Economia

Uma oportunidade para o Brasil

Espera-se que Lula volte a adotar a valorização como a melhor opção para dinamizar a economia no curto prazo

Por beneficiar ao menos 60 milhões de pessoas e estar vinculada ao sistema de proteção social, a valorização do mínimo tem forte efeito positivo – Imagem: iStockphoto
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A Política de Valorização do Salário Mínimo (PVSM) foi uma das mais bem-sucedidas políticas públicas dos governos Lula e ­Dilma, apontada por diversos estudos como a que mais contribuiu para a expressiva redução da desigualdade de renda no Brasil dos primeiros 15 anos do século XXI. Por ser uma política de abrangência nacional que pode beneficiar diretamente pelo menos 60 milhões de ­pessoas e, ainda, por sua vinculação ao sistema de proteção social, a PVSM tem forte efeito sobre segmentos que se encontram entre o primeiro e o terceiro decil da distribuição da renda, complementando esforços do governo na defesa dos rendimentos dos mais pobres, beneficiados diretamente pelo programa Bolsa Família.

Segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, a população de cor ou raça preta ou parda, embora represente 54% dos ocupados, está majoritariamente presente em três atividades econômicas: Agropecuária (60%), Serviços domésticos (67%) e Construção (66%), com menor remuneração média dentre o conjunto de dez atividades classificadas pelo estudo. Dessa forma, a elevação do salário mínimo é também uma forma muito efetiva de atuar no combate à histórica desigualdade de cor e raça que ainda persiste no País – atualmente, a razão entre os rendimentos de pretos ou pardos e brancos alcança 58%.

De forma semelhante, a PVSM tem efeitos especialmente positivos para reduzir a desigualdade de gênero, já que a maioria que aufere o piso mínimo, ou próximo deste, é de mulheres. No perío­do recente, em razão das crises econômicas, dos retrocessos nas políticas sociais e da desconstrução dos direitos do trabalho, observa-se uma queda dos rendimentos médios entre as ocupações geradas. Entre 2014 e 2022, as pessoas ocupadas que recebiam até um salário mínimo (SM) passaram de 28,6% para 34,3%, destacando que entre as mulheres negras esse contingente passou a 49,5%.

No debate atual existem pelo menos quatro propostas na mesa de discussão: 1. O reajuste apenas pela inflação. 2. A volta da política dos governos Lula e ­Dilma (inflação + PIB integral dos dois anos anteriores). 3. Aumento pelo PIB per capita + inflação.  4. A proposta das centrais, que acrescenta à política anterior a recuperação do valor perdido no último governo + a produtividade dos últimos 30 anos, significando aumento real adicional de 2,4% ao ano.

É um debate crucial, na medida em que se trata de uma política estruturante e promotora de um desenvolvimento mais inclusivo e com menor desigualdade, promessa de campanha de Lula. Dada a crise social e o baixo crescimento econômico, é fundamental uma PVSM que garanta aumentos substantivos, especialmente no curto prazo, com caráter anticíclico. Entre as razões destacamos:

(1) Os dados demonstram que a PVSM anterior foi compatível com o crescimento econômico, a geração de emprego e a formalização. Tampouco dificultou o controle inflacionário e a trajetória de robustos superávits primários nas contas públicas. Ademais, foi o mais importante mecanismo para combinar crescimento com inclusão social, diminuindo as desigualdades salariais e regionais, beneficiando, também, aposentados e pensionistas.

(2) Valorizar o SM coloca o Brasil em linha com a realidade mundial. Nas comparações internacionais, o Brasil ocupa as últimas posições. Na América Latina, o nosso SM é o terceiro mais baixo, e equivale à metade do valor pago no Uruguai ou no Chile. Com relação à União Europeia, a diferença é ainda maior.

(3) No debate teórico, é especialmente relevante o fato de dois vencedores do Prêmio Nobel de Economia, David Card e Joseph Stiglitz, mostrarem que o SM traz ganhos para o mercado de trabalho, apontando ser fundamental a recuperação do seu poder de compra para garantir melhor distribuição de renda.

(4) Sobre o argumento inflacionário, o mercado de trabalho brasileiro é caracterizado por baixos salários, pela informalidade e pela insuficiente oferta de postos de trabalho, o que afasta a hipótese de que a inflação corrente possa vir a ser pressionada no curto e no médio prazo pelos ­custos salariais ou pelo excesso de demanda. A inflação atual é um fenômeno global que deriva da desorganização das cadeias globais de produção, afetadas pela pandemia, e do aumento dos preços de energia e alimentos em razão da guerra na Ucrânia.

Inúmeros estudos mostram que essa política foi a que mais reduziu a desigualdade de renda

(5) Devem ser observados ainda os efeitos macroeconômicos dinâmicos da PVSM. O SM não deve ser visto somente pela ótica do gasto, já que é também renda e aumenta o poder de compra de parte da população de mais baixa renda e maior propensão a consumir, impulsionando o PIB e, consequentemente, a arrecadação de impostos e contribuições previdenciárias.

(6) Além disso, os efeitos “farol” e “arrasto” da PVSM, ao induzir a elevação dos demais pisos salariais, podem reduzir a enorme dispersão da distribuição salarial.

Por fim, pode-se dizer que, no quadro atual, essa estratégia constitui uma das poucas e melhores opções para dinamizar a economia no curto prazo e enfrentar a grave crise econômica e social herdada do governo anterior.

O estabelecimento de um critério de reajuste para o piso mínimo que priorize a sustentação e recuperação do poder de compra da classe trabalhadora, além de contribuir para a melhora efetiva das condições de vida de parcela substantiva da população (60 milhões de ocupados ganham até dois salários mínimos e outros 24,4 milhões recebem o piso da Previdência), também daria às empresas um horizonte de crescimento de demanda, sendo, portanto, um estímulo aos investimentos privados.

Estamos desafiados a encontrar alternativas para dinamizar a economia, retomar o desenvolvimento e promover os avanços sociais que tanto afligem a vida da maioria da população brasileira. Em 2006, com coragem e lucidez, o presidente Lula enfrentou os recorrentes argumentos do pensamento econômico conservador, contrários aos aumentos salariais, e implementou a PVSM com grande êxito. Seus efeitos econômicos e sociais positivos e de sustentação política do governo foram evidentes. Isso parece ainda mais necessário hoje. •


*Os autores são pesquisadores do Instituto de Economia da Unicamp, exceto João Hallak, que é técnico do IBGE. 

Publicado na edição n° 1257 de CartaCapital, em 03 de maio de 2023.

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