Entrevistas

‘Não há nenhum problema’, diz Marivaldo Pereira, integrante do PSOL que comporá ministério de Lula

Ex-presidente do partido no DF, o advogado chefiará a inédita Secretaria de Acesso à Justiça na pasta comandada por Flávio Dino

O novo secretário de Acesso à Justiça, Marivaldo Pereira, do PSOL do Distrito Federal. Foto: Reprodução
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Presidente do PSOL no Distrito Federal entre o fim de 2021 e o início de 2022, o advogado e auditor federal Marivaldo Pereira será chefe de uma secretaria inédita no Ministério da Justiça: a Secretaria de Acesso à Justiça.

O novo órgão, segundo ele, servirá como um canal de diálogo da Justiça com outros ministérios e com os movimentos sociais. “A gente vai ter uma Comissão Nacional de Mediação de Conflitos, essa é uma das instâncias que já estão planejadas em parceria com os demais ministérios”, explica.

Em entrevista a CartaCapital, o jurista de 43 anos afirma que um dos seus planos na Secretaria é constituir uma Comissão Nacional de Mediação de Conflitos, para atuar, prioritariamente, em casos que envolvam a posse da terra urbana e rural.

Pereira é crítico à forma como se deram alguns processos de reintegração de posse durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e diz que o Ministério da Justiça voltará a ter protagonismo nesse âmbito.

Além disso, a sua Secretaria deve promover fóruns permanentes, recriar conselhos e propor políticas públicas para acelerar impasses judiciais sobre concessão de benefícios sociais e lutar contra o racismo e o morticínio da população negra. “A secretaria, desde o seu primeiro dia, estará assumindo protagonismo para buscar medidas que reduzam a letalidade policial e que contribuam para uma segurança cidadã.”

Flávio Dino, futuro ministro da Justiça, ao lado de um dos seus secretários, Marivaldo Pereira. Foto: Reprodução

Questionado sobre a sua participação no governo, após o PSOL ter anunciado em resolução que não comporia a gestão de Lula, Pereira argumenta que o seu partido não proibiu que filiados trabalhem para o petista.

Segundo ele, outros filiados do PSOL serão convidados a ocupar espaços o governo e ‘certamente estarão presentes’. Na opinião do advogado, seus companheiros de legenda têm “consciência” da necessidade de consolidar o sistema democrático e de interromper o avanço do bolsonarismo.

A decisão do PSOL foi tomada depois de uma reunião em 17 de dezembro. O texto diz que o partido vai compor a base de Lula no Congresso, mas que “não terá cargos na gestão que se inicia”.

O documento diz que a legenda deve respeitar uma eventual indicação da deputada eleita Sônia Guajajara (PSOL-SP) ao Ministério dos Povos Originários. Além disso, a sigla alerta que os demais filiados que optarem por ocupar funções no governo “devem se licenciar dos espaços de direção partidária”.

“A eventual presença nesses espaços não representa participação do PSOL”, diz o texto.

Confira a seguir.

CartaCapital: O que foi desmontado na área do acesso à Justiça?

Marivaldo Pereira: Políticas para a inclusão social da população mais pobre, historicamente excluída, negra e indígena, das mulheres, mães de famílias, foram desmontadas na gestão Bolsonaro. Com um raio-X no Orçamento, você vai ver que o dinheiro destinado para a promoção da igualdade racial acabou. As instituições criadas para a preservação da cultura negra, as políticas de proteção às mulheres e contra a violência de gênero, as políticas de proteção à população LGBTQIA+, em termos de orçamento e de estrutura institucional, tudo isso foi desmontado.

Isso aconteceu também na política de acesso à Justiça. A gente está falando exatamente do acesso desses grupos ao sistema de Justiça. É o grupo que tem mais dificuldades em obter informações, em conseguir atendimento e que tem os direitos constantemente violados, sejam eles da perspectiva coletiva, como o caso das reintegrações de posse, sejam da perspectiva individual, como o caso de centenas de milhares de mães negras, chefes de família, que recorreram ao CRAS para conseguir o Auxílio Brasil e que não conseguiram atendimento. No Distrito Federal, a gente teve o caso de uma mãe que faleceu na fila do CRAS, buscando esse tipo de atendimento.

Retomar uma política de acesso à Justiça é voltar a olhar para o direito que é garantido na Constituição, mas que por algum motivo é violado, o que traz várias consequências.

CC: Quais medidas são urgentes para a Secretaria?

MP: Uma delas é o Ministério da Justiça ter protagonismo na condução da mediação de conflitos coletivos pela posse da terra urbana e rural. O Supremo tomou uma decisão importante, durante a pandemia, impedindo a realização de reintegrações de posse, entendendo que o simples cumprimento dessas decisões, sem cuidado prévio do Estado, não resultaria na proteção de direitos, mas na disseminação da violação de direitos.

A primeira coisa é o Ministério da Justiça buscar interlocução com os demais órgãos da Esplanada e também com o sistema de Justiça e os entes federados para buscar mecanismos de mediação desses conflitos. Outro caminho é buscar a redução da litigiosidade, porque a gente assiste a uma litigância grande em relação a benefícios socioassistenciais e previdenciários. Milhares de pessoas estão na Justiça buscando por um direito e não conseguem ser atendidas pelo excesso de litigiosidade que acaba fazendo com que as decisões demorem.

