Educação

Tentativas de censura a ‘O avesso da Pele’ estão alinhadas a um projeto político, diz autor da obra

O caso mais recente envolveu o pedido de uma diretora de uma escola no Rio Grande do Sul para que os exemplares da obra fossem retirados da instituição

Créditos: Foto: Carlos Macedo / Divulgação e Divulgação
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O livro ‘O Avesso da Pele‘, do autor Jeferson Tenório, voltou a ser alvo de tentativa de censura por parte de uma escola. O caso mais recente envolveu o pedido de uma diretora de uma escola no Rio Grande do Sul para que os exemplares da obra fossem retirados da instituição e não utilizados por professores dentro da sala de aula.

Na reclamação, publicada nas redes sociais, a diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, Janaina Venzon, disse considerar “lamentável o Governo Federal através do MEC adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio”. A publicação foi apagada posteriormente.

A obra literária integra o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), do MEC, que compra e distribui obras didáticas e literárias para escolas públicas do país. Inicialmente, as obras e são avaliadas por especialistas da banca do MEC para que, depois, os diretores de escolas escolham as obras. O livro, portanto, foi escolhido pela própria escola para fazer parte do catálogo.

Logo após a publicação feita pela diretora, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), ligada a Secretaria de Educação do Estado, chegou a orientar a retirada dos exemplares da biblioteca da escola até que o MEC se manifestasse.

No domingo 3, a Seduc emitiu nota afirmando que “não orientou para que a obra (…) fosse retirada de bibliotecas da rede estadual de ensino” e que “a 6ª Coordenadoria Regional de Educação vai seguir a orientação da secretaria e providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros literários”.

Também em manifestação sobre o caso, em nota, o MEC afirmou que a permanência no programa é voluntária e que “as escolas podem escolher de forma democrática os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica, tendo como diretriz o respeito ao pluralismo de concepções pedagógicas”.

‘Desconhecimento e conservadorismo’

Em conversa com CartaCapital, Jeferson Tenório  discorreu sobre as controvérsias que têm circundado sua obra, que tem como tema central o racismo.

Ele relembrou um episódio específico no qual foi alvo de ameaças de morte, em represália à adoção de seu livro por uma escola privada em Salvador. Apesar disso, Tenório diz que os casos são pontuais. Segundo ele, a maioria das escolas compreende e valoriza a proposta do livro, apesar de reconhecer que a obra ‘trata de temas que incomodam’.

“É um livro sobre a paternidade, sobre pais e filhos, a difícil relação entre pais e filhos. Há também uma crítica à precariedade do ensino no Brasil. É um livro que vai tratar da sala de aula, do dia a dia dos professores, dos alunos. Por fim, também vai tratar do racismo estrutural e, consequentemente, da violência policial”, enumera. “São temas muito sensíveis. E isso faz que com algumas escolas e profissionais de educação, sem subsídio, acabem, ao invés de discutir, censurando o livro.”

Vencedora do Prêmio Jabuti em 2021, O Avesso da Pele se passa em Porto Alegre, nos anos de 80, e conta a história de Pedro, filho de um professor de literatura assassinado em uma desastrosa abordagem policial. Motivado pela perda, Pedro mergulha em uma investigação sobre suas origens, buscando desvendar as raízes de sua família, explorar o passado e compreender melhor a vida e os ideais do pai.

O autor também entende que há uma distorção sobre o tema do livro – que, ao contrário das reclamações escolares, não tem a narrativa centralizada no tema da sexualidade.

“O livro não é sobre sexo, não é sobre sexualidade e, ainda que fosse, creio que ela perdeu a oportunidade de discutir com os professores e com os próprios alunos questões sensíveis como essa. A gente sabe que no Brasil tem um índice alto de abusos, de estupros, de violência doméstica. E a escola é um espaço para essa discussão. Quando se usa o vocabulário como argumento, é justamente porque a escola ou não está preparada ou simplesmente não quer discutir essas questões.”

Segundo o autor, em 200 páginas, há no máximo três ou quatro passagens que contém palavrões ou cenas de sexo. “E elas não aparecem gratuitamente, representam a fala de pessoas brancas em relação ao corpo negro. As cenas de sexo que aparecem é uma representação do estereótipo do corpo negro, dessa sexualização da mulher negra, da violência que acontece com as mulheres e homens negros. Então, essa linguagem ‘baixa’ a que ela se refere, na verdade, é um produto da branquitude, que é sim uma linguagem violenta e utilizada cotidianamente no Brasil”, avalia.

Para Jeferson Tenório, também fica claro que a postura da diretora está alinhada a um discurso político. “É um discurso político, um discurso que foi cooptado por um conservadorismo que vem recrudescendo no Brasil, um discurso puritano, conservador, que não aceita qualquer tipo de temática que fuja a esses princípios”.

O autor ainda entende, no fim, que a polêmica acerca do livro acaba por subestimar o conhecimento dos adolescentes, que acabam tendo acesso a conteúdos de qualidade duvidosa na internet a todo o momento. “Ao contrário do Google, das redes sociais, a literatura traz uma reflexão sobre temas sensíveis, traz uma responsabilidade ética, humana, e que pode ser explorada pelos professores. Por isso a importância de estudantes terem acesso com uma boa mediação, alinhado a um projeto pedagógico de acordo com o aprendizado daquela série”.

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