Esporte

Quando o empregador não defende seu ativo: o caso de racismo contra Vini Jr. e a omissão das entidades espanholas

“Sou forte e vou até o fim contra os racistas, mesmo que longe daqui”, desabafou Vinicius Junior neste domingo

Vinícius Jr. Foto: X/Reprodução
Apoie Siga-nos no

O atacante brasileiro Vinicius Junior, que atua pelo Real Madrid, da Espanha, foi vítima de mais uma ação racista em estádios hispânicos, neste domingo 21.

Durante a derrota da equipe dele para o Valencia por 1 a 0, no Estádio Mestalla, casa dos adversários, Vini escutou insultos racistas e gritos de ‘macaco’ vindos das arquibancadas.

Durante o segundo tempo da partida, Vinicius denunciou os insultos ao árbitro Ricardo De Burgos Bengoetxea, que interrompeu o jogo por cerca de oito minutos. No sistema de som do estádio, foi emitido um alerta para que a torcida parasse com o comportamento anti-desportivo.

Pelo protocolo do Campeonato Espanhol, um segundo alerta significaria a suspensão do jogo.

A emissora DAZN, da Espanha, flagrou os insultos recebidos por Vinicius com a bola rolando no Mestalla. Vinicius é chamado de “puto negro”, “filho da puta”, “cachorro”, “puto macaco”, “macaco” e “burro”, pelas imagens da TV. Alguns torcedores ainda imitaram os sons de um macaco.

Durante a interrupção temporária, o técnico merengue, Carlo Ancelotti chegou ouvir do brasileiro que não retornaria ao jogo. Neste momento, o  goleiro Courtois indicou que os insultos ocorriam desde o primeiro tempo.

“Se o Vini dissesse que não jogaria mais, eu sairia com ele. Se ele quiser levar o vermelho depois, tudo bem”, afirmou o goleiro.

O segundo tempo continuou e depois de um desentendimento entre o brasileiro e o goleiro do Valencia, Giorgi Mamardashvili, desencadeou uma briga entre ambos os lados.

Vinicius Jr. acertou o rosto do jogador valenciano Hugo Duro e acabou expulso do jogo após intervenção do VAR. Ao sair do campo, o atacante foi aplaudindo e gesticulando “2” com as mãos – provocação em referência à briga do Valencia contra a segunda divisão.

Jogadores em campo e no banco de reservas, assim como a comissão técnica entraram em campo para tirar satisfação e o brasileiro precisou ser escoltado por jogadores do Real Madrid.

No entanto, os xingamentos racistas não tiveram início apenas com o apito inicial.

Desde a chegada do ônibus da equipe de Madrid ao estádio Mestalla, os torcedores já entoavam cânticos ofensivos chamando o craque brasileiro de “macaco”.

Pelas redes sociais, o atacante brasileiro de manifestou afirmando que não é a primeira fez que é vítima de racismo na Espanha.

Repercussão

Poucas horas após o encerramento do jogo, o Valencia publicou uma nota lamentando a violência sofrida pelo brasileiro. No entanto, o texto em momento algum usa a palavra racismo e aponta se tratar de um “caso isolado”. 

“Embora se trate de um episódio isolado, as ofensas a qualquer jogador da equipa rival não têm lugar no futebol e não se enquadram nos valores e na identidade do Valencia CF”, diz a nota. 

O time ainda aproveitou a oportunidade para a agradecer os mais de 46 mil torcedores presentes no estádio, sem citar o nome do atleta brasileiro ofendido. 

Mais tarde, nesta segunda-feira, o time espanhol informou que identificou dois torcedores que proferiram as ofensas raciais contra Vini Jr. e que os criminosos podem ser banidos dos estádios do país. 

No entanto, relatos e trechos da transmissão televisiva mostram que o jogador não foi agredido por dois indivíduos, como apontou o time valenciano. É possível identificar cânticos entoados por um grande número de pessoas, dizendo a palavra “mono”, como se referem os hispânicos aos macacos. 

“Tanto não se refere a um caso de ofensa individual, que o jogo foi paralisado pelo árbitro. Não se pode minimizar o ocorrido desta maneira”, afirmou o jornalista esportivo, Diego Bonetti. 

