luiz Fux podem se manifestar até a próxima sexta-feira 1º.

Segundo Gilmar Mendes, as ambiguidades alegadas nos autos do processo poderiam ser esclarecidas caso as forças policiais registrassem em áudio e vídeo as circunstâncias dos flagrantes. Na avaliação do ministro, a prática “ofereceria proteção tanto aos policiais íntegros quanto aos cidadãos honestos contra narrativas distorcidas apresentadas posteriormente nas delegacias”.

“É inaceitável que o Estado, tendo à disposição métodos mais precisos para documentar os fatos, opte por procedimentos menos rigorosos e, ainda assim, atribua uma presunção de veracidade às declarações dos agentes estatais em prejuízo do cidadão.”

O ministro reforçou não ser justificável que o Estado seja negligente na adoção de mecanismos que auxiliem a reduzir as “interferências subjetivas” em atos de grande impacto, a exemplo de prisões em flagrante.

Outros votos

Alexandre de Moraes abriu uma divergência. Segundo ele, o STF não pode acolher o habeas corpus, porque o STJ “nem sequer chegou a analisar a questão envolvendo o pedido de ilicitude da prova”.

Apesar disso, Moraes se pronunciou sobre o mérito do julgamento.

“No caso concreto, conforme narrado, o ingresso dos agentes de segurança pública no domicílio foi devidamente justificado, tendo em vista que o paciente, ao visualizar a viatura policial, saiu correndo em atitude suspeita para o interior de sua residência”, defendeu.

Por isso, de acordo com o ministro, “não há, neste juízo, qualquer ilegalidade na ação dos policiais militares”. Ele acrescentou não ser possível alegar “constrangimento ilegal” ao homem, porque a defesa terá toda a instrução criminal para sustentar suas teses, “as quais serão devidamente examinadas com maior profundidade no momento processual adequado”.

Os ministros Dias Toffoli e Cristiano Zanin acompanharam o voto de Moraes.

André Mendonça também divergiu de Fachin, mas em outros termos. Segundo ele, a jurisprudência do STF indica que “o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, por inadequação da via eleita”. Mendonça avalia que a defesa ainda tinha recursos a apresentar ao STJ, antes de acionar o STF.

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