Entrevistas

É um absurdo que o PSOL não esteja construindo as campanhas de Lula e Freixo, diz Wesley Teixeira

Jovem do movimento negro no Rio de Janeiro deixa o PSOL com queixas sobre atraso nas mobilizações e desigualdade entre candidaturas

Wesley Teixeira, ex-PSOL, defende apoio a Lula e critica isolamento da esquerda: 'Unidade se faz com o diferente'. Foto: Reprodução/Facebook
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Jovem de 25 anos, negro, evangélico, educador popular e morador de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, Wesley Teixeira acaba de anunciar a sua saída do PSOL, após a realização do 7º Congresso do partido nos dias 25 e 26 de setembro. Filiado desde 2011, o ativista diz ter acumulado uma série de descontentamentos com os rumos tomados pela legenda na atual conjuntura.

 

Teixeira defende o apoio explícito e imediato do partido à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022. Conforme CartaCapital mostrou, no entanto, o Congresso do PSOL decidiu adiar essa decisão para o 1º semestre do ano que vem. O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) diz que ainda há possibilidade de que o partido lance candidatura própria para presidente – o parlamentar lidera um bloco expressivo que defende essa proposta.

“Eu tenho urgência. O nosso povo está passando fome”, diz Teixeira, em entrevista a CartaCapital. “A eleição não está ganha. Eu sou evangélico, e não tenho dúvidas da posição de parte dos coronéis da fé. Eles estão fazendo o trabalho que já tínhamos de estar fazendo.”

É um absurdo o PSOL não estar construindo a campanha do Marcelo e a campanha do Lula ainda

Também lhe causa incômodo o que ele acusa como falta de políticas igualitárias para a distribuição do fundo partidário. Segundo ele, o PSOL dedica um valor muito maior para candidaturas da capital do Rio de Janeiro, uma bancada branca, se comparado às cifras reservadas aos nomes das cidades periféricas.

Em 2020, Teixeira abriu uma crise interna no partido por ter recebido financiamento de personalidades associadas à burguesia brasileira. Na época, ele era candidato a vereador em Duque de Caxias, mas acabou perdendo com 3.311 votos. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, sua candidatura recebeu 35 mil reais de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Fraga aparece como o maior contribuinte da campanha do jovem, junto a Walther Moreira Salles, herdeiro do banco Itaú, que doou a mesma quantia. O irmão de Walter, João Moreira Salles, colaborou com 15 mil reais. Essas ajudas financeiras de Fraga e dos irmãos Moreira Salles correspondem a quase metade (47,2%) de todos os recursos que a campanha recebeu (179,7 mil reais).

Arminio Fraga e Wesley Teixeira Teixeira, nascido e criado em Duque de Caxias, é uma liderança negra em ascensão. ‘Ele tem posições claras contra o racismo e a desigualdade’, diz Fraga, ao justificar a contribuição. Foto: Defensoria Pública/RJ e Mauro Pimentel/Folhapress

Uma resolução do PSOL proíbe contribuições vindas do setor financeiro, mas Teixeira diz que o partido age com “seletividade” ao fiscalizar essa conduta. Além disso, ele alega que necessitava arcar, sobretudo, com custos de segurança para a sua campanha, assunto para o qual o partido não possui um plano, segundo ele.

Teixeira argumenta ainda que é preciso dialogar com outros segmentos da sociedade, ainda que representem interesses distintos aos dos trabalhadores.

“Com alguns, a gente vai caminhar até um passo. Com outros, a gente vai mais longe”, declara.

Em nota, o diretório nacional do PSOL diz que, nas últimas eleições, “foi muito além de qualquer outro partido” e aprovou cotas de recursos para candidatos de minorias sociais. A legenda diz ainda que os financiadores devem ter identificação política com o partido, portanto, aqueles que contradizem esse princípio “estão livres para deixar o partido”. Já o diretório do PSOL do Rio de Janeiro diz que Duque de Caxias foi o 2º município em quantidade de recursos recebidos para a eleição no Rio de Janeiro em 2020. CartaCapital reproduziu a íntegra das duas notas ao fim desta publicação.

Wesley Teixeira, que fazia parte da corrente Insurgência do PSOL, agora avalia convites para entrar em outras agremiações. Um deles veio do PSB, para onde foi um dos seus principais aliados, Marcelo Freixo, que deve concorrer a governador do Rio de Janeiro. PT e Rede Sustentabilidade também fizeram acenos. A expectativa do jovem é alavancar uma campanha para deputado estadual.

Assim como Teixeira, Douglas Belchior, líder da Coalizão Negra por Direitos, também acaba de deixar o partido, com queixas semelhantes: “A estrutura não muda, a direção é a mesma, a mesma lógica de partilha interna de poder, a mesma cara, a mesma tez”, disse, em carta publicada na quinta-feira 30.

Confira, a seguir, a entrevista na íntegra.

CartaCapital: Por que só agora você está anunciando a sua saída do PSOL?

