Justiça
‘Leilão danado’: O que se sabe o suposto esquema de venda de sentenças em MS
Uma operação autorizada pelo STJ afastou cinco desembargadores do TJ-MS nesta quinta-feira 24


Cinco desembargadores de Mato Grosso do Sul foram afastados de suas atividades no Tribunal de Justiça por suposto envolvimento em um esquema de venda de sentenças. Entre os alvos da operação deflagrada nesta quinta-feira 24 pela Polícia Federal está o presidente do TJ-MS, Sérgio Fernandes Martins.
Os magistrados alvos da investigação serão monitorados por tornozeleira eletrônica até o fim da apuração.
Em nota, o tribunal disse estar ciente da operação, mas declarou que, até o momento, não teve acesso aos autos do processo e à decisão judicial que motivou a ação.
Durante as diligências da Operação Ultima Ratio, agentes encontraram 2,7 milhões de reais em espécie na casa do desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso – ele deixou o tribunal em junho deste ano. A batida policial foi batizada em referência ao princípio do Direito segundo o qual a Justiça é o último recurso do Poder Público para deter a criminalidade.
O Ministério Público Federal defendeu a prisão de Júlio Roberto, mas o Superior Tribunal de Justiça negou o pedido. A investigação da PF apontou que o magistrado foi “corrompido para favorecer indevidamente” uma advogada, esposa de outro juiz, “na obtenção indevida de mais de 5 milhões” de reais.
A polícia ainda destacou “transações imobiliárias de grande monta realizadas pelo desembargador com o emprego de recursos de origem não rastreável, ou seja, que não transitaram em contas bancárias de titularidade do investigado”. Ele revogou, “sem qualquer fundamentação concreta”, uma decisão proferida por si mesmo anteriormente, o que poderia caracterizar um ato de corrupção, conforme a PF.
Diálogos interceptados pela polícia indicam que os investigados conversavam abertamente sobre a comercialização de liminares em julgamentos importantes na corte mato-grossense. Os suspeitos discutiam resultados, negociavam valores e cobravam o pagamento de repasses a desembargadores e familiares.
Algumas mensagens foram encontradas no celular do advogado Felix Jayme da Cunha, apreendido em 2021, e tratavam inicialmente dos contatos dele com o desembargador Marcos Brito, um dos afastados nesta quinta. Em mensagem datada de 6 abril de 2021, por exemplo, além de antecipar o resultado, ele diz a um servidor do TJ que teria ocorrido um “leilão danado” e que “cada um quer mais que o outro”, ao se referir a um julgamento na corte.
Dias depois, Cunha voltou a fazer contato com o servidor e indicou que houve pagamento pelo resultado do julgamento relatado no diálogo anterior. O relatório da investigação enviado ao STJ ainda sustenta que houve um grande volume de saques no período das conversas interceptadas.
Ainda segundo os investigadores, os desembargadores Sergio Fernandes Martins, Divoncir Maran e Marcos José Rodrigues revogaram despachos dos colegas para retornar a decisões em que já havia sido verificado “erro no mérito de causa”. As decisões e as mensagens encontradas no celular do advogado seriam fortes indícios de que uma “decisão proferida em 6 de abril de 2021 foi fruto de corrupção” dos magistrados.
A PF também menciona a partir de interceptações telefônicas indícios de que houve decisões vendidas pelo desembargador Vladimir Abreu da Silva em 2014. Em ligação, o então advogado e hoje desembargador do TJ-MS Ary Raghiant Neto diz que tratou com o magistrado e antecipa o possível resultado de um julgamento em favor de um empresário, assim como desdobramentos do processo.
Outro telefonema entre o empresário João Amorim e Osmar Domingues Jeronymo, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, discute uma decisão de Vladimir tomada no plantão da Justiça, de acordo com a PF.
“No curso da conversa, Osmar Jeronymo menciona que ‘mas quase foi cara, cê num tem noção do que esses caras fizeram, se eu falar pra você as oferendas, cê num tem noção, é um trem de maluco, sorte que a gente tem assim passado, compromisso, entendeu, não é de um dia só, cê entendeu'”.
Em outra parte do relatório, a PF apontou que o desembargador Sideni Pimentel, também alvo da investigação, vendeu dois animais a advogados como forma de mascarar a origem dos recursos. Foram emitidas cinco notas que indicavam a venda de 102 cabeças de gado ao valor de 112,5 mil reais.
Antes de fazer o pagamento ao magistrado, porém, um dos advogados utilizou a conta de seu escritório para receber depósitos de dinheiro em espécie com indícios de fracionamento. O repasse a Pimentel, diz a PF, resulta em indícios de que o advogado, filho de outro desembargador do TJ mato-grossense, teve o objetivo de lavar dinheiro obtido através da venda de liminares.
O magistrado também havia participado do julgamento de ao menos dois processos em que o defensor em questão atuava, o que reforçaria as suspeitas da PF. “Chama atenção os investigados estarem fazendo negócios no ramo da pecuária e ao mesmo tempo o desembargador julgando processos do advogado, o qual inclusive tem escritório no mesmo local do de seu filho.”
Transações suspeitas de compra e venda de carro de outro desembargador também entraram no radar dos investigadores. Em um dos casos, o magistrado declarou ter adquirido um carro do pai por 60 mil reais e depois o usou para dar entrada de 47 mil em outro veículo.
Escreveu a PF: “Não foram declarados qualquer empréstimo que pudesse justificar tal pagamento. Desse modo, levanta-se suspeita da forma de pagamento e da origem dos recursos utilizados. Ressalta-se, ainda, que não foram identificados saques que pudessem indicar a origem do capital”.
O mesmo ocorreu na compra de um outro automóvel, de 134 mil reais, e de 80 cabeças de gado que esse mesmo magistrado adquiriu do próprio pai. O problema, segundo a investigação, é que “não foram identificadas transações bancárias que indicassem o pagamento da referida compra”.
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