Justiça

O beijo de Judas de Fachin

A decisão de Fachin, como o beijo de Judas, reconhece a anulação dos processos de Lula, enquanto tenta reerguer a Lava Jato, a morta-viva

O ministro Edson Fachin, do STF e do TSE. Foto: Nelson Jr./SCO/STF
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Zumbis, na cultura popular, são cadáveres de hábitos noturnos, mortos-vivos que perambulam por aí e que, após sepultados, são desenterrados e reanimados. Através da mordida, continuam disseminando o agente patogênico, aumentando em numerário e gerando uma infestação catastrófica.

Ao menos nos estereótipos mais comuns, só há uma forma de cortar o mal pela raiz: atingindo o cérebro do morto-vivo. Se isso não acontecer, perigosamente a zumbificação prolifera.

No caso das condenações de Lula, só havia um modo de cortar o mal pela raiz: através do processo de suspeição de Moro, no HC 164493, que estava pendente de julgamento na Segunda Turma do STF, conformando a necessária justiça reparatória das mazelas da Lava Jato, reveladas, especialmente, pela Vaza Jato e operação Spoofing. Mas o mal foi cortado às avessas, na superfície.

O argumento que vingou no caso Lula foi que os processos distribuídos na República de Curitiba, em coincidente morosidade, não poderiam prosperar, por não guardarem conexão com os esquemas de possíveis desvios da Petrobras.

Na leitura mais apressada da decisão dada no HC 193.726, em 08/03/2021, poderia se pensar que Fachin, de ministro aliado, converteu-se em processualista exegético, mesmo que letárgico. No entanto, na leitura mais atenta, fica claro que ainda vigora a marchinha de Deltan Dallagnol, em conversas reveladas pela Vaza Jato, “aha uhu, o Fachin é nosso.

Com a decisão, ficaram anulados quatro processos que corriam contra Lula: Triplex do Guarujá (5046512-94.2016.4.04.7000/PR), Sítio de Atibaia (5021365- 32.2017.4.04.7000/PR), Sede do Instituto Lula (5063130-17.2018.4.04.7000/PR) e doações ao Instituto Lula (5044305-83.2020.4.04.7000/PR).

Lula se torna elegível, retomando os seus direitos políticos, mas a sua liberação foi o preço a se pagar, mesmo que alto, para a tropa zumbi se alastrar, pois, na perigosa cilada, as raízes continuam crescendo.

Assim é o beijo de Fachin: o diabo mora nos detalhes.

Como o beijo de Judas, Fachin vota a favor da Lava Jato, mesmo votando contra, mesmo que isso tenha custado a liberdade de Lula. Um ato desesperado de salvar o pouco que resta da Lava Jato, de varrer as sujeiras do judiciário para debaixo do tapete, de juntar os cacos do que sobrou.

E o que pareceria ser “um bom dia afinal“, quando Fachin poderia se tornar um herói, anulando todos os processos penais na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) que diziam respeito à operação Lava Jato, restabelecendo os direitos políticos de Lula e a dignidade da justiça, converteu-se em ardil. O ato de Fachin, ao supostamente “livrar” Lula, pode ser mesmo como o beijo de Judas.

Fachin ordenou que os casos de Lula sejam reiniciados na Justiça Federal do Distrito Federal. E seria cômico se não fosse trágico: declarou, ainda, a perda do objeto de dez habeas corpus e de quatro reclamações apresentadas pela defesa do ex-presidente. Dentre elas, o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro, que era titular da 13ª Vara de Curitiba, a única ação que poderia, de fato, restabelecer o mínimo de justiça, matar o mal pela raiz.

A Lava Jato, que teve seu fim decretado em 01/02/2021, incorporada a Gaeco, é de, uma estranha forma, zumbificada e reerguida. Com o beijo de Fachin, como o beijo de Judas, a decisão, ao anular os processos de Lula, reergue a morta-viva Lava Jato, não lhe permitindo o sono restaurativo da morte.

Com essa saída de mestre, Fachin faz da Lava Jato nem morta e nem viva, uma morta-viva, perambulante por aí, impedindo o julgamento da suspeição de Moro, que poderia anular, na íntegra, todos os processos contra Lula.

Na dança dos eternos cadáveres, no arranjo de sua decisão, Fachin explicitamente, dispõe que a nulidade se dará “apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”.

Trocando em miúdos: os zumbis continuarão contaminando por aí, podendo o novo juiz convalidar todos os atos de Moro, com nova sentença de mérito. Cenário diferente do processo de suspeição de Moro, cuja nulidade absoluta contaminaria todos os atos judiciais praticados.

Ao invés de passar a limpo a história da Lava Jato, reconhecendo o impedimento de Moro para julgar, Fachin passa pano: julgou não Moro como suspeito, mas a 13ª vara da justiça como incompetente.

Não bastava ter rezado missa no falecimento da Lava Jato, com a divulgação de “balanço” por parte de Fachin e nem a defesa de Moro, em momento que sequer Deltan poderia concordar, agora, em arte de necromancia, Fachin ergue o colapso.

Cabe aos demais ministros resistir à decisão, insistindo no julgamento de Moro. Todas as armas serão necessárias, afinal, o apocalipse zumbi já começou.

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