Justiça
Fachin assume o STF na mira da extrema-direita e sem os holofotes de Barroso
Discreto, o novo presidente da Corte buscará uma gestão austera, mas terá de lidar com casos rumorosos e o cerco bolsonarista


O ministro Edson Fachin assume nesta segunda-feira 29, às 16h, a presidência do Supremo Tribunal Federal pelos próximos dois anos, como sucessor de Luís Roberto Barroso. O novo vice-presidente será Alexandre de Moraes.
Mais do que uma simples troca de nomes, a substituição no comando da Corte marca um confronto de estilos, com a ascensão de um ministro muito menos afeito aos holofotes.
Se Barroso é habitué de eventos e entrevistas, Fachin é reservado e discreto. Sempre rejeitou os convescotes da alta magistratura e preferiu falar nos autos, em contraposição a colegas que não hesitam em comentar publicamente os temas candentes da vida brasileira.
A posse do novo presidente ocorre exatos 18 dias depois de a Primeira Turma — da qual Fachin não faz parte — condenar Jair Bolsonaro (PL) e mais sete integrantes do núcleo crucial da tentativa de golpe de Estado. A inédita responsabilização criminal de um ex-presidente e de militares graúdos por uma conspiração é, por óbvio, uma das grandes marcas do STF no biênio de Barroso presidente.
Agora, Fachin assume o tribunal às vésperas do julgamento dos outros núcleos da trama golpista e em meio à articulação bolsonarista por uma anistia — considerada desde já inconstitucional por vários ministros. Ele também será o presidente do STF durante o processo eleitoral de 2026, que mais uma vez se anuncia profundamente acirrado.
Na biografia de Barroso à frente do Supremo também constam os julgamentos que levaram à descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, à responsabilização das big techs por conteúdos de usuários e ao reconhecimento da massiva violação de direitos no sistema carcerário. Não enfrentou, contudo, temas como a descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação.
Também tentou defender a Justiça das críticas sobre as crescentes despesas e os supersalários — chegou a dizer que as reclamações são muitas vezes “supervalorizadas” e “injustas”. Segundo dados divulgados na última terça-feira 23 pelo Conselho Nacional de Justiça, os gastos totais do Judiciário em 2024 chegaram a 146,5 bilhões de reais, um aumento de 5,5% frente ao ano anterior, considerando valores já corrigidos pela inflação. O montante equivale a 1,2% do PIB e a 2,45% dos gastos de União, estados, Distrito Federal e municípios.
Ao anunciar as cifras, Barroso afirmou que o Judiciário custa caro, mas vale muito. Trata-se, de acordo com ele, da instituição “de maior capilaridade no País”, com 18,5 mil juízes para prestar “o serviço valioso de ter o Estado brasileiro em 6 mil municípios”. Essa defesa intransigente da classe é um dos símbolos da presidência de Barroso.
Para o advogado Marcelo Válio, especialista em Direito Constitucional e pós-doutor pela Universidade de Messina, na Itália, Fachin tende a manter a defesa das bases democráticas empunhada por Barroso, mas com uma roupagem mais formal, reservada e acadêmica.
“Fachin tem um estilo mais tecnicista e até com alguma timidez. Não terá o cuidado de decifrar decisões para o povo em geral, diante de seu formalismo e de sua rigidez na linguagem jurídica”, projeta.
De fato, Barroso lançou, no fim de 2023, o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, a fim de tornar as decisões mais compreensíveis. Na ocasião, alegou que boa parte das críticas que os magistrados recebem decorre da falta de inclusão da sociedade no debate.
De acordo com o professor de Direito Constitucional Daniel Capecchi Nunes, esse pacto é um dos principais legados de Barroso. O advogado, autor do recém-lançado Promessa Constitucional e Crise Democrática: O Populismo Autoritário e a Constituição de 1988, endossa a estimativa de que a presidência de Fachin tende a ser mais discreta frente a um antecessor de grande exposição midiática.
Do ponto de vista jurídico, diz Cappechi, Fachin é reconhecido pelo compromisso com causas emancipatórias, com a defesa dos direitos fundamentais e com uma leitura institucional que valoriza os limites de atuação do Judiciário no sistema de freios e contrapesos.
Teste de fogo
Haverá um teste de fogo logo de cara: o ministro terá de lidar com a instabilidade na relação entre os Poderes, turbinada pela interminável ofensiva da extrema-direita contra o Judiciário.
“Seu estilo discreto pode ser útil nesses contextos”, diz Cappechi. “Terá de conduzir o Supremo em meio a ataques institucionais persistentes e com as consequências de processos de enorme repercussão, como o julgamento de Bolsonaro.”
Embora a análise de recursos dos condenados pelo golpe ocorra na Primeira Turma, caberá a Fachin respaldar a competência da Corte e a legalidade dos processos. Barroso, por exemplo, fez questão de acompanhar a reta final da sessão que condenou Bolsonaro e proferiu um discurso no encerramento dos trabalhos.
Barroso durante o encerramento do julgamento de Bolsonaro na Primeira Turma do STF. O ministro não integra o colegiado, mas fez questão, como presidente da Corte, de proferir um discurso na sessão que condenou o ex-presidente e militares graúdos. Foto: Antonio Augusto/STF
Lava Jato
Após tomar posse na presidência, Fachin deixará a relatoria de casos ligados à Lava Jato. Embora o reconhecimento da incompetência e da parcialidade do ex-juiz Sergio Moro e a revelação dos diálogos entre procuradores do Ministério Público Federal tenham implodido a operação, há resquícios em processos de antigos alvos e delatores.
Edson Fachin assumiu as ações da Lava Jato depois da morte do ministro Teori Zavascki, em 2017, e mostrou alinhamento com Moro e MPF. Em 2018, como relator, deu o primeiro dos seis votos no plenário para negar um habeas corpus preventivo que poderia evitar a prisão de Lula (PT).
Já em março de 2021, Fachin anulou todas as condenações do petista, por considerar incompetente a 13ª Vara Federal de Curitiba (PR). Aquela decisão poderia enterrar os processos que buscavam declarar também a parcialidade de Moro, mas a Segunda Turma e, posteriormente, o plenário consideraram o ex-juiz suspeito — com Fachin vencido.
A relatoria dos casos remanescentes da Lava Jato seguirá para Barroso, que também herdará a ação conhecida como ADPF das Favelas. Fachin, por sua vez, deve permanecer à frente do rumoroso processo da “uberização” — sobre o vínculo entre motoristas e aplicativos — e de casos sobre povos indígenas, inclusive a respeito do Marco Temporal.
Inaugura-se nesta segunda-feira, portanto, um período em que o presidente do STF tentará conferir austeridade e comedimento à gestão da mais alta Corte brasileira. Por outro lado, processos barulhentos como as ações penais da tentativa de golpe e a reação a uma eventual anistia devem manter as câmeras e os microfones voltados para os ministros. A conjuntura política dos próximos dois anos moldará a presidência de Edson Fachin e ditará o triunfo ou o fracasso de sua sobriedade.
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