Apesar da interrupção momentânea do jogo, após dez minutos de cantos racistas, a súmula do jogo, inicialmente, não trazia qualquer referência sobre o ocorrido. 

Pouco tempo depois, o documento foi atualizado, sendo adicionado que “aos 28 minutos do segundo tempo, houve insultos racistas. Um torcedor que estava no setor sul do estádio se dirigiu a Vinicius Junior e gritou ‘macaco, macaco”, diz a nova redação do texto. 

Ainda que a ata relate apenas este momento, na transmissão é possível identificar sons imitando macaco em jogadas em que o brasileiro esteve envolvido.

O documento também não traz nenhuma informação sobre as conversas entre o árbitro Ricardo De Burgos Bengoetxea e o técnico do Real Madrid, Carlo Ancelotti, sobre a possibilidade de o treinador substituir o atacante diante das várias ofensas racistas. 

Sobre o cartão vermelho dado a Vinicius Junior nos acréscimos da partida, o árbitro relatou que o jogador foi expulso porque “golpeou com seu braço o rosto de um adversário quando a bola não estava em jogo, em meio à confrontação massiva de jogadores dos dois times”.

Imagens obtidas mostram o momento em que o brasileiro recebe um golpe “mata-leão” de um dos jogadores adversários. 

Foto: Reprodução Redes Sociais

O agressor valenciano não foi penalizado. 

Após o ocorrido, o presidente de LaLiga, Javier Tebas, usou as redes sociais para responder às críticas feitas pelo brasileiro.

O dirigente voltou a insinuar que o atacante do Real Madrid exagera nas acusações de negligência do campeonato nos casos de racismo e disse que o atacante não entende a competência da entidade no futebol espanhol.

“Já que aqueles que deveriam não te explicam o que é que LaLiga pode fazer nos casos de racismo, tentamos nós explicarmos, mas você não se apresentou em nenhuma das datas acordadas que você mesmo solicitou. Antes de criticar e injuriar LaLiga, é necessário se informar adequadamente, Vini Jr.”, escreveu Tebas.

Horas depois, Vinicius respondeu Javier Tebas e disse que ele prefere atacá-lo a criticar os racistas das torcidas espanholas. O atleta ainda pontou que a imagem da LaLiga está sendo contaminada com os constantes ataques e negligência das autoridades.

“Mais uma vez, em vez de criticar racistas, o presidente da LaLiga aparece nas redes sociais para me atacar”, escreveu o atleta brasileiro.

Esta não é a primeira vez que Tebas tenta desviar dos holofotes e apontar que Vini Jr. como o agente provocador dos insultos.

Em dezembro, após o brasileiro ser chamado de macaco em um jogo contra o Valladolid, o dirigente alegou que a LaLiga combate a discriminação e falou para o atacante do Real Madrid precisa “se informar melhor”.

Mais agressores

Um dos fatos mais relevantes neste contexto é a posição da mídia espanhola sobre o ocorrido.

Em uma transmissão do programa DirectoGol, dois jornalistas atribuem os ataque à postura do jogador, justificando ser Vini Jr. o causador e o culpado pela situação presenciada no domingo.

Um dos apresentadores afirma que antes da chegada do jogador brasileiro, não haviam casos de racismo no país. Informação errônea, conforme relatos trazidos nesta matéria.

E os comentaristas vão além: eles afirmam que a segurança dos estádios terá problemas caso o jogador “continue assim”.

O que se vê é a mídia hispânica tentando atribuir a culpa pelos abusos racistas a postura do brasileiro, insinuando que o jogador “traz para si” com a forma como joga ou comemora gols.

Essa percepção alimentou o sentimento de ódio que se retroalimenta e que coloca um alvo permanente nas costas do atacante.

“Alguns veículos argentinos também se utilizaram dessa mesma estratégia, que eu também prefiro chamar de mau caratismo, que justifica as agressões como algo que foi provocado. ‘Você não queria ouvir esse tipo de xingamento, não provocasse’, se referindo à postura do Vinícius em campo como postura”, disse Rafael Prado, editor de esportes do Grupo Bandeirantes.

O jornalista ainda pontua a relação do racismo vivido por negros com o colonialismo.

“Não vou entrar aqui no mérito da história espanhola, como de diversos países europeus, mas a gente sabe bem que isso não é de graça, isso vem lá de trás. Se a gente que foi colonizado, ainda perpetua aqui os comportamentos mais racistas do planeta, imagine eles que foram colonizadores”, acrescenta.

