Editorial

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Putin, o tártaro

Só a China poderia segurá-lo

Putin, o tártaro
Putin, o tártaro
A debilidade do Ocidente facilita a vida dele - Imagem: Natalia Kolesnikova/AFP
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Muitos analistas europeus sustentavam até dias atrás que Putin só se deteria na guerra feroz obstada apenas pela Ucrânia. Logo ficou evidente que Putin não vai ceder, mesmo porque não há quem tenha condições de batê-lo, e ele sabe disso perfeitamente. Nessas circunstâncias, a guerra continua não se sabe até quando, fica claro de todo modo que Putin se dá conta das fraquezas de quem haveria de enfrentá-lo. E a guerra tem o poder de revelar a debilidade do Ocidente, em primeiro lugar a inutilidade da ONU. No entanto, ecoando crenças de outros tempos, a Europa está longe de reeditar a Entente Cordiale entre Alemanha e França, cujos líderes atuais em nada recordam aqueles do passado.

Tanto um quanto o outro são débeis, definitivamente incapazes de produzir algum gênero de resistência eficaz. Putin, consciente desta situação, vai em frente e não há quem possa detê-lo. Com a exclusão de uma potência que realmente dispõe das condições de intervir: a China. A antiga URSS era incômoda para a China surgida da Longa Marcha de Mao ­Tsé-tung. Tempos idos, de fato, embora uma Rússia revitalizada nas mãos de Putin pode acabar como um novo estorvo. É claro que a única intervenção bem-sucedida para impedir o prosseguimento do conflito está nas mãos de Pequim.

A China, até o momento, apoiou Putin, mas a chance de uma intervenção meramente diplomática é suficiente para assustar o belicismo russo e de induzi-lo a uma mudança decisiva. No momento presente, a China manda no cenário convulsionado e tudo indica que a sua vontade prevalecerá nesta situação. Tudo coincide com este cenário a tornar a China a maior potência do mundo, habilitada pelas circunstâncias a decidir o nosso destino.

A guerra chega a Kiev – Imagem: Fadel Senna/AFP

Marco Polo já esteve no caminho das grandes antecipações ao visitar o Catai, e antes dele os missionários beneditinos se atiraram na mesma direção e, posteriormente, navegadores a serviço da Espanha. Finalmente, Fernão de Magalhães circunavegou o continente africano e abriu as rotas do Pacífico.

A civilização chinesa é muito anterior à ocidental. Foi ali que começou a pandemia da Covid e neste momento a doença volta a atacar maciçamente a China. As medidas mais drásticas são tomadas e todo lugar exposto à enfermidade é imediatamente interditado em todo o país. A intenção é evitar que os antigos problemas reapareçam e, de fato, já surgem com virulência. Até que ponto esta situação pode influenciar de imediato os comportamentos da grande potência asiática? No desempenho daquela que haveria de ser sua missão, ou seja, intervir de sorte a sustar a escalada russa.

O avô Gêngis Khan e o neto Kublai Khan dominaram o Ocidente entre os séculos XI e XII – Imagem: Redes sociais

Neste cenário, contudo, a tentativa de pôr fim ao conflito não se afigura como algo factível no curto prazo. É verdade que Putin, como estrategista, falhou. As forças de Moscou partiram quando se imaginava um confronto relâmpago, mas somente agora o líder russo ameaça efetivamente chegar ao Mar Negro. Certo é que, nesta moldura, esta guerra continua a ser o fato mais grave e ameaçador para a humanidade. Por enquanto, Putin não parece disposto a aceitar qualquer tentativa de bloquear a sua ofensiva. E, para demonstrar os seus propósitos, na quarta-feira 27 de abril, interrompeu bruscamente o fornecimento de gás para a Polônia e a Bulgária.

De regresso às observações sobre o possível papel da China, Putin lembra mais Gêngis Khan e Kublai Khan, líderes das invasões mongóis do mundo ocidental entre os séculos XI e XII. Enquanto suas cavalarias inventavam o bife tártaro ao colocar um naco de carne embaixo das selas que usariam pelo dia inteiro e o suor dos cavalos funcionaria como tempero. •

 

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1206 DE CARTACAPITAL, EM 4 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Putin, o tártaro”

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