Mas nenhuma dessas medidas é tão importante quanto a pauta da interrupção do extermínio da juventude negra. Isso é um problema que afeta o sistema de Justiça e o sistema de Segurança Pública. A secretaria, desde o seu primeiro dia, estará assumindo protagonismo para buscar medidas que reduzam a letalidade policial e que contribuam para uma segurança cidadã.

A gente vai debater a criação de incentivos e medidas para que os estados adotem políticas como as câmeras nos uniformes, que vêm sendo implementadas em alguns entes, como em São Paulo. Essa é uma medida muito importante, porque além de qualificar a instrução processual, ela ajuda na redução da letalidade policial. Acredito que ninguém tenha qualquer tipo de objeção, porque, quando o policial atua, ele atua em nome do Estado e deve atuar com o máximo de transparência.

CC: Como o diálogo da Secretaria com os movimentos sociais vai se dar na prática?

MP: O diálogo vai ser uma marca desse governo, em todos os ministérios. A ideia é que a Secretaria faça articulação com os outros ministérios que guardam relação com os temas da Secretaria, como Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, para que a gente construa uma pauta conjunta com o movimento social e se articule para a sua implementação.

A gente vai ter uma Comissão Nacional de Mediação de Conflitos, essa é uma das instâncias que já estão planejadas em parceria com os demais ministérios, onde a gente vai ter ampla participação dos movimentos sociais. Certamente, a gente vai pensar alguns fóruns permanentes. E a gente tem vários conselhos do Ministério da Justiça, entre eles, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. São instrumentos de participação social que foram desmontados durante o governo Bolsonaro. Esses conselhos serão retomados, fortalecidos, e outros poderão ser criados.

CC: O futuro ministro Flávio Dino disse que não há o que temer em relação às mobilizações bolsonaristas, ocorridas em Brasília. Estamos subestimando o avanço desses setores?

MP: Quando o ministro deu essa declaração, ele estava ao lado do secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, que garantiu que atuaria e cumpriria a sua competência de manutenção da ordem na Esplanada. Diante dessa declaração, não há por que duvidar. O Distrito Federal tem uma segurança pública muito bem aparelhada, estrutura, e ao que consta o número de manifestantes não é tão grande assim. A maioria da população acredita no resultados das eleições. Eu acho que há uma solidez muito grande das instituições em relação à Constituição.

Por mais que a gente tenha assistido a esses atos na semana passada, fica cada vez mais evidente que a sociedade brasileira não irá tolerar qualquer tipo de aventura de ruptura institucional. Na minha opinião, essa situação já esteve muito mais grave durante o governo Bolsonaro do que agora. Hoje, estamos mais pacificados. O que a sociedade e as instituições esperam é que as regras da Constituição sejam cumpridas, que o presidente Lula tome posse e que ele comece a devolver ao País o projeto de desenvolvimento econômico e social que a gente deixou de ter nesses quatro anos.

CC: Em resolução, o PSOL afirmou que não terá cargos na nova gestão. O senhor foi presidente do partido no Distrito Federal. Como vê a decisão da sua legenda?

MP: Eu não sou presidente do PSOL desde março, me afastei para cuidar da eleição e hoje não tenho nenhum cargo de direção no partido. O diretório é a instância máxima. Eu respeito o diretório. Não estou compondo o governo representando o partido, mas, sim, fui convidado em razão da história que tenho junto ao Ministério da Justiça, hoje sou auditor federal da Secretaria do Tesouro Nacional, sou advogado popular, atuei intensamente durante a gestão Bolsonaro, denunciando abusos, o ataque à democracia e o desmonte das políticas sociais. Graças a esse trabalho, eu fui convidado a compor novamente o Ministério da Justiça, convite que aceitei com muita honra, felicidade e orgulho de fazer parte da equipe do ministro Flávio Dino.

CC: De qualquer forma, o senhor não será visto como um representante do PSOL no governo?

MP: Acredito que não. Há essa separação muito grande dentro do partido. Hoje, a gente tem uma outra presidenta que toca os assuntos do partido. Estou há bastante tempo afastado da condução do partido aqui no Distrito Federal. Acredito que não há nenhum problema, até porque o partido ajudou a eleger o presidente Lula, a eleger o projeto que está sendo colocado, e foi fundamental para que a gente interrompesse o avanço da extrema direita. Acredito que não haverá estranheza nenhuma, nem em relação ao meu caso, nem em relação a outros casos de filiados que venham a ocupar cargos no governo federal. Acho que há uma consciência entre os filiados da importância desse momento histórico para que a gente consolide a democracia e interrompa de vez a ascensão da extrema direita.

CC: O PSOL não é contraditório ao ter apoiado o Lula, compor a base no Congresso, mas evitar cargos no governo?

MP: Não há contradição, até porque o partido não proibiu. Não há uma vedação à participação no governo. Então, os filiados que têm uma longa trajetória de construção de políticas públicas certamente vão ser convidados a ocupar vários espaços do governo e estarão presentes. A resolução simplesmente diz que o partido não vai condicionar o apoio ao governo a cargos. O partido vai compor a base do governo, mas não está exigindo cargos em troca. É esse o ponto. Então, acho que está bem tranquilo.

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