Wesley Teixeira: A primeira coisa é que essa não foi uma decisão minha. É um acúmulo coletivo. Eu faço parte de diferentes movimentos sociais, grupos e coletivos, e a gente precisava fazer o debate primeiro, antes de tomar uma decisão como essa. A outra coisa é que a gente esperava o Congresso do PSOL, que aconteceu no último fim de semana, com a esperança de que tivesse alguma modificação, mas a gente não encontrou essas mudanças. Então, a decisão veio logo depois disso.

Eu fui desse partido durante muitos anos e esperava ver alguma coisa diferente, com uma política aprovada para segurança e proteção das figuras públicas e seus candidatos. O PSOL não tem um plano de segurança para as suas figuras. Esperava alguma resolução para candidaturas de negras e negros.

Esperava que, na conjuntura, tivesse um apoio, explicitamente, à construção do Lula e um programa para superar o Bolsonaro. Parece que essas coisas não foram colocadas. Esperava um apoio a outros candidatos, nos estados, que têm condições de derrotar o Bolsonaro. No meu estado, é o Marcelo Freixo. É um absurdo o PSOL não estar construindo a campanha do Marcelo e a campanha do Lula ainda.

Não vai ser uma disputa fácil. Nesse momento, é entrar de cabeça nessa construção, indo para os territórios, dialogando com as pessoas, pensando não só como derrotar o Bolsonaro, mas o que a gente quer depois. Parece que a minha prioridade não é a mesma que a do PSOL.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante evento com movimentos de periferia em São Paulo. Foto: Reprodução

CC: Mas o PSOL decidiu adiar algumas decisões para o 1º semestre do ano que vem. Você não acha que a conferência de 2021 poderia ser oportuna para decidir algumas alianças eleitorais?

WT: Eu acho que eu tenho urgência. O nosso povo está passando fome, desempregado. Cada vez mais sobe o número de pessoas assassinadas. A gente não pode adiar a decisão de apoio para o ano que vem. Eu e muitos companheiros já estamos na campanha do Lula e do Marcelo Freixo. Não é momento de ter dúvidas.

CC: O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) diz que uma candidatura própria do PSOL poderia tensionar outras candidaturas progressistas com a defesa de pautas como a derrubada do teto de gastos e a revogação de reformas econômicas aprovadas desde 2016. Ele está incorreto?

WT: Eu acho que ele está incorreto por dois motivos. Primeiro, é uma tentativa de fazer o debate entre nós, com os candidatos de esquerda. Eu estou numa outra vibe. A minha opinião é que a gente tem que fazer um debate com a sociedade. A eleição não está ganha. Eu sou evangélico, da Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito, e não tenho dúvidas da posição de parte dos coronéis da fé. E eles estão fazendo o trabalho que já tínhamos de estar fazendo. Não quero ficar debatendo para dentro, pressionando os deputados de esquerda. Eu quero ganhar a sociedade para que a gente ganhe as eleições.

A outra coisa é: eu não sei de que candidatos ele está falando. O Lula já disse que quer incluir o pobre no orçamento, já falou contra teto de gastos e a reforma da Previdência. Queria entender quais são as reformas que ele está falando…

O deputado federal Glauber Braga (PSOL/RJ). Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

CC: Como explicar, na prática, o tamanho da disparidade no financiamento das candidaturas do PSOL?

WT: A disparidade foi gigante. Vou dar um exemplo no Rio de Janeiro. As candidaturas a vereador na capital – entre elas, candidaturas que já tinham mandato – receberam 125 mil reais, cada uma. Por coincidência ou não, uma bancada branca. Juntas, todas as candidaturas a vereador e a candidatura a prefeito na minha cidade, Duque de Caxias, receberam o mesmo valor que uma candidatura da faixa A na capital. Entendeu o tamanho da disparidade?

[Segundo o TSE, dos sete vereadores eleitos no Rio em 2020, três receberam cerca de 127 mil reais da direção municipal do PSOL: Tarcisio Motta, Chico Alencar e Monica Benicio. Outros dois receberam 82 mil reais: Paulo Pinheiro e Dr. Marcos Paulo. William Siri registrou 42 mil reais. Thais Ferreira, 2,3 mil reais.]

CC: Com o que é gasto o dinheiro recebido de financiamentos como o dos irmãos Moreira Salles e Arminio Fraga?

WT: Parte significativa do dinheiro da nossa campanha foi gasto em segurança, com recursos para tentar se proteger. São vários gastos, desde o transporte: eu não posso circular na minha cidade à pé, tem que circular de carro, se possível, blindado. Tem que colocar câmeras em certos espaços, contratar pessoas. Enfim, há uma sequência de gastos.

Segundo, em mobilização de pessoas pela cidade inteira. A gente tem que fazer material para espalhar as nossas ideias, tem que pensar o deslocamento das pessoas que vão nos ajudar nas atividades e a comunicação.

Agora, só uma coisa sobre o Arminio e os Salles. O PSOL restringiu esse tipo de financiamento agora. O que ele coloca é que basicamente só podemos ter financiamento partidário. Então, as candidaturas que o partido decidir que não vai ter apoio não vai ter outra fonte de recurso. Essa é a verdade, pela resolução que está agora.

