Editorial

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O vaidoso STF

Diariamente enfrenta as câmeras da tevê. Peculiaridade nativa…

O vaidoso STF
O vaidoso STF
Qual seria a reação de um sioux ao tropeçar na cabeleira de Fux? Já a rainha Carlota Joaquina incomodava-se com a poeira tropical, mas ela e D. João VI contribuíram para o atraso do Brasil – Imagem: Fellipe Sampaio/STF e Museu Histórico Nacional
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O Brasil, mais uma vez, fornece provas da sua capacidade em inovar ou mesmo criar na ausência de modelos internacionais. Refiro-me ao Supremo Tribunal Federal, o único no mundo a se exibir diariamente na televisão. Ninguém conhece o rosto dos juízes supremos dos mais importantes países do globo. Nós aqui temos, por exemplo, a oportunidade invulgar de perceber a alegria de um pele-vermelha americano que tivesse a ventura de tropeçar no escalpo glorioso do atual presidente do STF, Luiz Fux.

Já poderia causar sobressaltos íntimos o fato de que este mesmo Supremo, que digeriu com extrema tranquilidade os golpes praticados pela Lava Jato e pelo Congresso, continue a postos com a pompa habitual ­construída por discursos empolados e amplas togas. Continua a postos, contudo, como se os crimes cometidos no passado tivessem sido esquecidos ou perdoados. É a enésima ­peculiaridade do Brasil brasileiro. Como se não bastasse tudo mais que vem de cambulhada, a começar pela presença de um demente de hospício na Presidência da República.

Como de hábito, fingimos a normalidade, enquanto permanecem os problemas centrais: o desequilíbrio social monstruoso e a incapacidade de reação de um ­povo ­ignorante, jamais treinado para entender os vexames e as humilhações sofridos desde sempre, sem ­chance de ­revide. Até quando teremos, nós que alimentamos algumas crenças nos valores legados há cerca de 250 anos pela Revolução Francesa, de aceitar o atraso do País? Em compensação, recebemos ­

D. João VI, rei de Portugal, em fuga de ­Lisboa na iminência da invasão do general Junot, e a própria colonização ­portuguesa cuidou de propiciar o resto do desastre.

Ao deixar, finalmente, o Brasil, a rainha Carlota Joaquina bateu o salto contra a amurada do navio destinado a ­levá-la de volta ao país de origem, a significar seu arrependimento por ter vivido algum tempo nas nossas paragens e se livrar da poeira tropical. Caberia a nós dar, na ocasião, um suspiro de alívio. Mas já era tarde. Arrisco-me a dizer que, no Brasil, sempre é tarde. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1194 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O vaidoso STF”

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