Posicionamento do Real Madrid sobre o racismo sofrido por seu atleta

Demorou quase três anos para que o Real Madrid, clube detentor dos direitos econômicos do brasileiro Vinicius Jr., tomasse uma ação mais contundente contra os inúmeros episódios de racismo sofridos pelo jogador.

Desde que ganhou protagonismo no futebol espanhol, Vinicius sofre com insultos, manifestações racistas e agressões nos campos do país europeu.

Segundo a entidade que rege o campeonato nacional, a LaLiga, apresentou denúncia em nove ocasiões nas últimas duas temporadas ante o Comitê de Competições da RFEF, Comissão Estatal contra Violência, Racismo, Xenofobia e Intolerância no Esporte.

O que causa estranheza e incômodo, no entanto, é a falta de proteção do próprio Real Madrid ao seu jogador.

Após o episódio recente, ocorrido no duelo entre Real Madrid e Valencia, no último domingo, no estádio Mestalla, Vinícius pela primeira vez verbalizou a ideia de deixar o clube pelos recorrentes acontecimentos.

Foi necessário o risco de perder um dos maiores ativos do futebol mundial que fez o maior clube do mundo – assim se entitula o Real Madrid – a agir a favor do brasileiro.

E ainda assim, o clube merengue demorou a se posicionar. Duas horas após o término da partida diante do Valencia, o Real Madrid não havia, sequer, emitido qualquer comunicado de repúdio ou apoio ao seu jogador.

Atletas e clubes do Brasil se manifestaram nas redes sociais antes mesmo do empregador do atacante.

“A maior instituição de futebol do planeta não faz nada além do pragmático, nada além do burocrático. O Vinícius contou com apoio só das mídias daqui do Brasil e de alguns jogadores do futebol brasileiro e alguns clubes. O Real Madrid não fez absolutamente nada lá. A LaLiga vive uma guerra civil, mas de forma geral passa pano, falando português bem claro, e torcedores e imprensa de outros países europeus”, disse Prado.

Florentino Perez, presidente do Real Madrid, é figura conhecida, poderosa e com enorme interesse em atrair os holofotes para si. Foi ele quem conduziu a ideia de criar a Super Liga, projeto de competição que buscava reunir os clubes mais poderosos do mundo e excluía aqueles que não participam da elite econômica do futebol europeu.

Agora, nesta segunda-feira, quase 24 horas após o incidente envolvendo Vinicius, o Real Madrid diz que prestou queixa por crime de ódio após os ataques racistas ao brasileiro.

Perez ainda se reuniu com o jogador e prometeu ações contundentes. Segundo ele, o clube irá até as últimas consequências em proteção ao brasileiro.

“Mas a pergunta que permanece é: por que só agora? Foram três anos de insultos ao brasileiro e o maior clube do mundo vendou os olhos. Talvez a resposta esteja no que se refere ao valor de mercado de Vinicius. O jogador brasileiro está avaliado em 120 milhões de euros, segundo o transfer market, veículos especializado em transferências de jogadores”, pontua o especialista em esportes internacionais, Diego Bonetti.

Perder um atleta desse tamanho por omissão seria uma catástrofe na administração merengue. Afinal, é mais caro perder um ativo como Vinicius do que combater o racismo de forma exemplar.

“Fato é que o talento e a rápida ascensão do brasileiro, de apenas 22 anos, incomoda. Hoje, o atacante é o jogador mais perseguido pelos racistas na história do esporte mundial. Não há exemplos tão similares de tantas constância e pessoalidade nos abusos. Assim como, não há registro de tanto esforço para colocar a vítima no lugar do agressor”, afirmou o jornalista esportivo.

O que é importante ressaltar é que a nota publicada pelo Real Madrid, que agora se coloca de uma forma mais contundente contra os ataques sofridos pelo atacante, surgiu como uma reação a declaração de Vinicius Junior colocando em xeque a sua permanência no clube.

Apesar de inúmeras manifestações de apoio ao brasileiro vindos de outros jogadores, chama a atenção uma publicação feita pelo zagueiro do Valencia, o também brasileiro, Gabriel Paulista.

