Justiça

MP acusa juiz ‘descendente de nobres ingleses’ de usar identidade falsa por 40 anos

Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield seria, na verdade, José Eduardo Franco dos Reis

MP acusa juiz ‘descendente de nobres ingleses’ de usar identidade falsa por 40 anos
MP acusa juiz ‘descendente de nobres ingleses’ de usar identidade falsa por 40 anos
Sede do Tribunal de Justiça de São Paulo Foto: Divulgação/TJ-SP
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O Ministério Público de São Paulo denunciou um juiz aposentado do Tribunal de Justiça paulista por falsidade ideológica ao utilizar documentos falsos durante todo o exercício da magistratura.

Com uma identidade falsaEdward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, autointulado descendente de nobres ingleses, cursou Direito, prestou concurso no TJ-SP e até se aposentou, segundo o MP. Seu nome de batismo, porém, seria José Eduardo Franco dos Reis.

O homem viveu nessa situação por quase 45 anos. O verdadeiro nome veio à tona quando, em outubro passado, ele solicitou a segunda via da carteira de identidade no Poupatempo, uma autarquia do governo paulista.

O acervo do Instituto de Identificação Ricardo Gumblenton Daunt já havia, porém, sido incorporado ao sistema, de modo que, ao registrar sua digital, detectou-se que ela pertencia a outra pessoa. Para solicitar o documento, o juiz teria apresentado uma certidão falsa, como se se Wickfield tivesse nascido em 11 de março de 1958.

A Polícia Civil foi acionada e descobriu que, na verdade, ele se chamava José Eduardo Franco dos Reis, cujo primeiro RG é de Águas da Prata, no interior paulista, em 1973. Ele teria nascido em março de 1958, mas, segundo o MP, tirou o registro de identidade em nome de Edward Wickfield em setembro de 1980.

Para isso, sustentou o promotor Maurício Salvadori na denúncia, o acusado teria apresentado uma certidão falsa de reservista do Exército, um documento em que dizia ser servidor do Ministério Público do Trabalho, uma carteira de trabalho e um título de eleitor, todos com o mesmo nome falso. A falta de integração entre os sistemas de documentos facilitou a falsificação, conforme o MP.

Oito anos depois de se registrar como outra pessoa, o juiz entrou na faculdade de Direito da USP, na qual foi contemporâneo do atual ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, à época no terceiro ano do curso. Em 1996, Wickfield foi aprovado no concurso para a magistratura paulista, carreira da qual se aposentou como titular da 35ª Vara Cível de São Paulo, em 2018.

Depois de chegar ao TJ-SP, o acusado concedeu uma entrevista para uma reportagem sobre os aprovados no concurso e afirmou ter nascido no Brasil, mas disse ter morado até os 25 anos na Inglatera, onde teria estudado matemática e física. Ao voltar a São Paulo, ainda de acordo com seu relato, decidiu estudar Direito na USP, embora seu avô tivesse sido juiz no Reino Unido.

“Observa-se que o denunciado não somente criou uma persona distinta, passando a conduzir sua vida com esses propósitos. Ao revés, de forma flagrantemente ardilosa, por mais de quarenta anos enganou quase a totalidade das instituições públicas, traiu jurisdicionados e, sobretudo, manteve a real identidade operante com a qual também se identifica, potencializando os múltiplos falsos”, pontuou o MP.

A reportagem busca contato com a defesa de José Reis. Segundo o Portal da Transparência do TJ paulista, o acusado recebeu com seu nome falso 155 mil reais em janeiro – 37,7 mil reais de remuneração e mais de 120 mil em vantagens eventuais. Em nota, o tribunal disse que não comentará o caso, que tramita em segredo de Justiça.

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