Ninguém fala, mas nossa candidatura teve muitos apoiadores pequenos também. Nossa campanha quase bateu recorde de apoios individuais pequenos, quase 30 mil arrecadados. Engraçada é a seletividade da punição, porque ele mesmo [o PSOL] não cumpre. Essa é a questão. Diversas candidaturas do PSOL receberam financiamento.

CC: Como dialogar com quem desconfia da pressão que esses financiadores podem exercer no seu mandato?

WT: Primeiro, eles não foram os únicos doadores. Eles são os doadores que a mídia decidiu usar para falar de mim. Eu fui financiado por empregadas domésticas, trabalhadores de Uber, por uma sequência de profissionais que doaram para a nossa campanha com tanto peso quanto.

E mais: eu estou desde os 12 anos na construção dos movimentos sociais, toda a minha organização vem disso. Eu faço de movimento em Caxias, da Coalização Negra por Direitos, do Movimento Negro Unificado, do Movimento de Educação Popular +Nós, da Frente de Evangélicos por um Estado Democrático de Direito. Todas essas forças compõem a nossa construção, que é coletiva, que pressionam também por suas pautas.

Agora, observe. A gente fala de uma conjuntura onde se quer derrotar o Bolsonaro. É claro que o Arminio e os irmãos Salles têm os seus interesses. A gente é de classes sociais totalmente diferentes. Mas hoje nós temos um interesse em comum: derrotar o Bolsonaro. Apenas a esquerda não vai derrotar o Bolsonaro sozinha. A gente precisa de uma frente ampla de todos aqueles que têm uma coisa em comum, que é derrotar o Bolsonaro.

Depois, o meu desafio é continuar derrotando o bolsonarismo, por mudanças econômicas, por uma outra política de segurança pública… Mas é como se fossem camadas de cebola. Com alguns, a gente vai caminhar até um passo. Com outros, a gente vai mais longe. Eu sei com quem eu vou mais longe. Eu vou mais longe com aqueles que já estão comigo há mais tempo. Mas unidade não se faz com iguais. Unidade se faz com os diferentes.

Eu não me sinto nada desconfortável em receber esse dinheiro. Isso é parte de um processo de reparação. Eu estou ocupando espaços que outras figuras também ocuparam. Fica parecendo que eu estou fazendo algo ilegal. O que estou fazendo é público.

O presidente Jair Bolsonaro em ato de apoiadores no Dia da Independência. Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

Confira as notas dos diretórios nacional e estadual do PSOL

PSOL Nacional:

Nas últimas eleições, o diretório nacional do PSOL foi muito além de qualquer outro partido e aprovou a destinação de mais recursos a candidaturas de mulheres (30%); negros e negras (50%), indígenas, quilombolas e LGBT (15%); pessoas com deficiência-PCD (10%), em relação a candidaturas de homens brancos na mesma faixa de prioridade. A sobreposição dessas condições levou ao acúmulo dos percentuais. Além disso, é do PSOL a ação que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a obrigar que os partidos destinassem, já nas últimas eleições, recursos do fundo eleitoral de maneira proporcional à quantidade de candidaturas negras e brancas. Hoje, a bancada do PSOL na Câmara Federal tem maioria de mulheres, com negras e negros entre seus integrantes, reflexo das políticas adotadas pelo partido. Há vários anos a legenda também estabeleceu cotas de 30% de negras e negros e paridade de gênero em todas as suas instâncias de direção.

Para o PSOL, o financiamento é uma questão de princípio. Quem financia a campanha dos candidatos deve ter identificação com as posições políticas e projeto de país defendido pelo partido. Portanto, aqueles que querem receber recursos de banqueiros, empresários do agronegócio, empresas que atacam o meio ambiente, devem compreender que isso é uma contradição com os princípios e posições do PSOL e são livres para deixar o partido.

PSOL Estadual:

O 7º Congresso do PSOL não definiu novas restrições em relação ao financiamento de campanha. Houve uma atualização, frente à nova legislação, com o que já estava previsto no estatuto do partido desde a fundação.

Entendemos que a independência política e financeira do partido é o que permite ao PSOL, como o fez nas ultimas eleições, garantir que candidaturas de mulheres, negros e negras, indígenas e LGBTQIA+, entre outros setores sub-representados, possam receber prioridade política na distribuição dos recursos públicos, sem que haja qualquer ingerência e distorção motivada por interesses financeiros externos.

O PSOL Rio de Janeiro garantiu com que todas as candidaturas e municípios de nosso estado recebecem recursos, utilizando critérios objetivos na distribuição como o numero de vagas em cada camara de vereadores e o número de candidaturas apresentadas por cada diretório municipal. Ainda que em Duque de Caxias tenhamos disputado com uma das menores chapas apresentadas no estado, o município foi o segundo em quantidade de recursos recebidos para a eleição no Rio. Essa política de capilarização permitiu ao PSOL eleger vereadores nos municípios de Petrópolis, São Gonçalo e Niterói, além da capital.

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