O atleta minimizou os ataques, exaltou o clima no estádio valenciano. “Mestalla você é f*”, escreveu o defensor que não entrou em campo por conta de suspensão automática.

Segundo ele, os torcedores estariam entoando o canto “tonto” e não “mono”, como se referem os espanhóis aos macacos.

“O estádio inteiro chamando uma pessoa de TONTO É BEM DIFERENTE DE MONO!!! E se teve alguém que foi racista tem que pagar sim e a minha postagem foi pela vitória e hoje a torcida foi fundamental pq nós [sic] precisava muito para sair da zona de rebaixamento e quem entende de futebol e sofre por ele sabe o que eu estou falando um abraço a todos”, publicou o jogador paulista.

O zagueiro em histórico de agressão contra Vini Jr. No último enfrentamento entre Real Madrid e Valencia, Gabriel Paulista foi expulso de campo depois de uma entrada dura no atacante madrilenho.

Na ocasião, ele recebeu centenas de críticas nas redes sociais e precisou se desculpar publicamente.

O editor Rafael Prado ainda adiciona mais uma camada na discussão: apesar das inúmeras mensagens em apoio ao jogador brasileiro, em uma rápida busca pela internet é possível achar publicações minimizando a situação, citando diversos outros jogadores que não trouxeram de forma contundente casos vividos de racismo enquanto atletas na Europa.

“Se a gente for fazer um filtro e traçar um mapa do que é a sociedade brasileira, podemos analisar os comentários em redes sociais. Alí você vai ver uma boa parte falando que é o chamado ‘mimimi’. Eu cheguei a ler isso nesse caso do Vinícius, que na época do Rivaldo e do Ronaldinho, eles não reclamavam, e então o problema seria que o Vinícius que é muito chorão”, afirmou.

Para ele, a falta de educação política e o processo de anulação da população negra, assim como suas histórias e lutas, podem explicar o posicionamento dos que criticam o jogador.

“E acho que no caso do Vinicius Jr., ele mostra muito isso, no que se refere à ignorância da sociedade de um modo geral e especialmente no assunto do racismo. A sociedade é muito leiga nesse assunto e obviamente não tem condição alguma de lidar com casos específicos”, acrescentou.

E completa: “Aí você coloca negros contra negros, coloca pretos desacreditando de pardos, coloca negros querendo ser brancos, coloca pardos se dizendo brancos e não se reconhecem como negros.O que você tem é uma diminuição prática desse número, você tem quase 60% de negros num País do tamanho do Brasil, mas desses quase 60% é boa parte desses negros que não querem se considerar negros, não se enxergam assim e se consideram brancos ou apenas jogam contra a própria etnia”.

Exigência de responsabilização

Enquanto alguns tentam relativizar os fatos ocorridos neste domingo, a Espanha vive um silêncio. Patrocinadores dos dois times sequer se manifestaram em notas de repúdio.

Na manhã desta segunda-feira 22, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida se manifestou sobre o caso apontando a conivência das autoridades espanholas com o racismo.

À CNN, o ministro afirmou existir conivência das autoridades espanholas, dos patrocinadores e de parte da imprensa com relação ao caso de racismo contra o jogador Vinícius Júnior, do Real Madrid.

“O silêncio das autoridades, dos patrocinadores, de parte da imprensa, dos outros clubes e da liga espanhola é um silêncio conivente com o racismo”, disse o ministro.

O ministro ainda declarou que o governo brasileiro estuda quais medidas podem ser tomadas em relação ao caso envolvendo o jogador brasileiro.

“Nós precisamos pensar em algo que seja efetivo, chamar as autoridades espanholas e pensar em um conjunto de medidas preventivas e também de responsabilização, porque não é possível que esse tipo de coisa aconteça impunemente”, apontou.

“Tem muita coisa errada acontecendo na Europa, acontecendo no futebol europeu. Se as autoridades continuarem omissas como estão, se nada for feito, eu acho que nós vamos ter um cenário muito grave e que pode transbordar os estádios de futebol”, acrescentou.

Histórico abusador espanhol

Infelizmente, esta não foi a primeira vez que o craque brasileiro sofreu insultos no país.

Em outubro de 2021, durante partida entre o Real Madrid e o Barcelona, Vini Jr. foi xingado de “macaco” pela torcida ao ser substituído.

