Entrevistas

O clima na Rússia e os impactos imediatos da morte de Navalny, segundo historiador em Moscou

O opositor de Putin morreu nesta sexta, aos 47 anos, em uma prisão do Ártico onde cumpria uma pena de 19 anos

Alexei Navalny, em registro de 7 de julho de 2017, e Vladimir Putin, em 15 de fevereiro de 2024. Fotos: AFP/THIS IS NAVALNY PROJECT/EVGENY FELDMAN
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Alexei Navalny teve importância em dado momento na oposição ao presidente Vladimir Putin, mas sua morte não deve ter impacto significativo sobre a política interna da Rússia. A avaliação é do historiador brasileiro Rodrigo Ianhez, especialista no período soviético que mora em Moscou há mais de uma década.

Mesmo assim, a Promotoria da capital russa alertou nesta sexta-feira 16 que a população não deve sair às ruas para protestar. “Organizar ou realizar manifestações não autorizadas, convocá-las e participar delas é uma infração administrativa”, diz o comunicado do órgão.

Navalny morreu nesta sexta, aos 47 anos, em uma prisão do Ártico onde cumpria uma pena de 19 anos. A morte ocorre a um mês da eleição que garantirá um novo mandato a Putin.

“Em 16 de fevereiro de 2024, no centro penitenciário N°3, o prisioneiro Navalny A.A. passou mal após uma caminhada e quase imediatamente perdeu a consciência”, informou o serviço penitenciário da região de Yamal. “Todas as medidas de reanimação necessárias foram realizadas, mas não apresentaram resultados positivos.”

Potências ocidentais, como Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido, lamentaram a morte de Navalny. O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse que a Rússia terá de responder a “perguntas sérias” sobre o episódio. Já o chefe da diplomacia norte-americana, Anthony Blinken, afirmou que a Rússia é “responsável” pela morte.

Moscou, por sua vez, rejeitou as declarações de Blinken. “Em vez de fazer acusações grosseiras, valeria mais dar demonstrações de moderação e aguardar os resultados oficiais da investigação médica”, reagiu o Ministério das Relações Exteriores.

Em entrevista a CartaCapital nesta sexta, Rodrigo Ianhez afirmou que Navalny foi mais celebrado no Ocidente do que na Rússia.

Confira os destaques da entrevista:

CartaCapital: Qual foi o clima em Moscou nesta sexta, após a morte de Navalny?

Rodrigo Ianhez: O clima, na realidade, foi bem tranquilo. O fato é que os russos não tendem a se abalar muito com esse tipo de acontecimento. Quando houve o avanço do grupo Wagner em direção a Moscou, as pessoas estavam nas praças, indo aos teatros, vida absolutamente normal em uma situação que potencialmente afetaria muito mais diretamente as pessoas. Uma notícia como essa não altera o clima da cidade.

Além disso, há um certo exagero da importância da figura do Navalny entre a oposição russa. É claro que ele teve a sua importância, mas havia uma tendência de ele ser mais celebrado no Ocidente do que aqui mesmo. Pesquisas realizadas, por exemplo, pelo Levada Center, que é um centro identificado com a oposição, apontavam uma popularidade muito pequena nas ocasiões em que houve a possibilidade de ele se candidatar — as intenções de voto eram irrisórias, de 2%.

Mas, sem dúvida, era uma figura que chamou muito a atenção por causa dessa trajetória, por causa do episódio da acusação de envenenamento e de todas essas situações. Em algum momento, ele teve um papel de destaque em uma oposição que, na realidade, não tem muitos nomes.

CC: Quais os prováveis impactos externos da morte de Navalny?

RI: Nas relações exteriores, já estamos observando uma série de declarações por parte do Ocidente criticando a Rússia, com acusações quase diretas pela morte do Navalny, o que os russos têm respondido com uma crítica bastante contundente no sentido de que não há informações e já estão sendo tratados como culpados por um suposto assassinato.

Mas, é claro, ele era um preso sob os cuidados do sistema carcerário russo, um homem de 47 anos. Nas atuais condições e à luz da suposta tentativa de envenenamento dele, tudo fica muito mais nebuloso.

