CartaCapital

Noite histórica da Coleção Feminismos Plurais

Um xirê literário tomou conta do Centro Cultural de São Paulo na festa da Coleção que tem revolucionado o debate e o mercado editorial

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Que noite!

Fechando o mês de abril de 2019, centenas de pessoas receberam uma energia indescritível que tomou conta do Centro Cultural São Paulo (CCSP), ao lado da estação de Metrô Vergueiro, em São Paulo. Saberes, dança, música, lágrimas, homenagens, um roteiro completo daqueles momentos que marcam a noite de pessoas que comungam da convicção na alvorada de saberes e práticas antirracistas, anticoloniais. Foi uma bela noite que resplandeceu na capital paulista para lançamento da nova casa da Coleção Feminismos Plurais, organizada pela mestra em Filosofia Política Djamila Ribeiro, e integrante do Selo Sueli Carneiro, que homenageia uma mulher fenomenal. Foi a noite também do lançamento do sexto título da Coleção “Racismo Recreativo”, escrito pelo intelectual mestre e doutor pela Universidade de Harvard, Adilson Moreira, colunista na editoria de justiça da CartaCapital.

A nova casa da Coleção que tem feito uma revolução epistemológica nas universidades, rodas de leituras e no íntimo de incontáveis pessoas em todo país, bem como bagunçado o mercado editorial brasileiro, é a Pólen Livros, editora capitaneada por Lizandra Magon e que tem contribuído muito para a reprodução de literaturas que parte significativa do país invisibilizou e tenta desesperadamente ainda invisibilizar. Os livros receberam um novo tratamento gráfico, revisão e cuidado para continuar com conteúdo crítico, preço acessível e linguagem didática.

Enquanto eram procedidos os preparativos finais pela equipe de produção, liderada pela produtora executiva querida e respeitada por todos Ísis Vergílio, a fila se multiplicava na entrada do Centro Cultural. O local foi escolhido após cuidadosa curadoria de Hélio Menezes, uma das gratas surpresas no cenário cultural atual. As cem primeiras pessoas da extensa fila receberam um exemplar da obra de Adilson Moreira, em oferecimento da Lola Cosmetics, empresa parceira de empreitadas anticoloniais e liderada pela visionária Dione Vasconcelos. A iniciativa pensada por Djamila em distribuir os livros visa tornar acessível, inclusive, para quem R$ 19,90 (preço revolucionário dos títulos) faz diferença.

Franqueada a entrada, as pessoas que conseguiram entrar ante a superação da capacidade máxima do evento, assistiram o evento pelo debate do livro de Adilson Moreira, com mediação de Hélio Menezes. A obra Racismo Recreativo discute a forma pela qual, sobretudo no Brasil, o humor tem sido uma válvula de escape para discurso de ódio e manutenção de práticas racistas. Em dezembro, o jurista concedeu entrevista para a CartaCapital tratando do tema e explicando como as micro-agressões pela via do humor estão presentes nas mais variadas esferas da sociedade.

Paralelo a isso, no camarim, autoras e autor se preparavam para o que viria a seguir. Muito afeto, companheirismo e trincheiras estão na história de quem tem feito parte dessa iniciativa inovadora. Juliana Borges, autora de “Encarceramento em Massa”, Joice Berth, autora de “Empoderamento”, Silvio Almeida, autor de “Racismo Recreativo” e Carla Akotirene, autora de “Interseccionalidade, além é claro de Djamila Ribeiro, autora de “Lugar de Fala” aqueciam para entrar em campo. Todas foram bem tratadas pelo Styllos Fashion, salão de beleza afro liderado localizado na Artur Alvim, em São Paulo, e receberam cervejas de “mimo” da Stella Artois. Tinha mais gente no camarim, mas essa apresentação vou deixar para daqui a pouco.

Pois bem, encerrado o debate, foi a hora de um dos ápices da noite: a entrada e o show das Bahia e Cozinha Mineira. A banda tem se destacado como uma das mais valiosas joias do cenário musical contemporâneo levou o público à catarse com sua já extensa lista de sucessos. O talento explosivo de Assucena Assucena e de Raquel Virgínia, obstinada ativista na luta pelos direitos humanos trouxe para o xirê (festa na acepção do Candomblé) a dança e o canto, preparando o público para receber Paula Lima, brilhante cantora que ciceroneou a entrada de todos os autores no palco para cantar o hino negro brasileiro Olhos Coloridos, certamente um dos ápices da noite.

 

Ao final, Paula Lima entregou o microfone para Djamila Ribeiro, estrela-guia, saudar os convidados. A filha da doméstica e de um estivador, dileta do Rei de Ketu, Djamila fez as oferendas a todos e todas envolvidos no projeto e na noite linda que se desenrola aos olhos das pessoas e se emocionou ao final, levando todos às lágrimas. Djamila passa a palavra a Sueli Carneiro, a “mais velha” e grande homenageada do Selo agradeceu.

Emocionada, Sueli Carneiro agradeceu toda a iniciativa de Djamila, que reposicionou o debate do feminismo negro no país. “Eu sei que estou agradecendo em nome de Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento e em nome de todas que nos antecederam e que você é herdeira, cujo bastão está empunhando com criatividade, coragem e irreverência impensável. Muito obrigada, Djamila”, afirmou Sueli. E os aplausos tomaram conta do ambiente.

As falas foram passadas aos autores em ordem de publicação. A plateia, que já não sabia mais agir diante daquilo sem ser ovacionando o ambiente, foi tomada pelas palavras da majestosa intelectual Juliana Borges, que dedicou aquele momento à sua mãe Cláudia, falecida recentemente, mas que com certeza estava lá. Os aplausos se seguiram de um longo abraço entre Juliana e Djamila.

Joice Berth, urbanista lúcida e corajosa, homenageou seus quatro filhos, “quatro pilares” e toda sua família presente naquele momento, bem como ao vereador Eduardo Suplicy, que marcava presença na primeira fileira. Ao fim de sua fala, Joice lembrou a célebre frase de Gláuber Rocha: “mais forte são os poderes do povo!”

Silvio Almeida, jurista doutor em filosofia e mestre com palavras, fez um agradecimento que tocou a todos: “quero agradecer aquelas pessoas que possibilitaram que a gente fizesse aqui o que fazem nossos ancestrais. A gente canta para lutar e luta para cantar, essa é nossa história. Então toda vez tem música Paula, Assucena, Raquel, a gente invoca nossos ancestrais e nesse momento a gente tem que invocar nossos ancestrais para uma luta”.

Foi então a vez de Carla Akotirene levar suas palavras para dançar com os orixás que estavam presentes naquela roda. Autora de Interseccionalidade, Carla mobiliza conceitos como ancestralidade, motivo de muito orgulho: “se Narciso vai para frente do rio se autoadorar e a branquitude acadêmica quando cita somente os seus intelectuais por que você não pode Carla não pode ir para encruzilhar convocar todas as oferendas analíticas escritas pelas mulheres negras?” Todas abriram o sorriso, e o público ovacionou.

Adilson Moreira, homenageado do dia, fechou as falas honrando o aniversário de seu irmão, desaparecido há 25 anos, mais uma das vítimas do racismo que estrutura a sociedade. “Quando você é um homem negro que nasce numa favela, filho de pais semianalfabetos, você não tem certeza que estará vivo no dia seguinte. E estar aqui nesse momento é um momento de felicidade”.

O xirê se encerrou com a fila de autógrafos e a certeza de que a Coleção Feminismos Plurais é uma revolução que ilumina o coração de muitas pessoas e nos ousa penas em um futuro muito melhor.

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