Em março de 2022 a transmissão da televisão espanhola flagrou torcedores pedindo para o atacante “pegar bananas”.

O caso mais emblemático talvez seja quando torcedores do Atlético de Madrid penduraram um boneco, que simulava Vini Jr., enforcado em uma ponte na cidade de Madrid.

Na ocasião, a LaLiga e a Federação Espanhola apenas emitiram notas de repúdio, mas nenhuma medida drástica foi tomada.

Em uma partida em fevereiro, o atacante foi alvo de ataques racistas e ameaças de morte, conforme relatado pelo goleiro do Real Madrid, Thibaut Courtois.

“Chamaram ele de filho da p*** no minuto do silêncio, cantaram ‘morra, Vinicius”. Você vê pais com os filhos… A atmosfera desses campos é legal de jogar, mas sem essas bobagens”, disse.

No caso de Vini Jr., não só os torcedores foram os responsáveis pelos ataques, como também a mídia.

No fim de 2022, o atleta foi duramente criticado por jornalistas espanhóis que atacavam as  danças de Vini Jr. em campo e pediu para ele “parar de fazer macaquices”.

Cansado dos ataques, o jogador já se manifestou diversas vezes pelas redes sociais sobre o tema.

“Os racistas seguem indo aos estádios e assistindo ao maior clube do mundo de perto e a LaLiga segue sem fazer nada. Seguirei de cabeça erguida e comemorando as minhas vitórias e do Madrid. No final a culpa é minha”, publicou em dezembro do ano passado.

Embora não faltem relatos, a Federação Espanhola de Futebol não adotou nenhuma postura contra os casos de racismo, ficando omissa quanto ao tema.

Assim como o fato ocorrido no último fim de semana não pode ser considerado um fato isolado no futebol espanhol, Vini Jr. também não foi a única vítima de racismo no país.

Um dos casos mais emblemáticos de ataques racistas por parte dos torcedores espanhóis aconteceu em 2014, com o lateral brasileiro Daniel Alves. Na ocasião, apoiadores do Villarreal atiraram uma banana contra o atleta.

Alves, em vez de mostrar descontentamento, respondeu ao insulto de maneira inusitada: ao se preparar para cobrar um escanteio, o jogador se abaixou, pegou uma das bananas, comeu e continuou jogando como se nada houvesse acontecido.

O relato do ex-jogador do Barcelona também reforça que o que tem ocorrido com o colega não é um “fato isolado” como defendem os hispânicos.

“Estou na Espanha há 11 anos e há 11 anos é dessa maneira. Temos de rir dessa gente atrasada”, disse à época.

Naquele mesmo ano, torcedores do clube catalão Espanyol emitiram sons de macacos e jogaram uma casca de banana no campo para tentar desestabilizar os jogadores brasileiros em campo, como o atacante Neymar.

O ex-jogador do Santos ainda foi alvo de racismo por parte dos torcedores espanhóis diversas outras oportunidades.

Em 2016, cânticos racistas foram ouvidos no dérbi da Catalunha entre o Barcelona e o Espanyol.

E não apenas brasileiros sofrem dentro dos campos hispânicos.

Durante uma rodada da LaLiga em 2021, o jogador do Cádiz, Juan Cala, proferiu insultos racistas contra atleta negro francês Mouctar Diakhaby. Após a confusão, os jogadores do Valencia se retiraram do gramado durante a partida em apoio ao companheiro.

Como a Espanha lida com o racismo

Apesar de jogadores apontaram e necessidade de punição contra torcedores e times por casos de racismo em campo, dos últimos 10 casos envolvendo Vini Jr., em nenhum deles houve punição pelo crime praticado.

Ainda que o regulamento do campeonato preveja a aplicação de multa e suspensão mínima de quatro partidas e até banimento do futebol de dois a cinco anos, dificilmente os times ou autores das ofensas são sancionados.

No entanto, para que haja responsabilização no caso espanhol, é necessário que se acione o sistema Judiciário do país, o que pode tornar a punição lenta e burocráticas.

