Editorial

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A farsa e a tragédia

A Lava Jato foi a sórdida manobra urdida para eleger Bolsonaro e afastar Lula de vez da política brasileira

E Moro já sabe o que vai fazer - Imagem: Redes sociais
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Escrevia o Le Monde no começo da Operação Lava Jato “Existe algo de podre no Reino do Brasil” e entre outros males a assolarem o País referia-se “ao naufrágio do sistema judicial”. Assinada a reportagem por dois profissionais, relatava que a embaixada dos Estados Unidos procurava “aumentar sua vantagem” em seguida a uma viagem de Sergio Moro a Washington. Surtida importante e decisiva carregada por uma agenda intensa para prever contatos junto aos departamentos de Justiça e de Estado, bem como ao FBI.

A embaixada americana criou um cargo de assessor-adjunto residente e escolheu para o comando Karine ­Moreno-­Taxman, procuradora especializada em lavagem de dinheiro e terrorismo. Taxman pontifica: “Para que o Judiciário possa condenar alguém por corrupção, é necessário que o povo odeie esta pessoa”. Por sua vez, chamado a assessorar a ministra Rosa Weber, do STF, na qualidade de perito em Direito Penal, Moro diz: “Os crimes ligados ao poder são por natureza difíceis de comprovar por meio de prova direta”. Recomenda, portanto, “maior elasticidade na aceitação de provas por parte da acusação”.

Graças à Lava Jato, Odebrecht, OAS e Camargo Corrêa, maiores empreiteiras do País, entram na linha de fogo de ­Washington, inclusive porque participam do fortalecimento da influência geopolítica do Brasil na América Latina e na África. Foi quando o embaixador norte-americano Thomas Shannon avisou o Departamento de Estado que a empresa brasileira participava de um projeto de poder do PT e da esquerda latino-americana.

A condenação de Lula sem provas foi, de saída, o intuito das torpes figuras da república de Curitiba

Nesta moldura, em maio de 2019, o ­Intercept de Glenn Greenwald publica conversações privadas entre os integrantes da Lava Jato, ao longo de três artigos publicados em seguida. No dia 5 de abril de 2018, Moro expediu mandado de prisão contra Lula, o que na prática significa que lhe veda a participação nas eleições daquele ano. O ex-capitão Jair Bolsonaro vence o pleito e chama Moro para o Ministério da Justiça.

Em um texto exclusivo para ­CartaCapital, o grande jurista italiano Luigi Ferrajoli aponta os aspectos inconfundíveis das práticas inquisitivas. Em primeiro lugar, a confusão entre juiz e acusação, encarnando, portanto, a figura do juiz inquisidor que promove acusação, formula as provas, emite mandados de sequestro e de prisão, participa de conferências de imprensa, ilustrando a acusação e antecipando o juízo. Finalmente, pronuncia a acusação de primeiro grau.

“É claro – escreve Ferrajoli – que similar figura de magistrado é a negação da imparcialidade, sendo que confere ao processo um andamento monólogo fundado no poder despótico do juiz inquisidor.” Moro conduz, diz Ferrajoli, um procedimento dedutivo que assume como verdadeiras as provas que o confirmam e como falsas todas aquelas que o contradizem. Outra característica inquisitória é a de considerar o imputado como inimigo, o que acarreta a demonização de Lula por parte da mídia nativa.

Imagem: Paulo Pinto/Instituto Lula e Lula Marques/Folhapress

A exemplar constituição do Dr. Ulysses foi desrespeitada e Lula, impávido nos braços do povo, marchou ao encontro de quem já se preparava a condená-lo sem provas

O jurista italiano louvou, no entanto, a qualidade da Constituição brasileira, a Constituição-Cidadã, conforme a definição do doutor Ulysses Guimarães ao concluir, em 1988, os trabalhos de uma Constituinte de meio período, e mesmo assim bem-sucedida. O doutor Ulysses é personalidade notável, à qual o País deve muito. Ironicamente, desafiou a ditadura ao apresentar a sua anticandidatura contra Ernesto Geisel, protegido pelo irmão Orlando. Ulysses liderou o movimento das Diretas Já, episódio empolgante capaz de lotar praças e avenidas por um povo desperto e unido na reivindicação dos seus direitos.

Esta Carta louvada por Ferrajoli foi clamorosamente desrespeitada pela malta de Curitiba, sempre empenhada no seu famigerado vale-tudo para expulsar Lula do mapa. A certa altura unira-se a Moro o promotor Deltan ­Dallagnol, ­autor de um bestialógico chamado ­PowerPoint, ou seja, a peça acusatória, documento patético e mesmo assim de efeitos fatais. Dessa forma, criou-se um monstro na Presidência, o energúmeno demente Jair Bolsonaro.

Cabe perguntar: como admitir que dois facínoras deste porte, absolutamente empenhados em desrespeitar a Justiça e a razão, inimigos do País e do seu povo, continuem a postos eleitos a serviço de Bolsonaro, Moro a senador e Dallagnol a deputado federal, com o transparente propósito de escapar a qualquer gênero de punição?

CartaCapital permite-se observar que, em qualquer país democrático e civilizado, as figuras hediondas deveriam estar agora atrás das grades. Levamos em conta o fato de que, neste momento, o Brasil atravessa um período dito de transição, a preceder ainda a formação do novo governo. Esta publicação espera que neste período de definições se faça Justiça.

Em rede nacional de televisão, Dallagnol apresenta seu PowerPoint patético, mas fatal – Imagem: Rodolfo Buher/La Imagem/Fotoarena

Não é possível aceitar que, na condição de congressistas, ambas as figuras hediondas sejam poupadas. Talvez no quadro de uma anistia geral que nos anime dançar felizes na avenida. É contra esta possibilidade que CartaCapital se manifesta. Não se trata de invocar a vingança, e sim a Justiça e a razão.

E aproveitamos a oportunidade para apontar algumas personagens decisivas no quadro desta eleição destinada a consagrar a invencibilidade de Lula. Sem estabelecer uma ordem cronológica, na nossa visão avultam notáveis personalidades, como Jaques Wagner, Flávio­ ­Dino, Guilherme Boulos, André Janones­, ­Simone Tebet, sem esquecer Alexandre de Moraes, nascido à sombra de ­Geraldo Alckmin, à época governador de São ­Paulo, à testa de um governo tucano.

Moraes teve uma atuação irrepreensível tanto como ministro do STF quanto como presidente do TSE. Seu desempenho impecável garantiu a lisura do embate eleitoral capaz de elevar Lula à condição de líder imbatível. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1234 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A farsa e a tragédia”

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