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Justiça torna réu sargento acusado de tortura e estupro na ditadura

Antonio Waneir Pinheiro de Lima é apontado como um dos carcereiros que trabalhavam na Casa da Morte

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Foto: Reprodução
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Por 4 votos a 1, a 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) confirmou decisão anterior da mesma Corte que acolheu a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) e tornou réu o sargento Antonio Waneir Pinheiro de Lima, o Camarão.

Ele é acusado de ter participado do sequestro, cárcere privado e estupro da dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) Inês Etienne Romeu. Camarão é apontado como um dos carcereiros que trabalhavam na Casa da Morte, um aparelho clandestino mantido nos anos 1970 pelo Centro de Informações do Exército (CIE), em Petrópolis, no Rio. Inês, que morreu de causas naturais em 2015, foi o único prisioneiro que passou pela casa a sobreviver.

Nesta segunda-feira, dia 1º, o TRF-2 julgou um recurso (embargos infringentes) da defesa contra a decisão de 2019 do mesmo tribunal que havia acolhido por 2 votos a 1 o pedido do MPF a fim de que o sargento fosse processado – a Vara Criminal de Petrópolis, em razão da Lei de Anistia, havia se recusado a abrir o processo contra o militar reformado. O relator do caso no TRF-2 foi o desembargador Marcello Granado. Seu voto contrário ao réu foi acompanhado por outros três magistrados, ficando vencido apenas o desembargador Antonio Ivan Athié. O mérito da ação penal será agora julgado pela Justiça Federal em Petrópolis.

Inês foi presa clandestinamente em 5 de maio de 1971 e levada por agentes do CIE à Casa da Morte. Ela sobreviveu porque o então tenente-coronel Cyro Guedes Etchgoyen decidiu transformá-la em informante em vez de matá-la como aconteceu com os demais prisioneiros transferidos para o lugar. Ali a guerrilheiro foi atendida pelo médico Amílcar Lobo, que foi levado à Petrópolis pelo major Rubens Paim Sampaio.

Paim contou em 2014, ao depor aos procuradores da República, que aconselhou Inês a aceitar a proposta de Etchgoyen. Ela foi levada em 18 de agosto de 1971 por um agente do CIE até a casa de seus pais, em Belo Horizonte. Solta, ela devia fazer contatos com seus companheiros de organização e entregá-los aos militares. Mas Inês decidiu se apresentar oficialmente ao Exército e ser presa em vez de ficar clandestinamente colaborando com o regime. Em carta endereçada em 3 de outubro de 1971 ao advogado Augusto Sussekind de Moraes Rego, ela conta que tentou o suicídio no cárcere clandestino. “Vi companheiros sofrendo e morrendo.” Escreveu que, se ela morresse em qualquer circunstância, haveria um único culpado: os órgãos de segurança.

Depois de ficar presa alguns dias em Belo Horizonte, ela foi transferida em novembro de 1971 para o presídio Talavera Bruce, no Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1979, quando foi solta. No primeiro julgamento que recebeu a denúncia contra o agora réu realizado pela Primeira Turma Especializada em agosto de 2019, a desembargadora federal Simone Schreiber, que apresentou o voto vencedor naquela sessão, entendeu pela existência de indícios suficientes de autoria e materialidade dos fatos.

Na ocasião, a magistrada também concluiu que a Lei da Anistia (Lei 6683/1979), embora tenha sido declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), viola disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. Além disso, a desembargadora lembrou que o Estatuto de Roma, do qual o Brasil igualmente é signatário, estabelece que os crimes contra a humanidade não são alcançados pela prescrição e nem pela anistia. Essa mesma argumentação foi seguida pelo desembargador Granado.

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