Em um dos casos cometidos contra o brasileiro, uma investigação criminal espanhola que apurava gritos racistas de “você é um macaco, Vinícius, você é um macaco”, dirigidos ao atleta antes e durante a partida do Real contra o Atlético em 18 de setembro de 2022, o promotor local de Madrid decidiu por arquivar o inquérito por considerar que os cânticos configuravam eram apenas “desagradáveis e desrespeitosos”, mas que estavam inseridos dentro de um contexto de máxima rivalidade.

Tais fatos demonstram a falta de interesse ou ausência de compreensão da gravidade que envolvem os ataques racistas a atletas, bem como a estrutura preconceituosa desenvolvida ao longo de anos na Espanha.

Não existe, por parte das entidade, a concreta percepção do impacto que o esporte tem na sociedade, tendo como consequência um padrão de comportamento negativo a ser reforçado.

No total, desde janeiro de 2020, a LaLiga apontou existirem 12 casos de práticas racistas contra jogadores no campeonato. Dos casos, oito tem como vítima Vinicius Jr. Destes, quatro foram arquivados sem que houvesse nenhuma punição.

Conforme levantamento do Escritório de Instituições Democráticas e Direitos Humanos, órgão responsável pelo registro dos crimes de ódio na Espanha, apenas em 2021 houve 1.802 crimes desta natureza catalogados pela polícia. Destes, 192 foram analisados pela Justiça hispânica e apenas 91 foram concluídos com sentença condenatória.

Ainda que seja permitido aos clubes espanhóis tomarem medidas contra qualquer torcedor que acreditem ser culpado de direcionar abusos aos jogadores, nesta temporada somente o Valladolid impôs punições, suspendendo os ingressos de temporada de uma dezena de integrantes que identificou com a ajuda da polícia.

Em nota, o time afirmou que os eventos ocorridos foram “tipificados como racistas e intolerantes”, mas que “não considera seus torcedores racistas”.

Outros países da Europa incluiram em seus regulamentos diversos mecanismos para coibir e repreender abusos racistas.

Ao contrário da Espanha, na Inglaterra, a Premier League e a Associação inglesa de Futebol têm a autoridade de punir clubes e torcedores por incidentes nos estádio.

No caso mais recente no país do rei Charles III, um torcedor recebeu uma suspensão de três anos, depois de ele ter gritado uma calúnia racista contra Raheem Sterling, do Chelsea. A punição foi determinada apenas três meses após o ocorrido.

Apesar dos notórios casos de racismo na Europa, o Brasil presencia um aumento de casos de racismo no futebol.

O Relatório da Discriminação Racial no Futebol de 2021 aponta 64 casos ocorridos em 2012 no País. Se incluídos também episódios de LGBTfobia, machismo e xenofobia, são 109.

O documento elaborado pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol e pelo Museu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul mostra que há uma tendência de alta da perpetuação dos crimes no Brasil, principalmente os cometidos por meio das redes sociais.

“As denúncias que recebemos de redes sociais não colocamos. Só o que foi noticiado pela imprensa. Esses casos de internet podem ser perigosos. Pode ser montagem, pode ser torcedor rivalizando com outro. Mas a gente sabe que, se for olhar com lupa, os números serão muito maiores”, afirma Marcelo Carvalho, diretor do Observatório do Racismo no Futebol.

O levantamento ainda apurou casos envolvendo jogadores brasileiros no exterior.

Dos 74 casos de racismo no Brasil e no exterior, em 44 o agressor é um torcedor ou grupo de torcedores, seis partiram de outro atleta, em cinco a origem é um dirigente de clube, seis nasceram de membros da comissão técnica ou funcionário do estádio, sete são de autoria de um ou mais jornalistas, um foi de treinador, um de cônsul oficial que representava equipe no exterior, um de influenciador digital e outros três do próprio poder público.

Assim como na Espanha, a punição brasileira também deixa a desejar. Entre todos os casos registrados pelo relatório, apenas em um ocorreu perda de pontos definitiva para algum clube. O caso foi registrado em um torneio amador.

Apesar dos números contidos no relatório, a realidade é ainda muito mais cruel.

“Recebemos contatos de jogadores. O mais triste nesses casos é não tornar isso público. Eles querem apenas desabafar, dizem estar se sentindo péssimos, mas não querem denunciar porque não são respaldados por ninguém. O clube não respalda, a federação não respalda. Isso é muito frustrante porque não conseguimos ajudá-los”, finaliza o diretor do Observatório.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo