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O ano de Dino

Para o bem e para o mal, o ministro da Justiça foi o responsável por administrar as crises do início do governo

Do 8 de Janeiro à mais recente crise no Rio, o ministro não teve moleza – Imagem: Tom Costa/MJSP
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Depois de quatro anos de gestão bolsonarista na segurança pública marcada pelo incentivo à violência policial, pela flexibilização no controle de armas e por um amplo processo de radicalização e instrumentalização das forças policiais – vide a atuação da PRF nas eleições de outubro de 2022 –, havia grande expectativa e preocupação em relação à gestão Lula 3 na área de segurança pública. Para lidar com o imenso desafio, Lula escolheu Flávio Dino para o comando do Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

Dino, ex-juiz federal e ex-governador do Maranhão, é notadamente um político habilidoso, o que lhe garantiu a prerrogativa de exigir para si um ministério forte, que agregasse as áreas da Segurança Pública e Justiça. Isto porque uma das promessas da campanha Lula/Alckmin era justamente a recriação do Ministério da Segurança Pública, demanda dos especialistas do campo, a exemplo do que fora feito na gestão Temer.

O ministro esteve, sem dúvida, à frente da pasta mais desafiadora no primeiro ano do governo Lula 3, marcada por uma sucessão de crises. Na primeira semana, teve de administrar a tentativa de golpe engendrada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, que invadiram e depredaram os prédios do STF, Congresso e Planalto. Como se a tentativa de golpe não fosse grave o suficiente, as cenas de policiais militares do Distrito Federal a escoltar os golpistas até a Esplanada dos Ministérios evidenciaram o caráter antidemocrático daquela força policial, exigindo que Lula decretasse a intervenção federal na Secretaria de Segurança Pública do DF, desafio liderado por Ricardo Capelli, secretário-executivo da pasta comandada por Dino.

A intervenção federal na capital nem acabara quando o ministro precisou lidar com a segunda grande crise, a emergência sanitária na terra Yanomâmi. Coube à Justiça implementar ações para erradicar o garimpo no território, que crescera substancialmente durante a gestão Bolsonaro. Para garantir as ações de desintrusão, a Polícia Federal liderou a Operação Libertação, que contou com apoio do Ibama, das Forças Armadas, da Força Nacional de Segurança Pública e da Funai.

Resta saber se o seu sucessor terá a mesma capacidade política para lidar com os desafios pela frente

Em março, outra crise explodiu após um adolescente de 13 anos esfaquear quatro professoras e um aluno em uma escola pública da Zona Oeste de São Paulo. Elisabeth Tenreiro, educadora de 71 anos, morreu no ataque. Embora a responsabilidade pela gestão escolar fosse do governo estadual, o fato de o garoto anunciar o ataque em redes sociais, e de novos ataques em outras escolas ocorrerem na sequência, expôs a radicalização que adolescentes e jovens têm vivenciado na internet. Dino não hesitou em enquadrar as plataformas digitais, exigindo a adoção de protocolos contra a disseminação de ódio, exclusão de conteúdos extremistas sem determinação judicial e aprimoramento das estratégias de moderação. Concomitante aos episódios de violência escolar, outra crise de segurança pública explodiu, desta vez no Rio Grande­ do Norte, exigindo que o Ministério da Justiça reconhecesse a emergência em segurança e enviasse a Força Nacional.

Se as grandes crises que marcaram os primeiros meses da gestão ­Dino à frente do ministério evidenciaram sua habilidade política e o tornaram um dos ministros mais populares do governo, no segundo semestre sua ­capacidade de liderar a pasta foi posta em dúvida até mesmo por integrantes da base aliada. Os escândalos de violência policial na Bahia e a crise permanente no Rio de Janeiro parecem ter sido o ponto de virada.

Na Bahia, a notícia de que, sob gestão do então governador Rui Costa, o estado atingiu o posto de polícia mais letal do ­País, e evidenciou as contradições do Partido dos Trabalhadores quando o assunto é segurança pública. No caso do Rio, foi o assassinato de três médicos na Barra da Tijuca, um dos quais irmão da deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP), que nacionalizou a crise e colocou no colo de ­Dino o problema das milícias e do crime organizado. O ministro foi muito criticado entre os especialistas em segurança quando propôs a GLO nos portos e aeroportos do Rio de Janeiro, tanto pelo envolvimento das Forças Armadas na segurança pública, historicamente ineficaz quanto pela contradição entre o que se anunciou como objetivo – o combate ao crime organizado e às milícias – e as ações propostas.

Apesar dos limites do que foi possível implementar em menos de um ano de governo, podemos destacar ações bem-sucedidas da gestão de Dino no ministério. A medida mais importante nesse período foi, certamente, a revogação dos decretos de flexibilização do controle de armas implementados por Bolsonaro. Com o descontrole da gestão anterior, milhares de armas, inclusive de calibre restrito, passaram a ser compradas com maior facilidade e por menor preço pelo crime organizado. É também de se destacar a retomada do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, que recolocou a política setorial em alinhamento com os grupos mais vulneráveis à violência, e a criação do Plano Amazônia Segurança e Soberania, que definiu estratégias para fortalecer a capacidade institucional dos estados que compõem a Amazônia Legal no enfrentamento ao crime organizado.

Apesar de liderar iniciativas importantes, Dino parece ter ficado a dever no que diz respeito à implementação do Sistema Único de Segurança Pública. Se o seu bom desempenho em momentos de urgência certamente pesou favoravelmente para a sua indicação ao STF, sua dificuldade em propor um plano nacional com metas, definição de atribuições e diretrizes claras para a redução da violência no médio e longo prazo impediu que ele pudesse deixar sua marca em ações mais estratégicas. Ao fim e ao cabo, qual foi a política nacional de segurança pública pensada pelo ministério? Esta é uma pergunta que segue em aberto e que, provavelmente, não será respondida, dada sua aprovação ao STF pelo Senado.

Em suma, se fosse preciso resumir em duas palavras o primeiro ano do governo Lula na área da segurança pública, estas duas palavras seriam “Flávio Dino”. Para o bem e para o mal, Dino foi o responsável por administrar um País marcado por crises, e chamou para si a responsabilidade pelos erros e acertos do governo federal na área. Resta saber se o seu sucessor terá a mesma capacidade política para lidar com os desafios do segundo ano de governo na área. •

Publicado na edição n° 1291 de CartaCapital, em 27 de dezembro de 2023.

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