Justiça

Barroso assume o STF em drástico contraste com Rosa. O que esperar de seu mandato?

Avessa aos holofotes e aos convescotes, a ministra sempre preferiu se manifestar nos autos. O novo presidente, porém, tem postura diametralmente oposta

O novo presidente do STF, Luís Roberto Barroso. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
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Nesta quinta-feira 28, o ministro Luís Roberto Barroso assume a presidência do Supremo Tribunal Federal. Substitui Rosa Weber, cuja aposentadoria compulsória se aproxima. Não se trata, porém, de mera troca guarda, e sim de uma significativa mudança de estilo.

Avessa à imprensa, à articulação política e aos convescotes entre juízes, Rosa comandou a Corte preferindo se manifestar nos autos dos processos. Já Barroso tem postura diametralmente oposta – o que o transformou em um dos alvos preferenciais da direita e da extrema-direita bolsonarista.

O ataque mais recente envolveu a participação do ministro em um congresso da União Nacional dos Estudantes, em julho, evento no qual afirmou: “Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo [em 2022] para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”.

Em imediata reação, parlamentares bolsonaristas pediram o impeachment de Barroso, sob o argumento de que o magistrado exerceu atividade político-partidária e cometera crime de responsabilidade. O processo não avançou, mas mostra o tamanho da antipatia de uma parcela do Congresso com o ministro.

As ressalvas a Barroso, contudo, não se limitam à direita. Instantes antes de proferir a fatídica declaração no evento da UNE, o ministro foi vaiado por estudantes que contestavam sua postura em relação ao piso salarial da enfermagem (Barroso foi contra) e durante a queda de Dilma Rousseff, em 2016.

Para Lenio Streck, professor de Direito Constitucional na Unisinos, há notáveis diferenças entre Rosa e Barroso. Nos últimos anos, destaca, a ministra deu prioridade a pautas ligadas a questões de gênero, sexualidade e raça, “como que tentando se recuperar do voto dado contra o habeas corpus de Lula”, em 2018.

Barroso, avalia Streck, “tem um estilo mais arrojado e tentará deixar a sua marca”, a exemplo do que faz Gilmar Mendes. “Levando em conta o perfil do novo presidente, teremos alterações de procedimentos de julgamentos”, aposta. O jurista prevê também que pautas caras ao ministro, como segurança pública e redes sociais, ganhem prioridade.

“Não esqueçamos que a pauta é um poder discricionário do presidente”, lembra. “A pauta acaba sendo o espelho de seu perfil.”

Barroso deve ainda tentar aparar arestas com o Poder Legislativo, que vem carregando a artilharia contra um suposto intervencionismo do Supremo. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vem apostando, por exemplo, em uma PEC para criminalizar o porte de qualquer quantidade de droga, ao mesmo tempo em que o STF julga a descriminalização da maconha para consumo pessoal.

Para Marco Aurélio de Carvalho, advogado e coordenador do grupo Prerrogativas, o mandato de Barroso tende a ser positivo para devolver a institucionalidade necessária ao STF, a partir do trabalho já realizado por Rosa.

A gente realmente espera que o Barroso ajude os poderes a voltarem para suas caixinhas“, diz. “E ele tem toda a condição de fazer isso.”

Uma das possíveis mudanças procedimentais a serem adotadas sob a presidência de Barroso diz respeito às sustentações orais. Atualmente, em julgamentos no plenário, os ministros proferem seus votos logo após os advogados apresentarem seus argumentos, o que gera críticas sobre um suposto jogo de “cartas marcadas”.

A tendência é que o ministro abra um prazo de algumas semanas entre as sustentações e o início do julgamento, permitindo que os ministros tenham tempo de compreender as teses dos advogados e considerá-las em seus votos.

O advogado Marcelo Válio, especialista em Direito Constitucional, espera “uma atuação muito forte” de Barroso no comando do STF.

“Ele próprio chama de ’empurrar a história’, aplicar no País o que ele define como um ‘choque de Iluminismo'”, diz Válio. “Ele é pacificador, mas pautado na democracia. É intolerante aos não-democráticos e apoia muito o combate a desigualdades e à pobreza.”

Barroso toma posse a partir das 16h desta quinta, em uma sessão solene no plenário do Supremo, com cerca de 1,2 mil convidados. Na mesma sessão, o ministro Edson Fachin assumirá a vice-presidência. Caberá a Maria Bethânia cantar o Hino Nacional.

Inimigo do bolsonarismo? Relembre o histórico de embates

Afirmações como a do congresso da UNE não são caso isolado na história de Barroso. Nos últimos anos, houve outros episódios em que ele e bolsonaristas entraram em rota de colisão. Uma dos entreveros mais emblemáticos ocorreu em novembro do ano passado, em Nova York. Na ocasião, Barroso foi hostilizado por um bolsonarista, que o questionou sobre o código-fonte das urnas eletrônicas.

“Perdeu, mané, não amola”, devolveu o juiz. Dias depois, Barroso disse “lamentar” o episódio, mas garantiu não ter se arrependido da resposta.

Também circula pelas redes sociais uma fake news que atribui a Barroso a frase “eleição não se ganha, se toma”. Como é praxe na atuação da extrema-direita na internet, trata-se de uma descontextualização.

Em 8 de junho de 2021, Barroso recebeu no Tribunal Superior Eleitoral – do qual era presidente – um grupo de parlamentares, entre eles Mecias de Jesus, senador por Roraima. Na ocasião, o congressista disse ao ministro que, por duas vezes, teria ganho eleições em seu estado, mas que “as eleições lhe foram tomadas”. Daí a origem da frase.

Ao comparecer à Câmara um dia depois, Barroso narrou a deputados história que ouviu do senador e repetiu a passagem que a resumia: “Eleição em Roraima não se ganha, se toma”.

Não foram, porém, apenas bolsonaristas desconhecidos os agressores de Barroso. O próprio Jair Bolsonaro dirigiu um amplo leque de impropérios ao ministro ao longo de seus anos no Planalto.

Em junho de 2022, por exemplo, o então presidente chamou o magistrado de “mentiroso” e “sem caráter” por afirmar que ele havia divulgado informações de um inquérito sigiloso sobre um ataque hacker ao TSE. A propagação ilegal de detalhes da investigação por Bolsonaro foi atestada pela Polícia Federal.

Meses antes, Bolsonaro já havia acusado Barroso de “ameaçar” a liberdade de expressão no Brasil, por defender a regulação das redes sociais. O ex-capitão também alegou em diferentes ocasiões que o ministro teria agido para enterrar no Congresso a PEC do Voto Impresso, uma das obsessões de conspiracionistas da extrema-direita.

Antes disso, em 2021, Jair Bolsonaro ofendeu Barroso por conta de sua oposição ao voto impresso.

“Daí vem o Barroso com a história esfarrapada dele, dizer que o voto em papel, que se o João for votar lá no interior do Ceará e gripou a maquininha. Podem gripar, sim, daí o mesário vai lá e vai ver que o João votou em tais candidatos. ‘Isso desqualifica as eleições porque fere o sigilo do voto.’ É uma resposta de um imbecil. Eu lamento falar isso de uma autoridade do STF. Só um idiota para fazer isso aí”, disparou, na ocasião.

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