CC: Há alguma consequência esperada na política interna?

RI: Na política interna, não acredito que mude muita coisa. Politicamente, ele já tinha sido neutralizado, pelo menos desde 2020. Os últimos protestos que em nome de Navalny ocorreram em 2020 e, mesmo assim, foram bem mais modestos do que os que ocorreram em 2011, por exemplo.

Ele não é a primeira figura de oposição que morre em circunstâncias no mínimo complicadas. Acho que o caso mais icônico da última década é o do [Boris] Nemtsov, que morreu assassinado a poucos metros do Kremlin, bem no centro de Moscou.

Não temos nenhuma novidade aí — inclusive, a morte do Navalny, nesse aspecto, é menos dramática que a do Nemtsov, que foi morto a tiros em uma ponte que dá na Praça Vermelha.

CC: Quem, de fato, foi Navalny, em meio a tantas controvérsias sobre sua trajetória?

RI: Apesar de ter representado essa oposição ao Putin, Navalny não se opunha ao Putin em determinados temas polêmicos. Ele já se declarou favorável, por exemplo, à ação russa na Geórgia, em 2008, e teve uma posição ambígua em relação à Crimeia em 2014. Sempre se apresentou como um nacionalista russo e, nesse aspecto, não era diferente do Putin.

Ele teve uma proximidade muito grande com grupos identificados com um extremo nacionalismo russo, pode-se dizer até mesmo um fascismo russo. Participou de eventos como a Marcha Russa, que era uma agremiação de extrema-direita que realizava marchas aqui em Moscou.

Navalny protagonizou uma propaganda política na qual comparava imigrantes, principalmente da Ásia Central e islâmicos, com baratas e moscas. Nessa propaganda, ele dava um tiro em uma mulher de burca, algo no mínimo de mau gosto e com tons bastante xenofóbicos, para não dizer racistas.

Então, era uma figura absolutamente controversa. Porém, com o passar dos anos, como conseguiu chamar a atenção no Ocidente por meio de seu canal de YouTube. E a figura dele acabou sendo de certa forma reabilitada. No Ocidente, pouco se comentava esse aspecto controverso das ideias do Navalny.

Mais recentemente, ele tentou se dissociar, até certo ponto, desse ultranacionalismo que marcou a sua atividade política nos anos 2000.

CC: Vivo, ele teria alguma influência na eleição deste ano?

RI: Eu diria que não. Mesmo nas últimas eleições, a maior influência que ele teve foi apoiar um projeto que se chamava Voto Inteligente, que era basicamente um software que calculava qual candidato tinha mais chances de se eleger contra um candidato do partido do governo, do Rússia Unida.

Foi um sistema que beneficiou partidos que não são exatamente de oposição, como era o Partido Liberal Democrata, do falecido [Vladimir] Zhirinovsky, e o Partido Comunista, do [Guennadi] Ziuganov. Não são partidos realmente de oposição, mas se beneficiaram muito desse programa que o Navalny apoiou como uma tentativa de diminuir a representatividade do Rússia Unida nos parlamentos do país.

CC: Quais são, então, as principais figuras de oposição a Putin?

RI: Atualmente, não conseguimos nomear basicamente ninguém de real destaque.

Houve um desmonte verdadeiro da oposição, muita gente foi implicada em questões criminais, muita gente abandonou o país depois da guerra. Gente tanto do campo liberal quanto da esquerda, até pessoas identificadas com grupos comunistas de dentro e de fora do Partido Comunista da Federação Russa.

Eu não conseguiria dizer nenhum nome.

Houve dois candidatos que tentaram realmente fazer uma plataforma “antiputinista”, mas eles foram impedidos de se candidatar à Presidência, de modo que a oposição está bastante desmontada.

Há muita gente fora do país. Entre os que ficaram, há os que estão sob uma intensa pressão jurídica e outros simplesmente estão desmobilizados. Realmente é difícil apontar para grandes figuras de oposição.

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